Billy Crystal como apresentador também é meio tradicional Por mais que eu deteste tradições, eu tenho uma: o bolão do Oscar. Eu organizo um desde 88, quando eu era uma menina de 20 anos. No início era só entre a minha família, mas logo em seguida convidei amigos, colegas e conhecidos. E o que um bolão, principalmente um do Oscar, faz? Ele transforma algo que tem muito pouco a ver com a gente em algo nosso. A gente passa a torcer pelas nossas apostas. E fica muito mais divertido assistir àquela cerimônia tantas vezes chatinha e interminável. Todo mundo que já participou do bolão diz isso (pelo menos as pessoas que participaram e não gostaram nunca falaram nada).Eu gosto muito do Oscar, admito (já gostei mais). Claro que é uma festa que celebra o cinema (geralmente o cinemão) americano, claro que nossos gostos raramente batem com os do quase 6 mil membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, claro que a cerimônia em si é cafona. Mas é um evento às vezes visto por um bilhão de pessoas pelo mundo. Por causa do Oscar, fevereiro é quando mais estreiam filmes interessantes no Brasil e nos outros países periféricos (que, no caso, são todos que não sejam os EUA, que ainda são responsáveis por 90% dos filmes exibidos no planeta). Os filmes considerados “Oscar material” (com jeitão de premiação) são quase sempre melhores que as besteiras que Hollywood lança no verão americano.Mas por que o bolão? Porque eu sou do tipo que não entra em bolão nenhum, fora o do Oscar. O bolão me força a ver vários dos filmes indicados. E vira uma competição de quem chuta melhor. Geralmente sou eu. Eu já ganhei o bolão muitas vezes. Ultimamente só o ganho empatado com algum sortudo miserável. Teve uma vez que um participante, o Leo, fez exatamente as mesmas apostas que eu! Bom, e como funciona o bolão? É bem simples. Você escolhe quem você acha que vai ganhar (não quem você quer que ganhe) em cada categoria, tirando as que premiam filmes difíceis de encontrar (como melhor curta, melhor curta de animação, melhor documentário -- se quiser dar uma olhada nas categorias que entram e nas indicações, estão aqui). No total, você aposta em vinte categorias. E ganha o bolão quem fizer mais pontos, quem acertar mais categorias. Fácil, não?Ok, não é tão fácil assim, mas quase. O mais complicado é decidir se você quer entrar no bolão pago ou no não pago. Lancei a versão não paga três anos atrás, pra que quem acompanha o bloguinho pudesse participar sem compromisso. Muita gente gostou, e prefiro manter essa opção. Mas o melhor motivo pra você optar por entrar no bolão pago é o exemplo do ano passado. No bolão pago, foram três os ganhadores, com 16 acertos cada: Gabriel, Júlio César e Alexandra. No bolão não pago foi a Lucrécia, que acertou 18 categorias (e bateu o meu recorde, que era 17, a bandida!). Em segundo lugar vieram Isabel, Juliana e Aquino, com 17 acertos. E mais sete que fizeram 16. Se essas pessoas tivessem sido corajosas o bastante e entrado no bolão pago, teriam levado uma graninha (lembre-se que, no caso de empate, o dinheiro do bolão pago é dividido entre quem ganha).E o bolão fica mais emocionante quando se paga alguma coisa. Mas tod@s são convidad@s a participar dos dois bolões, o pago e o não pago (de preferência com apostas diferentes)! Pro não pago, é só clicar aqui neste formulário que o Júlio César criou e ir apostando (parece que o formulário já vem preenchido, mas clique na setinha que todos os indicados naquela categoria aparecem). Se mais pra frente você quiser mudar alguma aposta, é possível, mas terá que apostar em tudo de novo.Há um outro formulário pro bolão pago, este aqui. Faça suas apostas, deposite o valor total de R$ 15 em uma das minhas duas contas – Banco do Brasil, agência 3653-6, cc 32853-7, ou Santander, agência 3508, cc 010772760 – e mande uma cópia do comprovante de pagamento pro meu email – lolaescreva@gmail.com. Só isso. (As pessoas mais atentas devem ter observado que subi o valor da aposta. Acho que ficou em 10 reais durante uma década! Agora aumentei pra 15 pra que o valor seja minimamente mais próximo a um ingresso de cinema). Como a transmissão do Oscar será no domingo, dia 26 de fevereiro, as apostas devem ser feitas até sexta-feira, dia 24. Não vale fazer no dia do Oscar! E quem entrar no bolão pago tem que pagar até sexta também. Não aceitamos fiado! Essa folguinha de dois dias dá tempo pra que as tabelas com todas as apostas de tod@s @s participantes fiquem prontas, pra que você imprima essas tabelas e possa acompanhar o Oscar torcendo por você mesm@. Ah, e fica também o “prêmio” dos últimos dois anos: quem ganhar o bolão e quiser tripudiar da Lolinha pode fazê-lo em guest post, que eu publico. Ah, peço também para que a galera criativa me sugira anúncios pra divulgar o bolão. Eles devem ser bem-humorados e tratar de algum filme indicado ao Oscar 2012 (aqui alguns exemplos dos lembretes de 2008, 2009, 2010 e 2011). Se você tiver alguma ideia, mande a foto ou o link pra foto do filme e uma chamada. Vamulá, gente! Participe da única tradição que eu endosso!
