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quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

CRÍTICA: A TROCA / O filme mais feminista da temporada, disparado

- Olha bem pra mim: eu não mereço um outro Oscar?

A Troca é um filme poderoso, e gostei dele. Lamento apenas que ele tenha meia hora a mais do que deveria e uns cinco finais diferentes - pra tudo se acabar naqueles letreiros explicativos preguiçosos (como quase todos os oscarizáveis que vi até agora: Milk, Frost/Nixon, Foi Apenas um Sonho). Não chorei, mas fiquei revoltada com toda a situação mostrada. Pensando bem, deve ser a produção mais feminista da temporada, e foi logo o machão Clint Eastwood que a dirigiu (ele já havia exposto sua sensibilidade em Imperdoáveis e As Pontes de Madison). O filme inteiro é sobre instituições masculinas fazendo de tudo para oprimir e controlar as mulheres.
Se não, vejamos: Troca conta a história real de Christine, uma mãe solteira (Angelina Jolie) no final dos anos 20. Ela trabalha pacas, supervisionando operadoras de telefone, e cuida sozinha do seu filho de 9 anos. Um dia, ela se atrasa um tiquinho, por cortesia de seu chefe (que é boa pessoa, mas incapaz de entender que uma mãe tenha que ir correndo pra casa), e seu filho desaparece. Ela liga pra polícia, desesperada, que lhe informa que não dá pra fazer nada antes de 24 horas de sumiço (isso continua em todo lugar, imagino, porque a criança costuma voltar logo). Mas o menino não reaparece. Cinco meses depois, ótimas notícias: o guri foi encontrado, diz a polícia. A má notícia é que o menino não é exatamente o filho da Christine. Não, não, o gênero não é terror, então não é nada como Cemitério Maldito, em que uma criança volta do túmulo. É só que a polícia é incompetente, corrupta e arrogante o suficiente pra querer convencer uma mãe que ela não reconheceria seu próprio rebento. Sabe como Plano de Vôo seria mais interessante se, em algum momento, passasse pela nossa cabeça que a Jodie Foster estaria fantasiando que sua filhinha sumiu? E uma das sensações de O Bebê de Rosemary é que não sabemos, durante um tempo, se a protagonista está apenas imaginando que há uma conspiração contra ela. Pensei se A Troca poderia criar esse suspense colocando uma sementinha de dúvida na nossa mente - de repente o menino cresceu e Christine não o reconhece mesmo? Mas descartei isso rapidinho. Simplesmente não é possível. Portanto, se um detetive diz “Este é seu filho, senhora", e a mãe diz “Não é meu filho” (a frase mais ouvida no filme), não tem a menor chance da gente acreditar na polícia. Se fosse um bebê, ainda ia, porque nenês são parecidos. Mas um garoto de 9 anos?! (tudo bem que eu não soube distinguir os vários meninos que surgem no filme, e pra cada um eu perguntava: “É o filho dela?”. Mas eu não sou a mãe).
E o pior é que Chris tem provas que the dingo took her baby, quer dizer, que aquele não é seu filho. O menino que lhe foi devolvido é mais baixo e é circuncidado. O detetive manda um médico a casa de Chris para lhe garantir que, apesar desses detalhes, o garoto é sim seu filho. Com a ajuda de um reverendo (John Malkovich), ela fala à imprensa para denunciar esse cenário surreal. A polícia, contrariada, decide interná-la num manicômio. Enquanto isso, um outro investigador descobre, totalmente sem querer, o trabalho de um serial killer.
Não é terrível? A violência contra Christine deve tocar fundo a cada um de nós que já passou perto de um tira desonesto. Sabe quando o sujeito inspecciona o seu carro numa estrada vazia no meio da madrugada e você fica pensando: “E se ele colocar uma trouxinha de alguma droga no meu porta-mala e me levar preso?”. Sorry, eu não confio muito na polícia. Considero-a despreparada quando preciso dela e ameaçadora e autoritária quando não preciso. Adoraria ter uma imagem da polícia de como ela deveria ser - uma instituição democrática, a serviço da população. Mas não é assim que a vejo, definitivamente. Logo, a ideia de que ela pode me jogar num hospício para me desacreditar, ou sumir com meu corpo, não soa como algo que ficou pra trás numa Los Angeles na época da depressão. E essa premissa soa crível não apenas pra gente, que mora num país pobre, mas pros países ricos também (Jean Charles, anyone? Rodney King?).
No hospício, Chris conhece outras mulheres que foram colocadas lá por denunciarem maus tratos policiais. Amy Ryan (indicada ao Oscar de melhor coadjuvante em 2008, pela sua ótima atuação como uma mãe com filha desaparecida em O Medo da Verdade) faz uma prostituta que apanhava de um cliente policial. Quando decidiu falar, foi internada. Ela representa bem um corpo que não lhe pertence (ecos da proibição do aborto?), assim como a cena em que Christine, na sua chegada, é lavada e revistada no meio das pernas. Mas não é somente por ser prostituta que o corpo de Amy é propriedade pública. No manicômio, fazem o que querem com ela. E ela conta, de leve, já ter perdido dois filhos por conta de um médico açougueiro. Esse é um tema que se repete: a crueldade dos homens com mulheres e crianças. Só a denúncia desse quadro já faria de A Troca um filme feminista. No entanto, é quando Amy ensina a tímida Christine um novo grito de guerra ("F***m-se eles”) que a trama sai do campo da vitimização para o da mobilização. Chris se transforma. Até então, Angelina a interpreta (muito bem) com a mão cobrindo a boca sempre que expressa alguma emoção. A partir daí, Chris vai chorar muito menos e pôr ao menos um homem contra a parede (literalmente). E repare também como, nas manifestações de rua mostradas, a maior parte dos participantes é mulher.
Assistindo à Troca, pensei direto no excelente Los Angeles, Cidade Proibida, que também lida com corrupção policial, mas duas décadas depois. Deveria tê-lo associado com Chinatown, que se passa mais ou menos na mesma época e lugar, e tem tudo a ver com opressão das mulheres. Claro que é impossível ver uma história com hospício sem lembrar de Um Estranho no Ninho, se bem que Garota Interrompida (que deu o Oscar de coajduvante a Angelina) e até Olga vieram mais à tona. Porém, o filme se sustenta por si só, sem precisar de comparações. Quem diria? Eu, que não dava um tostão furado por ele (não gostei do trailer), acabei vendo uma enorme homenagem às mulheres que lutam num mundo corrompido pelos homens.

UPDATE: Ah, uma coisa que ninguém percebeu até agora, mas tem um erro no meu título: se eu digo que A Troca é o filme MAIS feminista da temporada, sugiro que tem mais de um. Mas tem? Quais seriam os outros? Não sei se há outros. Talvez Revolutionary Road (Apenas um Sonho)? Não tenho certeza!