Não vou falar mal de Robin Hood só porque boa parte dos críticos destruiu o troço (os americanos do Metacritic deram média 53), ou porque o filme custou, glupt, 250 milhões de dólares e nem assim conseguiu superar Iron Man 2 na bilheteria, ou porque, no cinema lotado em que vi a sessão, havia um bebê do meu lado que não parou de chorar, gritar e me chutar. Não posso falar mal de Robin porque fui ao cinema como sempre fui, virginha da silva, sem saber nada de nada, e adorei a aventura. Adorei. Me envolvi totalmente. Chorei, suspirei, torci, todas aquelas reações.
Talvez eu simplesmente aprecie muito a história de um carinha que rouba dos ricos pra dar pros pobres, meu herói. Parece que já foram feitos mais de cem filmes sobre o príncipe dos ladrões. Não vi nem 5% deles. Acho que nunca vi uma película com o Errol Flynn (que foi um dos Robins mais famosos). Não vi a de 76 com o Sean Connery e a Audrey Hepburn, Robin e Marian. Vi uma anterior, que imagino que seja conhecidíssima pra todo mundo da minha geração, um desenho animado da Disney com animais falantes que andam em duas patas e têm polegar opositor. Passou trilhões de vezes na Sessão da Tarde e praticamente moldou tudo que sei sobre Robin Hood. Ok, hoje acho um pouco estranho que Lady Marian tivesse parentesco com o rei malvado, e o rei fosse um leão, e ela, uma raposa. Mas digamos que o cinema em geral também moldou tudo que sei sobre biologia, então passou batido. O Robin de 1991 era legal, e o que mais me recordo dele é que o Sean ganhou alguns milhares de dólares para aparecer dois minutos na tela (ele faz o Rei Ricardo Coração de Leão). Kevin Costner estava bem bonito de calça colante, embora eu não tenha olhos pra mais ninguém fora quem fazia o xerife de Nottingham, meu Alan Rickman. Qualquer filme com o Alan Rickman é meu amigo. Na mesma década, Mel Brooks parodiou tudo com A Louca Louca História de Robin Hood, que, pra ser franca, não tenho certeza se vi ou não. Então, isso dá o quê, quatro ou cinco versões que assisti? Logo, não posso dizer que a trama sobre o mito medieval seja clichê pra mim. Estava bem ansiosa pra ver a versão mais recente.
Lógico, pode ser que pra quem viu muitos Robins na vida não haja nada de novo sobre o sol. E, nesse caso, os bastidores desta última versão devem ser mais fascinantes que o que vemos na tela. Seguinte: três anos atrás, dois carinhas desconhecidos escreveram um roteiro. Era a história do Robin, exceto que narrada por um de seus maiores inimigos: o xerife de Nottingham. O xerife, no caso, não era exatamente um vilão, mas um detetive. Ele analisaria as lendas robinhoodianas usando técnicas forenses no estilo CSI. Não vou me deter aqui pra dizer que isso não deu certo no último Sherlock Holmes, ou que CSI é um dos maiores embustes da TV americana (pô, todos os episódios são idênticos! O desenvolvimento emocional dos personagens é zero), porque senão corro o risco de ofender o maridão, que é fã, e de me estender e resolver atacar outro grande embuste, House. Bom, por incrível que pareça, esse roteiro meio CSI medieval gerou um leilão concorrido. O estúdio que ganhou e comprou o script logo contratou o Russell Crowe para interpretar o xerife. Russell também virou um dos produtores. E, como Russell é uma pessoa difícil (reza a lenda que ele não queria declamar uma fala que considerava medíocre no final de Gladiador, mas foi convencido. Todo mundo aplaudiu, e ele respondeu: “A fala continua uma porcaria mas, como sou o maior ator do mundo, consigo fazer até porcaria ficar boa”), tiveram que chamar um dos poucos diretores que o aturam: Ridley Scott, que já havia feito quatro filmes com ele. Ridley não gostou do roteiro, e contratou um roteirista consagrado e já vencedor do Oscar, Brian Helgeland (do excelente LA, Cidade Proibida), para reescrevê-lo. E por aí foi. Ridley sugeriu que o xerife e Robin fossem a mesma pessoa, no melhor estilo Clube da Luta, mas a ideia não vingou. Finalmente, todos entenderam que isso do xerife ser o personagem central não tava com nada, e jogaram a ideia pra escanteio. Nottingham, o título do roteiro original, virou um velho e bom Robin Hood. Os pobres roteiristas do original viram seu sonho se transformar em pesadelo. (Uma das minhas leitoras mais antigas, a Mica, me enviou um ótimo link de um roteirista narrando a saga toda. Em inglês).