Travestis e simpatizantes na Marcha da Abertura em Porto Alegre Ontem foi Dia da Visibilidade Trans, da qual muita gente está falando hoje (porque domingo é meio que um dia de invisibilidade bloguística), através inclusive de uma blogagem coletiva. Por que é fundamental um Dia da Visibilidade Trans? Porque, sem querer entrar nas Olimpíadas da Opressão e ter que escolher o grupo mais estigmatizado e discriminado, sabemos que a sociedade é extremamente preconceituosa com travestis.Na definição mais simplista, travestis são pessoas nascidas num corpo masculino que, através de hormônios e cirurgias plásticas, passa a ter características físicas de uma mulher, com exceção da vagina (e útero etc). Já transexuais são pessoas que fizeram ou estão pra fazer a mudança de sexo. Há várias confusões e discordâncias a respeito dessas definições.
Gente ignorante (no sentido de não saber nada do assunto) e preconceituosa costuma confundir tudo, identidade sexual (trans/mulher/homem etc) com orientação sexual (homossexual/bissexual/heterossexual etc). E uma coisa não tem nada a ver com a outra. Precisamos sair um pouco da caixinha e deixar de pensar em termos de gêneros binários (homem/mulher, geralmente nessa ordem). Claro que isso é mais fácil falar do que fazer. Mas um primeiro passo é respeitar quem é diferente (lembrando que, de uma forma ou de outra, tod@s somos diferentes). Não cabe a ninguém ser um guardião da "normalidade" e sair por aí decidindo a identidade sexual de uma pessoa. Se uma travesti adota um nome de mulher, respeite sua decisão. Chame-a pelo nome de mulher, ué. Se um transexual tem um nome masculino, chame-o pelo nome masculino. Chamar pelo nome que a pessoa escolheu é um primeiro passo até pra evitar termos pejorativos como traveco e afins. A identidade sexual é muito importante, mas não devemos ser restringidos por ela (por exemplo, eu sou mulher, mas não sou apenas uma mulher, e nem quero que todo o meu ser seja resumido a essa identidade). Pedi a Luisa Helena Stern, mulher transexual e conhecida militante LGBTTT, para escrever sobre o Dia da Visibilidade Trans. Ela escreveu sobre o Dia Nacional da Visibilidade das Travestis, já que a comemoração, quando foi criada, oito anos atrás, referia-se apenas a travestis. Luisa explica que essa é a denominação oficial, e que incluir transexuais na mesma data comemorativa ainda depende de reuniões e encontros. Ela conta como a data foi celebrada no Fórum Social, em Porto Alegre.O Dia Nacional de Visibilidade das Travestis é comemorado no dia 29 de janeiro, em referência ao lançamento da primeira campanha específica para esta comunidade, chamada “Travesti e Respeito”, feita pelo então Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde, em 2004.A partir de então, a data se tornou uma referência nacional, e a cada ano se realizam dezenas de atividades pelo Brasil, sendo uma delas de repercussão nacional.Neste ano de 2012, as atividades oficiais do Dia Nacional da Visibilidade das Travestis foram realizadas em Porto Alegre, na programação do Fórum Social Temático, sendo a principal atividade promovida pela ANTRA - Articulação Nacional de Travestis e Transexuais, com apoio da ABGLT e parceria/financiamento dos Ministérios da Saúde e dos Direitos Humanos (SDH/PR).A entidade responsável pela organização foi a Igualdade RS - Associação de Travestis e Transexuais do Rio Grande do Sul, com a presença de lideranças nacionais e artistas travestis de várias regiões do Brasil.Então, como cidadã de Porto Alegre e militante da Igualdade RS, tive a oportunidade de colaborar na organização das atividades e participar delas da maneira mais intensa, desde que esta data foi criada.As manifestações foram as seguintes:24/01 – Marcha de Abertura do Fórum Social Temático: as travestis portaram uma