Vi há mais ou menos duas semanas o terrível suicídio de Dielly, vítima de bullying. Anotei para falar sobre o caso mas o tempo foi passando, e a falta de tempo aumentando. Foi bacana, portanto, que algumas pessoas me lembraram de fazer um post sobre isso. É importante sim.
Dielly Santos tinha 17 anos e estudava numa escola estadual em Icoaraci, distrito de Belém. Dielly era gorda, negra, estava com depressão. Um alvo perfeito para quem passa a vida cometendo bullying. No dia 16 de maio, ela se enforcou no banheiro.
Sua tia contou que Dielly era constantemente chamada de "lixo" e "porca imunda". Os ataques não pararam com sua morte: vários trolls foram a página em memória de Dielly no Facebook para continuar com os insultos e fazer novas "piadas", sem o menor respeito à família dela. Outros foram lá para criticá-la por não ter aguentada. Foi fraca, segundo eles. Alguns a chamaram de "vitimista" (ué, ela foi vítima; vitimista é quem se faz de vítima sem ser!).
Obviamente não é verdade que bullying forma caráter (pelo menos no sentido geral de caráter, que está associado à força e ética). Pode formar mau caráter. Se formasse caráter, não teria como seus representantes-mór vermes do estirpe de um Gentili ou dos reaças disfarçados de humoristas do Twitter.
Uma lei foi sancionada este mês para fazer que escolas, clubes e agremiações tomem medidas de prevenção e repressão para combater a intimidação sistemática, mais conhecida como bullying (como se chama essa lei? Que tal chamá-la de Lei Dielly?).
A ONU tem um estudo de 2016 que mostra que metade das crianças e jovens no mundo já sofreu algum tipo de bullying. Entre as razões mais citadas por 100 mil jovens de 18 países estavam a aparência física, gênero, orientação sexual, etnia, país de origem. No Brasil, 43% dos jovens responderam já ter sofrido bullying.
E mais um dado: o suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, segundo levantamento da Organização Mundial da Saúde.
A Capricho fez uma ótima reportagem em que recordou que a modelo Nara Almeida, que morreu de câncer após uma luta intensa, foi aclamada (também) pela sua magreza, sem que as pessoas associassem sua aparência à doença. "Se a magreza de Nara continuou a ser elogiada mesmo após a morte da modelo, que tinha mais de 4 milhões de seguidores no Instagram, o corpo da anônima Dielly também continuou a ser alvo de chacotas após o suicídio", escreveu a jornalista Isabella Otto.
Paola Altheia, autora da excelente página Não Sou Exposição, diz que evita usar o termo gordofobia porque muita gente o relaciona ao "politicamente correto" e foge. Mas é lógico que gordofobia existe -- e mata. Paola, que é nutricionista, afirma: "o estigma da obesidade mata muitíssimo mais do que a própria obesidade. Mata a pessoa aos poucos, mata a pessoa por dentro, leva ao isolamento, leva à baixa autoestima, leva à depressão, e pode, como no caso da Dielly, culminar no suicídio".
Ela aponta no vídeo que existe hoje uma mentalidade individualista de que cada um deve resolver seus problemas sozinho, sem ajuda, e que depressão é sinal de vulnerabilidade. Não é! É doença. Se você tem depressão, procure terapeuta. Se você é vítima de bullying, não se cale. Ponha a boca no trombone. Se é verdade que as redes sociais estão aí para aumentar o bullying (o jovem hoje não é só xingado e humilhado nas horas em que está na escola, mas quando está em casa também, através da internet), também estão para denunciar. Exponha quem comete bullying. Fale com professorxs, com a direção da escola, com os pais dos "valentões".
Quanto a esses que cometem bullying, sinceramente, procurem ajuda também. Vocês têm sérios problemas. Não só vocês não têm como ser felizes, mas vocês não sabem o futuro que os aguarda. Você vai ter dificuldade em cometer bullying a vida toda. Já já terá responsabilidades, precisará trabalhar, e comece a rezar agora para que existam muitas fábricas de móveis Alezzia para contratar você. Porque a grande maioria das marcas não gosta de ter seu nome relacionado a quem é cruel com pessoas (ou animais). Você pode acabar como o reacinha do Twitter que perdeu seu emprego na TAM quando seu perfil foi denunciado. Parece que ele era até um bom funcionário, mas a empresa não quis nem saber -- ele foi demitido. E não conseguiu mais emprego no Brasil. Teve que se mudar de país.