É vero que não me lembro direito dos outros Robin Hoods que vi, que nem foram tantos assim. Mas eu achei este diferente em vários pontos. Primeiro: é a primeira vez que vejo Ricardo Coração de Leão ser criticado. Geralmente ele é um ícone (pense no Sean recebendo uma bolada para interpretá-lo por dois minutos), um rei querido e sábio, guerreiro excepcional... quando na vida real passou apenas um semestre dos seus dez anos de reinado na Inglaterra, tanto que nem falava inglês, e gastou todo o dinheiro de seus súditos promovendo cruzadas sanguinolentas. Sou do pensamento que rei bom é rei morto, e que não existe isso de rei bonzinho, ainda mais esses da Idade Média, que acreditavam ser escolhidos por Deus. O segundo ponto é todo o tratamento dado a Lady Marian, desta vez feita por Cate Blanchett. Ela não é nenhuma donzela (já é casada), é uma lady que trabalha bastante, e no campo (até porque não parece haver qualquer outro camponês trabalhando pra ela), e, por algum motivo não explicado (e furado, pensando bem), é alguém que maneja muito bem uma espada (furado porque arar a terra não garante grande habilidade de luta; isso de que pintar cercas vai nos transformar em Karate Kids é coisa de cinema). No filme brincam com a Marian já ter seus 40 anos (quando Robin lhe chama de moça, ela pergunta se ele está pedindo esmola), mas não explicam bem por que Robin só envereda pela carreira no crime que compensa já na meia idade (numa época em que as pessoas não viviam 40 anos). E ainda assim, gostei muito da dinâmica entre o casal. O “peça-me com carinho” que Robin diz a Marian no filme vai virar um clássico aqui em casa, se o maridão cooperar. E meu sonho de consumo é ter um parceiro que roube sacos de semente à noite e as plante antes do sol raiar ― isso tudo sem que eu tenha que mandar 50 vezes.
Outra coisa que não estou acostumada a ver em outros Robins: geralmente, a dupla cruel do xerife com o Rei João é vista cobrando impostos de gente humilde, que não tem onde cair morta. Neste Robin, não: eles cobram (e pra isso vale saquear castelos) dos senhores feudais. Isso é ambíguo. Por um lado, esses senhores feudais são vistos positivamente. Não é mostrado como eles exploram seus camponeses, apenas como o rei explora seus barões. Quando um assassino estuprador diz a Marian, “Ninguém deveria ter quatro mil acres”, ela o corrige, orgulhosa: “Cinco mil acres”. E esses barões reclamam dos impostos altos sem que recebam nada em troca. Ou seja, é uma defesa feroz do liberalismo. Por outro lado ― hum, não há outro lado. Eu só pensei que houvesse porque adorei o filme. Mas a ideia toda por trás é que governos não prestam e que tudo seria melhor se os pobres latifundiários pudessem explorar seus serviçais em paz, sem serem importunados pelo Estado, que é mais ladrão que eles. E, se tudo isso não funcionar, podemos contar com um indivíduo e sua pequena gangue para fazer justiça com as próprias mãos.
Ish, agora que captei melhor a ideologia por trás do Robin Hood, será que gostarei menos da lenda? Acho que não. Ou, vai saber, gosto tanto porque adoro ver retratos da Idade Média (só pra constatar que definitivamente não gostaria de viver naquela época). Somos mais felizes hoje, não somos?
Talvez eu simplesmente aprecie muito a história de um carinha que rouba dos ricos pra dar pros pobres, meu herói. Parece que já foram feitos mais de cem filmes sobre o príncipe dos ladrões. Não vi nem 5% deles. Acho que nunca vi uma película com o Errol Flynn (que foi um dos Robins mais famosos). Não vi a de 76 com o Sean Connery e a Audrey Hepburn, Robin e Marian. Vi uma anterior, que imagino que seja conhecidíssima pra todo mundo da minha geração, um desenho animado da Disney com animais falantes que andam em duas patas e têm polegar opositor. Passou trilhões de vezes na Sessão da Tarde e praticamente moldou tudo que sei sobre Robin Hood. Ok, hoje acho um pouco estranho que Lady Marian tivesse parentesco com o rei malvado, e o rei fosse um leão, e ela, uma raposa. Mas digamos que o cinema em geral também moldou tudo que sei sobre biologia, então passou batido. O Robin de 1991 era legal, e o que mais me recordo dele é que o Sean ganhou alguns milhares de dólares para aparecer dois minutos na tela (ele faz o Rei Ricardo Coração de Leão). Kevin Costner estava bem bonito de calça colante, embora eu não tenha olhos pra mais ninguém fora quem fazia o xerife de Nottingham, meu Alan Rickman. Qualquer filme com o Alan Rickman é meu amigo. Na mesma década, Mel Brooks parodiou tudo com A Louca Louca História de Robin Hood, que, pra ser franca, não tenho certeza se vi ou não. Então, isso dá o quê, quatro ou cinco versões que assisti? Logo, não posso dizer que a trama sobre o mito medieval seja clichê pra mim. Estava bem ansiosa pra ver a versão mais recente.