faixa com os dizeres “Sou travesti, tenho direito de ser quem eu sou” (foto acima), trazendo a sua visibilidade aos milhares de participantes do Fórum e ao público que estava assistindo.26/01 – Mesa de Diálogos - Dia da Visibilidade das Travestis: Saúde, Educação, Segurança Pública: roda de conversa entre lideranças nacionais das travestis, representantes de vários Ministérios e de órgãos públicos estaduais e municipais, debatendo as dificuldades, prestando contas das conquistas e propondo novas soluções.27/01 – Noite Cultural e Miss Igualdade: apresentações de artistas travestis, como Renata Perón, que gravou um CD em que canta apenas músicas de Noel Rosa e ainda interpreta várias outras canções da nossa MPB, Angela Leclerry, que com seu vozeirão de cantora lírica faz arrepiar o público e a versatilidade de Marina Garlen.No meio de tudo isso, a entrega de troféus por Marcelly Malta, Presidenta da Igualdade RS, a diversas autoridades, personalidades e ativistas que são parceiros tradicionais das travestis na busca pela conquista da sua cidadania.Se neste ano foi assim, pretendemos fazer muito mais em 2013, porque provavelmente o Fórum Social Mundial voltará a ser sediado em Porto Alegre, dando uma dimensão ainda maior a todos os eventos que acontecerem dentro da sua programação.
Segunda cidade em que paramos: Touros, RN Vou escrever uns posts sobre minhas breves férias pelo Nordeste e publicá-los no domingo porque ninguém lê blog no domingo mesmo, e porque é um jeito de lembrar. Eu só lembro das férias no sul do Sul porque escrevi várias crônicas sobre elas. Mas, desta vez, temos fotos! O princípio é sempre o mesmo: pegar o carro e sair por aí sem destino. Só que pode haver problemas. Talvez não haja vaga em pousada se você chegar numa cidade badalada numa sexta ou sábado de janeiro. E reservar quarto vai contra a ideia da viagem, pois você não tem certeza de quanto tempo ficará em cada lugar, nem onde ficará. Se bem que nada contra tecer um trajeto básico.Mais uma foto de Touros. Mas falta pra chegar lá Eu e o maridão saímos de Fortaleza no dia 10 (voltamos no dia 23), e já de cara houve um conflito. Era pra pegar a CE040, e o maridão se enganou e pegou a BR116. Ele jura que eu surtei: “Ahhhh! Pensei que pelo menos você soubesse o caminho pra sair de Fortaleza!”. Mas eu nego de pés juntos, claro. Ah sim, antes de começar, preciso dizer que não dirigi desta vez. Não dirijo desde que cheguei a Fortaleza, dois anos atrás. Primeiro porque raramente preciso (vou andando pra faculdade), e depois que o trânsito parece muito mais maluco aqui que em Joinville (o pessoal buzina por qualquer coisa, entra na frente etc). Mas acho que a gente não se esquece de como dirigir. E dirigir na estrada é muito mais tranquilo que numa cidade engarrafada. Porém, como nesta viagem preferimos não ir muito longe (só de Fortaleza a João Pessoa, que dá uns 700 km), e andar apenas uns 150, 250 km por dia, o maridão dirigiu o tempo todo. Com uma valiosa co-piloto com um mapa na mão, óbvio!Nossa primeira parada foi Canoa Quebrada, que nenhum de nós conhecia (e é o segundo maior destino turístico do Ceará, só perde pra capital). Já era tarde, umas duas horas, e fomos comer num restaurante que servia pizza no almoço. Eu tinha anotado o nome de três pousadas que pareciam menos caras. Ai meu deus, outro adendo: tínhamos comprado o Guia Quatro Rodas (R$ 30, vem com mapa) e fiquei muito decepcionada. O guia traz um olhar, sei lá como dizer isso, sãopaulocêntrico. Praticamente só contempla pessoas saindo de SP. Tem muitas cidades que nem aparecem no mapa (no mapa! Não estou nem dizendo de não aparecer no guia), e os hotéis, pousadas e restaurantes comentados são os mais caros, sempre. Eu tinha visto no guia, antes de sair de Fortaleza, as pousadas menos caras indicadas pelo guia (entre 100 e 120 reais a diária pro casal). E perguntamos no restaurante em que comemos a localização de uma ou outra dessas pousadas. Mas o pessoal que trabalha no restaurante recomendou uma outra, e lá fomos nós. Estava mais escondida, mais longe da praia. Custava R$ 80. A pousada é linda, linda. Não lembro o nome completo, era alguma coisa “do Suíço”, já que os donos são um suiço e uma baiana (que não estavam lá). A pousada está à venda. O preço? 