Quer dizer, imagina que tristeza deve ser a vida de alguém que só consegue externar seus sentimentos xingando, odiando, zombando outra pessoa (quase sempre uma pessoa que vem de grupos historicamente oprimidos, como mulheres, negros, LGBT). Tem como ídolo Danilo Gentili, que escreveu um livro (que virou filme feito com a Lei Rouanet) incentivando o bullying. Que tal usar dinheiro público para combater a praga do bullying, fazendo campanhas em grande escola, em vez de usar dinheiro público para financiar gente que promove o bullying? Não parece, sei lá, uma ideia revolucionária?
Eu digo sempre aqui que a gente precisa adotar uma mentalidade de "dane-se o que eles pensam" (e dizem), que um cara que te xinga de "gorda escrota" revela muito mais sobre ele do que sobre você, que somos doutrinadas desde crianças a sermos aprovadas pelos homens, e que essa aprovação se baseia na nossa aparência física (baseada num padrão irreal de beleza) e na nossa submissão ("papai não gosta de menina zangada", "por que você não sorri mais?", "ninguém gosta de feminista"), que não temos que depender da aceitação de ninguém, que devemos nos amar como somos, que não estamos numa eterna competição de Miss Universo para sermos julgadas pela nossa aparência.
Mas pra mim é fácil falar: eu já tenho 50 anos, desenvolvi muita casca grossa, sempre me envolvi com gente boa e dou mais valor ao que eles dizem do que aos trolls, tento não levar pro lado pessoal (eles não me xingam por eu ser a Lola, que sequer conhecem; me xingam por eu ser feminista, de esquerda, uma mulher forte, e se eu não fosse gorda eles escolheriam qualquer outra característica física minha para tentar me ofender).
E, principalmente, eu nunca tive depressão. Sei que depressão é uma doença séria que tira as nossas defesas e acaba com nossa autoestima. Se ser xingada quando a gente está bem não é legal, ser xingada quando se tem depressão pode ter um efeito muito mais devastador.
Esses covardes se valeram disso para te destruir, Dielly querida. Não vamos deixar que destruam mais meninas.
Eu fiquei numa tristeza sem fim com esse caso... para quê essa maldade? Quem estiver passando por isso, resista. Você importa, você será feliz, você merece paz.
ResponderExcluirÓtima postagem. Muito oportuna. O que eu mais gostei no seu texto é quando vc diz que a pessoa não vai poder passar a vida toda cometendo bullying. Esse pessoal não entende ou finge não entender que o tempo passa, é implacavel, ninguém sabe o dia de amanhã, o jogo pode virar, ninguém vai ser jovenzinho e irresponsável para sempre, o mundo não gira em torno das vontades de ninguém. O quanto antes a pessoa entender isso, mudar sua postura para ser uma pessoa decente, melhor.
ResponderExcluirOlha, infelizmente a maioria dessas pessoas é bastante esperta. Praticam bullying quando não precisam enfrentar as consequências. É muito comum encontrar esses tipos ocupando se dando bem na vida...
ExcluirOlha, não, infelizmente para vc, eles não são inteligentes ou espertos. Eles pensam que são mas não dura muito. Um dia a casa cai. Os tempos agora são outros, as pessoas não estão mais dispostas a certas coisas, e o que mais se tem visto por aí é gente se traindo porque ainda não se deram conta de que rede social não é sala de estar nem mesa de bar onde estao apenas seus familiares e chegados. Lola deu vários bons exemplos aí em cima de gente que se traiu e se ferrou bonito e tem muitos que vc pode encontrar na internet. Os que vc diz estar se dando bem sao os que ficam se remoendo porque não podem mais dizer o que bem entendem sem consequências. Ou então se escondem atrás de pseudônimos e apelidos para continuar esperneando. Só assim.
Excluira) Vejo muitas pessoas falando que a polarizacao politica vai acabar com o Brasil mas para mim nao e isso o problema e que hoje as pessoas sao racistas homofobicas e machistas e tentam convencer que e liberdade de expressao.