Lógico, pode ser que pra quem viu muitos Robins na vida não haja nada de novo sobre o sol. E, nesse caso, os bastidores desta última versão devem ser mais fascinantes que o que vemos na tela. Seguinte: três anos atrás, dois carinhas desconhecidos escreveram um roteiro. Era a história do Robin, exceto que narrada por um de seus maiores inimigos: o xerife de Nottingham. O xerife, no caso, não era exatamente um vilão, mas um detetive. Ele analisaria as lendas robinhoodianas usando técnicas forenses no estilo CSI. Não vou me deter aqui pra dizer que isso não deu certo no último Sherlock Holmes, ou que CSI é um dos maiores embustes da TV americana (pô, todos os episódios são idênticos! O desenvolvimento emocional dos personagens é zero), porque senão corro o risco de ofender o maridão, que é fã, e de me estender e resolver atacar outro grande embuste, House. Bom, por incrível que pareça, esse roteiro meio CSI medieval gerou um leilão concorrido. O estúdio que ganhou e comprou o script logo contratou o Russell Crowe para interpretar o xerife. Russell também virou um dos produtores. E, como Russell é uma pessoa difícil (reza a lenda que ele não queria declamar uma fala que considerava medíocre no final de Gladiador, mas foi convencido. Todo mundo aplaudiu, e ele respondeu: “A fala continua uma porcaria mas, como sou o maior ator do mundo, consigo fazer até porcaria ficar boa”), tiveram que chamar um dos poucos diretores que o aturam: Ridley Scott, que já havia feito quatro filmes com ele. Ridley não gostou do roteiro, e contratou um roteirista consagrado e já vencedor do Oscar, Brian Helgeland (do excelente LA, Cidade Proibida), para reescrevê-lo. E por aí foi. Ridley sugeriu que o xerife e Robin fossem a mesma pessoa, no melhor estilo Clube da Luta, mas a ideia não vingou. Finalmente, todos entenderam que isso do xerife ser o personagem central não tava com nada, e jogaram a ideia pra escanteio. Nottingham, o título do roteiro original, virou um velho e bom Robin Hood. Os pobres roteiristas do original viram seu sonho se transformar em pesadelo. (Uma das minhas leitoras mais antigas, a Mica, me enviou um ótimo link de um roteirista narrando a saga toda. Em inglês).
É vero que não me lembro direito dos outros Robin Hoods que vi, que nem foram tantos assim. Mas eu achei este diferente em vários pontos. Primeiro: é a primeira vez que vejo Ricardo Coração de Leão ser criticado. Geralmente ele é um ícone (pense no Sean recebendo uma bolada para interpretá-lo por dois minutos), um rei querido e sábio, guerreiro excepcional... quando na vida real passou apenas um semestre dos seus dez anos de reinado na Inglaterra, tanto que nem falava inglês, e gastou todo o dinheiro de seus súditos promovendo cruzadas sanguinolentas. Sou do pensamento que rei bom é rei morto, e que não existe isso de rei bonzinho, ainda mais esses da Idade Média, que acreditavam ser escolhidos por Deus. O segundo ponto é todo o tratamento dado a Lady Marian, desta vez feita por Cate Blanchett. Ela não é nenhuma donzela (já é casada), é uma lady que trabalha bastante, e no campo (até porque não parece haver qualquer outro camponês trabalhando pra ela), e, por algum motivo não explicado (e furado, pensando bem), é alguém que maneja muito bem uma espada (furado porque arar a terra não garante grande habilidade de luta; isso de que pintar cercas vai nos transformar em Karate Kids é coisa de cinema). No filme brincam com a Marian já ter seus 40 anos (quando Robin lhe chama de moça, ela pergunta se ele está pedindo esmola), mas não explicam bem por que Robin só envereda pela carreira no crime que compensa já na meia idade (numa época em que as pessoas não viviam 40 anos). E ainda assim, gostei muito da dinâmica entre o casal. O “peça-me com carinho” que Robin diz a Marian no filme vai virar um clássico aqui em casa, se o maridão cooperar. E meu sonho de consumo é ter um parceiro que roube sacos de semente à noite e as plante antes do sol raiar ― isso tudo sem que eu tenha que mandar 50 vezes.