500 mil reais. É pequena, são só cinco quartos, mas tudo muito bem ajeitado. Há uma mini-cozinha com pia e geladeira (não frigobar) em cada quarto. E foi o único lugar em que ficamos que teve o cuidado de telar todas as janelas e frestas. O quarto era ótimo, com teto altíssimo. Só não entendemos um barbante pendurado em cima da cama. Minha hipótese é que algum dia aquele barbante fora um fio de luz. Ok, hipótese fraquinha, mas quer ouvir a do maridão? Segundo ele, era uma forca à la Um Sonho de Liberdade (lembra que os ex-presidiários velhinhos se enforcavam? Minha hipótese não é melhor?). Nosso quarto em Canoa. Não dá pra ver o barbante direitoAcabamos ficando dois dias em Canoa, graças à pousada. Devo confessar que gostamos mais da piscina da pousada que do mar da praia de Canoa. Foi o pior mar da nossa viagem. Não que tivesse ondas de afogar Lolinhas (não chegava a tanto), nem que não fosse limpo. Apenas era meio distante de onde estávamos e não tão atraente. Mas Canoa tem ótima infraestrutura. A rua principal, a Broadway, é cheia de restaurantes e lojinhas, e me lembrou a Rua das Pedras, em Búzios. Acabamos não vendo a famosa falésia com o símbolo de Canoa, e nem andamos de bugue (não pareceu confortável). Ficamos mais na pousada mesmo. E, se dependesse do maridão, teríamos ficado as duas semanas restantes lá. Sério mesmo, ele queria que a viagem parasse por ali (também pesou na sua vontade o fato de na pousada haver uma árvore com mangas maduras). Meu coração balançou, mas eu insisti em prosseguir. Um dos argumentos foi que, até então, a pousada era só nossa, mas no dia seguinte chegariam dois casais suíços com crianças. O maridão aceitou minha lógica e seguimos viagem.Adeus, bela pousada em Canoa Quebrada, CESó que o terceiro dia foi o pior da nossa jornada. É assim: as estradas estão ótimas, e o Ceará é bem sinalizado. Só que, entrando no Rio Grande do Norte, cadê as placas? Nossa intenção era ir pra Macau. Não conseguimos chegar lá por falta de sinalização. Aí pensamos: ok, Galinhos (que é super recomendada). Nada. A gente se perdeu legal naquele dia, fizemos um percurso enorme pela 406 (clique aqui pra ver o trajeto, a linha azul é a ida, a verde é a volta), e já estávamos quase desistindo e indo direto pra Natal, quando finalmente, numa cidade maior (porque, assim como no Sul, há quilômetros sem fim sem nenhum vilarejo, posto de gasolina, nada.Linha azul mostra como nos perdemos de Canoa Quebrada a Touros
A paisagem é linda, tem muitos rios. Mas tem que tomar cuidado com os animais na pista. Nunca vi tanto cabrito na vida –- eles são fofinhos!), João Câmara, perguntamos num posto como chegar a Touros. Se não tivéssemos perguntado, nunca chegaríamos lá, porque não havia uma única placa indicando. E, mesmo com a explicação dos frentistas, tivemos dúvidas. Porque pega-se um trecho bem longo de terra. Foi o dia em que o maridão mais dirigiu, tadinho. Chegamos a Touros com o sol indo embora. A cidade é bonita, mas não parece ter muita coisa (apesar de ser a que tem a melhor infraestrutura do litoral norte do RN). E a minha dúvida é legítima: como que alguém chega lá? Só perguntando pra frentista? Não, acho que os turistas vêm da direção de Natal pro litoral norte, de baixo pra cima (do oeste pro leste devemos ter sido os primeiros, verdadeiros desbravadores).Eu em