ResponderExcluirb) Na minha epoca existia bulling mas nao tinhamos internet saiamos da escola ganhavamos um refresco mas agora os ataques duram 24 horas por dia atraves das redes e complicado
c) Devemos ensinar a estas meninas a ignorar estes imbecis e tb denunciar
Embora os bullies sejam uns nojentos sem noção, eles não conseguiriam esse efeito sozinhos,eu acho que a família tem que ser responsabilizada também, quando a criança ou adolescente sente que a família a ama e apoia o julgamento dos outros não tem um efeito tão devastador. A Gabi Amarantos já falou como o apoio da família construiu a personalidade dela, ela sempre esteve acima do peso. Faltou apoio geral pra essa moça
ResponderExcluirTristeza
ResponderExcluirEu sinto que estamos falhando em todos os aspectos (enquanto ser humano).
Olho pra foto da Dielly e meus olhos enchem de lágrimas, leio os comentários e a sensação de profunda desilusão com nossa sociedade só pióra.
Só consigo lamentar, por essa vida interrompida tão no início (17 anos) e pela vida desses jovens que fazem comentários tão cruéis mesmo após o suicídio da menina.
Meus sinceros sentimentos a família!
(chorando de vdd)
O motivo principal pelo qual muita gente (homens em especial) odeia o feminismo hoje é porque, hoje com a internet e as redes sociais, o movimento, com suas reflexões e discussões, tem chegado cada vez mais rápido a cada vez mais mulheres, e cada vez mais cedo. Hoje, meninas, crianças, já se dizem feministas. Meninas, adolescentes e mulheres no inicio da idade adulta estão cada vez mais conscientes, atentas, esclarecidas, seguras, estão gostando de si mesmas, estão cada vez mais cientes de que não têm que se esforçar para agradar homens para serem felizes e bem sucedidas, ao contrário do que ainda se costuma pregar por aí. A mentalidade está mudando mais rápido e mais cedo. Isso tem tirado muito homem (e algumas mulheres, infelizmente) do sério, tem rolado muita raiva. Ando de ônibus e às vezes ouço cada coisa que certos caras deixam escapar...
ResponderExcluirDo outro lado, as redes sociais ajudaram a ampliar o bullying. Mas espero que as pessoas se conscientizem cada vez mais e que o movimento feminista continue levando informação e reflexão para todos, especialmente aos mais novos.
Lola muito obrigada me chamo Rosângela e fui eu que pedi para você lembrar da Dielly. Assim como ela sou gorda e jovem e ja sofri muito BULLYING por isso. Ja pensei em suicidio varias vezes, eu sinto muito por ela tudo que eu queria era ter dado um abraço nela e dizer que tudo vai ficar bem : (
ResponderExcluirRosângela, eu me achava gorda quando jovem e hoje (com 25kg a mais) descobri que não era. Porém, me amo muito mais do que naquela época, quando aprendi a me amar independente do peso e do manequim.
ExcluirSua vida vale mais do que qualquer coisa, quem pratica Bullying é quem tem problemas, não você.
Depois dizem que GORDOFOBIA é frescura e mimimi! Nem depois de morta deixaram a garota em paz. Que nojo!!!
ResponderExcluirEsse filme do danilo gentili parece que foi um fracasso e não só filme lixo recebe verba da lei rouanet, o ''funk'' carioca e outros produtos protegidos pela grande mídia tbm recebe um poderoso patrocínio.
ResponderExcluirPrevisível que seria um fracassado. Cara sem talento, o filme deve ser uma ruindade só kkkkkk.
Excluir"Teve que se mudar de país." Que sorte a dele!
ResponderExcluirOFF TOPIC:
ResponderExcluirHá uma consulta pública no site do senado onde é questionado se o cidadão é a favor ou contra "Criminalizar o MST, mtst e outros movimentos ditos sociais que invadem propriedades".
Infelizmente, o "sim" está na frente. Vamos votar galera!
Entao p vc ok alguem montar acampamento na sua casa, comer sua comida e dividir seu ganha pão?
ExcluirAlicia
Não, para mim não é ok. Pq eu não sou latifundiária. Mas se eu tivesse ganhado de herença kilometros de terras improdutivas (conquistadas por meus antepassados com violência e roubos), aí elas precisariam SIM ser ocupadas. E com urgência. Simples né?
Excluir18:16 - ir pra somália é "sorte", seu babaca?
