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sexta-feira, 28 de novembro de 2008

ARTE É COZIDA, VIDA É CRUA. A MINHA EU QUERO MAL-PASSADA

Faz um tempinho, li algo muito interessante que me deu o que pensar. Parece que, nos anos 90, uma feminista radical decidiu fazer uma performance numa livraria na Califórnia. Ela pegou uma cópia de Psicopata Americano, bestseller de Bret Easton Ellis, e passou a ler uma das passagens mais chocantes do livro.
Cabe aqui uma explicação. O romance, de 1991, vendeu muitas cópias e causou furor entre as feministas, que o acusaram de misógino. Ele descreve com detalhes vários tipos de torturas, mutilações genitais, enfim, todo tipo de violência contra prostitutas (que não são as únicas vítimas do protagonista; tem também os sem-teto e alguns colegas, mas sua preferência é mesmo por matar mulheres). Uma cena gráfica - vou te poupar dos detalhes - inclui um rato numa jaula próxima ao órgão genital feminino. É muito, muito horrível, e asqueroso. Felizmente, o filme, roteirizado e escrito por uma feminista, deixou este e outros trechos de fora. Agora, não há dúvida que o protagonista, um serial killer, odeia mulheres. Mas a trama é misógina? Bom, sempre há um componente de ódio contra as mulheres numa obra que descreve detalhadamente o que fazem os homens que odeiam as mulheres, né? Ao mesmo tempo, o livro deixa claro que Patrick Bateman é não apenas um assassino doente, mas também um idiota completo, inseguro e covarde. O problema é que todas as mulheres do livro são ora vítimas, ora moças fúteis. Pode-se dizer que todos os personagens do livro, independente do sexo, são estúpidos. Afinal, o romance é uma grande crítica satírica ao mundo dos yuppies, que tomaram conta dos anos 80. Esses young urban professionals eram ricos, consumistas ao extremo, muito vaidosos, e cheiravam cocaína adoidado (outro dia li um artigo que dizia que os yuppies venceram, pois hoje o ideal nos EUA é ser justamente um yuppie, só que com outro nome, talvez metrossexual?). Enfim, um dos personagens mais angustiantes é a secretária de Patrick, que ele ignora ou maltrata, e ainda assim ela continua apaixonada por ele. Acho que ela e as descrições de violência fizeram que o livro entrasse na mira das feministas. Eu, particularmente, acho um excelente documento de uma época, e o filme com Christian Bale no papel principal até que lhe faz justiça.
Mas, voltando à performance da feminista radical numa livraria, imagine a cena: ela lia, em voz alta, trechos horrendos do livro. Alguém chamou a polícia e ela foi presa. Não soa estranho pra você?
Vejamos: o livro não sofreu nenhum tipo de censura. A feminista não estava inventando nada de novo, apenas lendo diretamente do romance. Ela estava fazendo uma performance, assim como escrever é uma performance. Viver é uma performance. “Atuamos” de maneira diferente de acordo com o nosso público. Não somos iguais com os nossos pais ao que somos com nossos amigos. E mesmo entre os amigos somos diferentes. Dependendo da amizade, com alguns somos mais abertos, com outros, mais fechados. Yu-Fu Tuan aponta que as crianças “caem” (como teme o Apanhador no Campo de Centeio) da inocência para a cultura, e nessa cultura encontram uma vida de performance. Segundo ele, nós adultos estamos fazendo performance até quando vamos ao banheiro, pois nos recordamos do aplauso ou da reprimenda que recebíamos quando começamos a largar as fraldas (e lembre-se que adotamos o termo performance até para avaliar performance sexual e linguística). Para muitos dos analistas de performance (sim, existe um campo imenso só disso), atuamos o tempo inteiro. Somos atores dentro de um cenário, a cultura. Richard Schechner, um dos principais teoristas, ainda arrisca que “a arte é cozida e a vida é crua”. Mas, no máximo, o que fazemos na vida, no nosso dia a dia, é uma performance crua. Na arte, elaboramos melhor.
Bom, só isso já rendeu e continua rendendo dezenas de livros, mas, voltando mais uma vez à feminista radical, ó dificuldade de ir direto ao ponto!, perceba que não estou julgando nada. Sou contra a censura. Não acho que o livro mereça ser censurado, mas tampouco concordo que a feminista deveria ter sido presa. Cadê a liberdade de expressão? Ela estava reclamando contra uma obra que considerava misógina. Ao ler trechos do livro, tentava alertar os consumidores. Por que ler as palavras em voz alta seria mais chocante que lê-las silenciosamente, na página? Ambos - ler e ouvir - são atos passivos, embora incluam interpretação e recepção, que não têm nada de passivos. Mas digamos que são técnicas mais passivas que falar e escrever. Será que as palavras de Bret Easton Ellis ganhavam mais vida ao serem ditas do que lidas? Seriam mais aterrorizantes? Incomodariam mais gente?
Ok, a gente não sabe a história inteira. Vai ver que a feminista estava fazendo um escândalo. Vai que havia crianças ouvindo aquelas atrocidades. Vai que o pessoal confunde livraria com biblioteca e pede silêncio absoluto. Mas isso tudo me fez pensar sobre o poder da palavra. Mais de 75% dos filmes made in USA não são roteiros originais, mas adaptados de outras fontes, geralmente de livros (e, no verão, de revistas em quadrinhos). É indiscutível que os filmes têm muito mais alcance que os livros. Claro que o filme é apenas uma interpretação entre infinitas possibilidades de interpretações. A feminista radical, com sua voz, sua entonação, seus gestos, estava oferecendo a sua interpretação de Psicopata Americano. Mary Harron, em 2000, ofereceu outra.
Opa, não sei se você notou, mas me perdi. Não sei onde quero chegar. Por favor, chegue a umas conclusões por mim. Na vã tentativa de encontrar alguma, fui ao jardim arejar minha cabecinha já de vento e vi de onde estava vindo a barulheira que venho ouvindo. É algum vizinho tocando pagode com amigos, eles mesmos produzindo a música (medonha, por sinal). Se a mesma música no mesmo volume viesse de um cd-player, eu estaria revoltada. Mas por quê? Não são ambas performances? Por que uma me irrita menos que a outra? Pra qual eu chamo a polícia?
Minha arte é tão crua, às vezes.Lolinha, esqueça os vizinhos. Guarde seu machado.