árvore de Touros. Pausa pra fazer piadinhas com galhosAté porque perto de Touros fica São Miguel do Gostoso, que o guia aponta como “a nova queridinha do litoral potiguar”. Com esse nome convidativo, até eu! Depois vi num folheto turístico sobre o RN a origem do nome. Muito tempo atrás, os mascates passavam por lá e tratavam com um homem que tinha uma risada gostosa. Logo começaram a se referir ao local como “do gostoso”. Décadas depois, em plebiscito, a população quis incluir o nome da padroeira da cidade, São Miguel. Aí ficou São Miguel do Gostoso, esse sincretismo tão brasileiro que deve provocar arrepios no papa.Mas não foi desta vez que fomos a Gostoso. Touros é bem maior, e ainda assim é um vilarejo de pescadores. Dizem que o Brasil foi “descoberto” pelos portugueses em Touros, em 1501. Tem um marco disso, mas fica em Natal. Em Touros tem uma cópia (parece piada).Vista da frente da pousada para o mar, em Touros, RN Ficamos numa pousada em frente ao mar, por 90 reais a diária. A pousada era bonita, mas os quartos, não. Sabe aquele cuidado da pousada de Canoas em telar as janelas? Na de Touros não tinha disso. Havia uma janela que não dava pra fechar no banheiro e todas as formigas aladas grandonas da região vieram se hospedar no nosso quarto (mesmo mantendo a porta do banheiro fechada). Casal conhecido deste blog se beija em Touros
A manhã seguinte foi muito bem aproveitada em Touros. Passamos um tempão no mar (eu mais que o maridão, que saiu um momento pra fotografar... pedras), mais um tempão na piscina, arrumamos tudo e partimos pra Natal. Este post já está longo demais. Domingo que vem eu chego lá. Praia de Touros (com a maré alta) em frente à pousada.
Conheci Jamie em Fortaleza em 2010, já que ela foi uma das tutoras de uma disciplina que coordenei na Educação a Distância. E de repente a Jamie estava na Índia (é ela na foto ao lado, com um saree emprestado)! Ela publicou este post no seu blog e o mandou pra mim. Eu o achei muito interessante e pedi autorização pra colocá-lo aqui, já que ele trata de um choque de culturas que é sempre polêmico. Tendemos a achar que estamos em outro patamar de "evolução", de "civilização", mas Jamie faz a ponte necessária para nos trazer de volta à realidade: até que ponto somos tão menos machistas no Brasil em comparação com a Índia? Noite de Sábado. Meia noite. Quatro moças e um rapaz ocidentais voltam para casa apertados em um tuk-tuk. As mulheres usam leggings por debaixo das blusas que, em seus países de origem, são vestidos e cobrem os ombros com lenços, embora não esteja frio. O motorista do tuk-tuk resolve animar os passageiros com música tecno no último volume. Um pouco bêbados e bastante animados pela salsa do clube de onde estão vindo (que fecha à meia-noite, como todas as casas noturnas aqui na Índia), todos se divertem com o repertório antiquado, mas divertido, do motorista. As ruas estão praticamente vazias, mas alguns carros e motos ainda circulam pelas ruas. O tuk-tuk cheio de pessoas ocidentais e com música alta chama a atenção e logo motociclistas acompanham o tuk-tuk rindo e dançando. Uma moto acompanha o grupo por mais tempo. O piloto parece ter o mesmo destino do tuk-tuk lotado. O rapaz do grupo começa a prestar atenção à moto que os acompanha e percebe que o piloto pilota com apenas uma mão -- com a outra, se masturba desejando as mulheres do tuk-tuk. O rapaz informa às demais moças do tuk-tuk o que está acontecendo e pede ao motorista que desligue a música, mas ele não o faz. As moças, indignadas, param de rir e evitam olhar para fora do tuk-tuk. O clima, que era descontraído, fica pesado e todos ficam preocupados, pois o piloto continua a segui-los. O alívio só vem quando o piloto desiste e segue outro caminho.A cena narrada acima não é de um filme ou de ouvir