Outra coisa que não estou acostumada a ver em outros Robins: geralmente, a dupla cruel do xerife com o Rei João é vista cobrando impostos de gente humilde, que não tem onde cair morta. Neste Robin, não: eles cobram (e pra isso vale saquear castelos) dos senhores feudais. Isso é ambíguo. Por um lado, esses senhores feudais são vistos positivamente. Não é mostrado como eles exploram seus camponeses, apenas como o rei explora seus barões. Quando um assassino estuprador diz a Marian, “Ninguém deveria ter quatro mil acres”, ela o corrige, orgulhosa: “Cinco mil acres”. E esses barões reclamam dos impostos altos sem que recebam nada em troca. Ou seja, é uma defesa feroz do liberalismo. Por outro lado ― hum, não há outro lado. Eu só pensei que houvesse porque adorei o filme. Mas a ideia toda por trás é que governos não prestam e que tudo seria melhor se os pobres latifundiários pudessem explorar seus serviçais em paz, sem serem importunados pelo Estado, que é mais ladrão que eles. E, se tudo isso não funcionar, podemos contar com um indivíduo e sua pequena gangue para fazer justiça com as próprias mãos.
Ish, agora que captei melhor a ideologia por trás do Robin Hood, será que gostarei menos da lenda? Acho que não. Ou, vai saber, gosto tanto porque adoro ver retratos da Idade Média (só pra constatar que definitivamente não gostaria de viver naquela época). Somos mais felizes hoje, não somos?
Ótimo video! Perfeito, assistam!
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=83WUqpvddq8
Lady Marion, Lola.
ResponderExcluirFico aflita com nomes errados.
Desculpe Lola, mas como admiradora de Sherlock Holme não poderia deixar em branco: "...usando técnicas forenses no estilo CSI. Não vou me deter aqui pra dizer que isso não deu certo no último Sherlock Holmes..."
ResponderExcluirSherlock Holmes é de 1800 e alguma coisa, ele inspirou CSI e não o contrário!!!
Sherlock Holmes fascinou a muita gente, inclusive o Eliot Ness, investigador que enquadrou Al Capone que se inspirou nas histórias e técnicas forenses de Sherlock para direcionar suas investigações neste caso.
Doyle chamou atenção com Holmes pq foi um dos 1ros a criar um personagem complexo com nuances de um bipolar tão perfeitamente descritos que só psicólogos teriam condições para tal e mais... algumas técnicas forenses saíram deste conto.
UFA!
Enfim....não ganhei 1¢ por isso, mas justiça seja feita.
PS: Adoro seu blog
só pra constar que A Louca Louca História de Robin Hood era minha comédia favorita da minha infância até meados da adolescência. Hoje ainda está no top 10 (só de comédias, claro).
ResponderExcluirA contra partida dos impostos (e da vassalagem, também conhecida como babação) no medievo era a proteção...
ResponderExcluirGostei do primeiro com o Kevin Costner e se puder ver este tenho certeza que vou adorar. Gosto desse tipo de filme.
ResponderExcluirQuanto à sua crítica, simplesmente sensacional, divertidíssima, como sempre. Continue assim...
Eu sempre tive um fraco por filhinhos de papai reformistas...rs...Robin Hood, Zorro, sempre suspiro.;0)
ResponderExcluirGosto da história e me lembro de chorar muito ao final do livro, quando era criança.
Quero ver o filme, mas pensar em uma nobre semeando ou lutando já me deixa de bico: por que esse povo não pesquisa?por que? ai,ai.
Grande beijo, texto gostoso, como sempre.
Lolinha,
ResponderExcluirMudando de assunto.
Vc viu essa notícia: http://www.dzai.com.br/papodeconcurseiro/blog/papodeconcurseiro?tv_pos_id=59694
Isso é que é administração pública de vanguarda. Por isso votarei na Dilma, pela continuidade dessa política inclusiva.
Beijos
Quando namorido chamou p ir ver o filme eu disse logo: a crítica falou mal, disse q o filme é longo, não envolve...
ResponderExcluirWhat a surprise! Adorei o filme e tb chorei uma lagrimazinha qd o povo todo foi colocado p pegar fogo e tem a cena do baby!
E o que mais gostei?! Quando o filme acaba e a legenda diz:
Now, the legend beggins!
Elizabeth,
ResponderExcluirAdoro CSI! Amo e li muitooooooo Sherlock Holmes, mas o filme do Guy Richie p mim é no máximo medíocre. Eita filmezinho RÜIM!
Eu não tenho mais paciência para Russel Crowe + Ridley Scott
ResponderExcluirLola, adorei a sua crítica. Ainda não assisti o filme e com certeza não o vereitão cedo, pois ele não me pareceu bom o suficiente para me tirar da internet XD
ResponderExcluirSem contar que tô meio cansada dessa onda de fazer filmes de aventura de histórias antigas.