segunda-feira, 26 de novembro de 2001

CRÍTICA: PSICOPATA AMERICANO / Somos todos psicopatas

Eu gostei muito dos anos 80 (1980, bem entendido) porque foi quando curti minha adolescência, mas pessoas mais capacitadas e isentas do que eu os apelidaram de década perdida. O que teriam sido os 90, então, pensará você, coberto de razão. Mas vamos nos concentrar naquele período de Reagan, Menudos, Donald Trump, e nos símbolos de uma geração: os yuppies. Lembra deles? Eram aqueles carinhas hiper bem vestidos que mais ou menos trabalhavam em Wall Street, ganhavam uns 200 mil dólares por ano e torravam tudo – boa parte em cocaína. Eram, enfim, os mestres do universo.
Para entender melhor a época, vale a pena ler "Psicopata Americano", obra de 1991 de Bret Easton Ellis. O livro é extremamente violento e, por isso, polêmico. Expõe um yuppie que passa seu tempo comendo em restaurantes da moda (cada conta sai US$ 300), cultuando sua forma física, competindo com colegas – que são idênticos a ele –, namorando e, como hobby, matando e torturando pessoas. Se você acha que o Dr. Hannibal Lecter é o ápice do serial killismo, é porque você não conhece Patrick Bateman. Ele também belisca o cérebro de suas vítimas. E Ellis é um escritor mais competente que Thomas Harris. Harris fez um best-seller sobre o FBI e canibalismo; Ellis desenvolveu o testamento de uma era.
O livro foi acusado de misógino e condenado pelas feministas, o que é ridículo. Afinal,
saber a opinião de um psicopata sobre as mulheres não significa que vamos nos deixar influenciar. Assim, imagine que o Bush Jr. soubesse escrever e, via ghost-writer, publicasse suas visões sobre ecologia. Ao lê-lo, a gente não sairia por aí querendo destruir o mundo. Pelo contrário, talvez a gente se postasse contra a opinião deste outro psicopata americano. É lógico que no livro de Ellis as moças são todas fúteis e ligadas às aparências. Mas o que são os homens? Esses mauricinhos imitam os estereótipos que temos ao pensar no sexo feminino. Eles só se preocupam com roupas de grife, penteados, manicure, bronzeado artificial, e estão sempre falando nisso. E, com tantas coisas importantes na cabeça, não sobra tempo pro labor. O trabalho consiste em ouvir walkman (os músicos favoritos do protagonista são Phil Collins e Whitney Houston), assistir TV e ir a longos almoços de "negócios". Eta vida dura.
No ano passado, por ironia do destino, duas feministas adaptaram o livro para as telas. Por contrato, elas tinham que entregar uma produção "rated
R" (maiores de 17 anos), e não o temido "X", que costuma liquidar um filme comercialmente. Então, cortaram várias partes asquerosas e atenuaram o material. E não é que "Psicopata Americano", o filme, é fiel ao livro? Ele capta bem o espírito de sátira de costumes. Os fundamentos da obra literária são mantidos numa deliciosa exibição de cartões de negócios ou quando Patrick leva um cadáver em um saco caro e um de seus amiguinhos yuppies lhe pergunta a marca.
Graças a Deus, o filme foi parar nas mãos de mulheres. Outro que estava cobiçando a adaptação era Oliver Stone (cruz credo!), e por muito pouco Leonardo de Caprio não interpretou o psicopata. Felizmente, o papel caiu como uma luva para Christian Bale (o menininho de "Império do Sol"). O terrível é que ele se parece demais com o Collor, o nosso primeiro psicopata brasileiro (depois vieram outros). Mas, se você pegar o DVD e assistir ao making-of, notará que o ator em si n
ão lembra o ex-presidente. É o personagem que é tal e qual; é o olhar maníaco que tá a cara do caçador de maracujás. Realmente assustador.
Tanto o filme quanto o livro deixam bem claro que Patrick não é o único psicopata. Seus companheiros (que se divertem humilhando mendigos e usando seus cartões de crédito para dividir a cocaína em fileiras) não são diferentes, apenas não levam seu ódio às últimas consequências. Não sei se os yuppies desapareceram ou se só ficaram menos ostensivos. Talvez eles só tenham trocado o walkman pelo discman, a coca pelo ecstasy, o telefone comum pelo celular. Talvez o capitalismo seja o verdadeiro psicopata desta história.