ResponderExcluirJá estive no lugar dela, mas não havia redes sociais na minha época, o bullying ficava na escola. Já estive no lugar dela, e não sei o que dizer. Não tenho palavras pra o caso. Só um silêncio pesado, um oco no peito, e um desejo imenso de dizer a quem quer que leia esse blog e esteja passando pelo mesmo: você não está só. Não é só com você, e a culpa não é sua. Você não precisa aceitar essa merda. Reaja. Denuncie. Na escola e nas redes sociais denuncie; nas redes, bloqueie sem medo nenhum. Você não é covarde, os verdadeiros covardes são os que te perseguem e te atormentam; covardes que não conseguem encarar nem o espelho, quanto mais os olhos de outro ser humano. Exclua-os da sua vida, das suas redes e da sua mente.
ResponderExcluirÉ claro que dói; ser agredido sempre dói. Mas nunca, jamais permita que estas bestas irracionais que se acham gente tirem sua vida. Nem por um momento pense que eles estão certos, porque não estão e nunca estarão. Não pense em mudar quem é pra agradar essa escória, porque eu já estive lá e, pessoal: eles não valem a pena. Nunca valeram nem nunca vão valer. Chorei muito por causa dos bullies; mas depois percebi que eles não valiam um segundo do meu tempo, um pensamento que dediquei ao que diziam, uma tentativa de ser aceita, uma lágrima que derrubei por causa deles. Nunca valeram. Não anseie pela aprovação desse tipo de lixo: eles não valem a pena. Cerquem-se de quem ama vocês, aceitem apenas quem aceita vocês. O resto, mandem pros quintos dos infernos e ignorem. Excluam das suas vidas e das suas redes.
Tristeza por essa aluna e pela família dela. Uma pena que ela não tenha usado a internet como ferramenta para botar a boca no trombone e denunciar o que sofria. Se coletivos feministas tivessem sabido disso, poderiam ter ajudado (e muito) a esta adolescente tão frágil. Mas talvez na bolha virtual dela não houvesse uma só pessoa que pudesse fazer o link até os coletivos de mulheres. Como saber? Mais uma jovem com a vida toda pela frente se foi.
ResponderExcluirUma das coisas que mais irrita homem até a raiz do cabelo daquele lugar, é uma mulher, de qualquer idade, tipo físico e tamanho, cagar e andar para o que ele acha a respeito dela (especialmente aparência) e não fazer nenhum esforço para tentar agradá-los. É sintomático que a maioria dos bulliers por aí e também daquele pessoal que critica mulheres gordas alegando preocupações com saúde (só que não), seja do sexo masculino, ditos heterossexuais. Pelo que se vê nas fotos que ilustram o post, a menina, Dielly, tirava fotos de si mesma fazendo poses, sorrindo e postava em rede social sem dar muita trela para esses caras. Eles não perdoaram, já que não aceitam que uma menina gorda se divirta como qualquer outra garota, e partiram para o ataque dessa forma covarde. Lamentável, depois dizem que não é importante questionar padrões, que tudo não passa de mimimi etc.
ResponderExcluir#somostodosdielly
ResponderExcluirMuito triste em saber que casos assim - ainda acontecem - em pleno século XXI.
Uma pena que existe bullying.
ResponderExcluirEla está num lugar melhor agora.
Estamos vivendo tempos dificeis. As pessoas não se envergonham de mostrar a sua face mais cruel. Não tive coragem de ler comentários maldosos contra Dielly; não me acho o sal da terra, mas desde criança tenho empatia pelo sofrimento alheio.
ResponderExcluirLola eu sempre posto vídeos e outras coisas sobre depressão, e de vez em quando aparecem pessoas me chamando no chat e perguntando mais sobre isso, outros me chamam para desabafar.
ResponderExcluirEntão eu adoraria que você fizesse um guest post, que desse dicas de como lidar com a situação de forma correta, pois muitas vezes só por mencionar que a pessoa precisa de ajuda profissional, ela poderá se ofender com isso, pois em muitas situações a pessoa acha que não precisa de um "médico de gente doida".
Estou triste por ela. Não somos aceitos nos grupos pela diferença que apresentamos e nem sempre fazemos dessa alteridade nossa marca de amor próprio. Não somos ensinados a isso.
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