dizer. Eu era uma das moças no tuk-tuk, o rapaz era [meu noivo] Val e somente após muito refletir, resolvi dividir essa história com os leitores do blog. Não dividi antes (isso aconteceu em outubro) pois não queria que vocês tivessem uma ideia equivocada do que aconteceu, que um fato pontual acabasse estereotipando um país inteiro. Preciso explicar, antes que conclusões precipitadas sejam tiradas, que os intercâmbios para cá parem e que minha mãe me mande voltar para casa no próximo voo.Uma palavra descreve o motociclista que se masturba, a necessidade doentia das mulheres de se cobrirem com todo o pano possível, os assentos dos ônibus separados por gênero, o quão jovem as mulheres precisam se casar, os casamentos arranjados, a presença quase absoluta de apenas homens nas ruas: machismo. Óbvio, constante, alimentado e passado de geração para geração. Sem sequer conversar com as pessoas é possível entender a supremacia masculina. As mulheres daqui são lindas, maquiadas, repletas de joias, sejam bijuteria ou ouro puro. Podem passar fome, podem nem sonhar com estudos, trabalho, viagem, mas não deixam faltar o óleo de amêndoas que passam no cabelo para que ele cresça e fique enorme e brilhante. É claro que falo da maioria, das pessoas nas ruas, das mulheres e de suas filhas dentro de casa e, infelizmente, das pessoas mais pobres, mas não é assim tão diferente na escola em que trabalho. Mulheres que estudaram, que trabalham, que não são inteiramente dependentes de seus futuros ou atuais maridos, demonstram e cultivam um comportamento machista e sequer percebem. Certas mulheres na escola insistem diariamente no uso do saree, roupa tradicional sobre a qual já falei, como se minhas calças ofendessem, como se eu não fosse uma mulher completa caso não me enrole no pano muitas vezes grosso, quente e desconfortável. Para mim, o saree é lindo por ser diferente, brilhoso, roupa de festa cara e por ser a única possibilidade de mostrar um pouco de pele por aqui sem lidar com os olhares tarados dos homens nas ruas, mas está bem longe de ser tão confortável quanto um vestidinho arejado. Porém, o saree, para as gerações atuais, é veementemente recusado. Ele representa o domínio do homem sobre a mulher, é uma exigência dos pais sobre as filhas, dos maridos sobre as esposas. Depende do pai ou do marido a liberação para que a mulher use Churidars ou roupas ocidentais, pois a mulher honrada, digna e, acima de tudo, submissa às vontades da religião, dos gurus e dos homens de suas sociedade, tem como vestimenta diária o saree. É fomentado nas meninas desde pequenininhas a ideia de que precisam ser bonitas, radiantes, pois somente assim serão mulheres de verdade. Não é para elas, não é para que se sintam bonitas, para que se amem -- é para não ficarem para titia.Exigência alguma é feita aos homens. Eles andam como querem, com as cores que querem, quase sempre fedendo, bebem quando querem, fumam quando querem, olham descaradamente para qualquer insinuação do corpo feminino. A curiosidade para entender como funciona a mente desses homens é tão grande que puxei conversa com um membro da AIESEC (Association Internationale des Etudiants en Sciences Economiques et Commerciales), amigo das meninas do flat que um dia veio por aqui. Ele tentou me explicar e justificar o comportamento dos homens da rua e eu segurei meu nojo em nome de uma mente aberta a opiniões diferentes de um país diferente, mas às vezes dói na alma. A justificativa dele é, se a mulher mostra, o homem tem o direito de olhar, desejar e até tocar. É dever da mulher guardar o corpo, disfarçar as curvas, pois o homem é incapaz de controlar seus instintos sexuais. Essas palavras vieram da boca de uma pessoa razoável, um universitário, um intercambista que já viajou para outros países. Ele diz que, por ter conhecido outras culturas, entende que nem todos os homens do mundo pensam assim e que tal comportamento não é tão forte em outros países, mas não lhes tira a razão. Tentei, em vão, mostrar meu ponto de vista, tentei explicar que não somos animais no cio, tentei questionar o porquê das mesmas exigências não serem feitas aos homens, mas, embora ele ouvisse atentamente e buscasse, assim como eu, entender que venho de uma outra cultura, foi nos olhos dele que vi que nada do que eu dizia fazia muito sentido e, sem perceber, eu já tinha coberto meus ombros que no início da conversa estavam expostos.Não há um dia sequer em que não me perguntem a razão pela qual ainda não me casei com o Val, quando será a festa, quantos filhos terei. Se elas sonhassem que já fui casada, não teria paz um segundo. Atualmente, estou trabalhando no laboratório de Língua Inglesa. Assumi esse cargo pois a professora anteriormente responsável pela sala precisou demitir-se, e por três dias ela me treinou para o trabalho que eu precisava desenvolver. Ela disse para todos que o motivo pelo qual estava saindo da escola era por seu marido ter conseguido um emprego nos Estados Unidos e que ela precisava ir com ele. A real razão eu só descobri depois quando, angustiada, ela me confessou que, na verdade, estava saindo de um casamento arranjado de 7 anos no qual seu marido a batia, a tratava mal, e estava influenciando seriamente o comportamento de seu filho de 5 anos, que já destratava a mãe como o pai o faz. Ela somente me contou pelo que estava passando por eu vir do outro lado do mundo e depois que comentei com ela que já havia sido casada. Eu sou a primeira pessoa separada que ela conheceu na vida e foi difícil para ela entender que meu casamento não acabou por nenhum dos motivos que ela listou. A família dela não a entende e não aceita a separação, o marido recusa-se a dar o divórcio e apenas um de seus amigos a apoia. O processo de separação por aqui é demorado e doloroso e foi apenas voltando para a casa dos pais, contra a vontade deles, que ela conseguiu ontem separar-se, pelo menos fisicamente, do marido que a subjulgava.Machismo. Essa palavra, para a maioria das pessoas no Brasil, parece exagero de feministas. Nós, mulheres, alcançamos muito nas últimas décadas, ocupamos cargos de chefia (temos uma mulher no comando no país), temos voz na sociedade, e isso nos dá a impressão de que há igualdade de gênero, mas na verdade, se a gente pensar bem, não há. Ainda ganhamos menos, ainda somos tratadas (e muitas vezes nos tratamos) como produtos eróticos, dançamos na boquinha da garrafa e somos "boladonas". Assim como as indianas, exageramos nos cuidados estéticos, nos desconfortáveis saltos, no gasto absurdo com cosméticos, maquiagem, silicione, academia. Não temos a exigência do casamento tão explícita, mas a exigência existe e é com indignação que muitos reagem diante da afirmação “não quero ter filhos”. E dessa forma, assim como muita gente ainda acredita que racismo no Brasil não existe, seguimos acreditando que está tudo bem, obrigada. Diante de uma sociedade com o machismo tão descarado, reflito sobre o nosso machismo mascarado. Será que estamos realmente tão longe da Índia, tão modernos, tão "evoluídos"? Um homem se masturbando diante de mulheres que estavam apenas se divertindo, mas que para ele estavam passando dos limites e dando “cabimento” para que suas vontades sexuais fossem expostas, é algo que certamente não veríamos no Brasil, mas vi o mesmo espanto nos olhos das estrangeiras que moram comigo quando mostrei os vídeos do É o tchan e das Tequileiras. É degradante, mas a gente, no Brasil, nem nota mais, assim como não é absurdo para ninguém por aqui uma mulher coberta com um grosso pano preto em pleno sol do meio-dia, apenas com os olhos à mostra.