TODA MULHER É PROSTITUTA. DILMA É MULHER. LOGO, DILMA É PROSTITUTA

Isso foi assunto da blogosfera política na semana passada, mas não tive tempo de escrever a respeito. (Neste bloguinho é assim: aqui, você sempre sabe por último). Pode ter gente que não acompanhou, e não quero deixar passar.

O ilustrador Nani, que foi parte do Pasquim (pro pessoal mais jovem que não sabe, um semanário de política e humor que foi importante nos anos 70), fez a charge acima, em que satiriza como Dilma (quer tizer, o PT) teve que modificar alguns pontos de seu programa de governo para contentar o PMDB.
Pra dar o mínimo de contexto, vamos ver o que o programa bicho-papão do PT incluía. Vou começar com uma pergunta: você é a favor da tributação de grandes fortunas? Assim: quem tiver acima de 1 milhão de reais em patrimônio, paga 1% por ano; entre 5 e 10 milhões, 2%; entre 10 e 20 milhões, 3%; acima de 50 milhões, 5%. Essa taxação arrecadaria 3,5 bilhões por ano, que seriam gastos em saúde e educação. Ahn, isso é o que a gente costuma chamar de distribuição de renda que, na teoria, todo mundo, até a direita, é a favor. Mas na prática é o velho “Não mexam no meu bolso! Ah, eu ainda não tenho 50 milhões?! Não importa! É só uma questão de tempo! Porque eu trabalho e mereço chegar lá!”. Essa tributação está prevista na Constituição de 1988, só que nunca foi implantada. Que radical, né?! Desaforo! Querer que ricos paguem mais impostos que pobres e classe média!
Outro ponto do assustador programa: reduzir a jornada de trabalho, das 44 horas semanais brasileiras para 40 (ainda assim bem mais alta que em países desenvolvidos, onde a tendência é trabalhar menos, não mais). Mais um pontinho: combater o monopólio dos meios eletrônicos de comunicação, já que a informação é um bem valioso, não deveria estar nas mãos de apenas alguns, e as TVs são concessões de governos passados. Enfim, esses e outros pontos integram a constituição de países desenvolvidos há décadas, mas, se você for a favor disso, você é um radical, diz a Folha. Como diz o neto do Brizola, “o 'radical' para a Folha é normal na democracia”.
O fato é que programas de governo nas eleições brasileiras são considerados supérfluos, e os partidos tratam de lançar um que não tenha itens polêmicos. Quer dizer, eu já considero ruim essa aliança do PT com o PMDB, e acho o fim que o PT tenha de mudar seu programa pra não “escandalizar” o PMDB e a direita brasileira (que é anti-PT desde criancinha, então pra quê querer agradá-la?). Dilma apresentou um outro programa, mais ameno. Bom, pelo menos o PT tem um progama, ao contrário do PSDB. Serra já deixou claro que programa não é com ele, e que está interessado apenas em comparar currículos, não propostas. Se alguém lhe pergunta seus planos para o Bolsa-Família, ou para a exploração do pré-sal, ou para os pedágios, ou para basicamente qualquer outro assunto, seu jeito de responder é um só: ele pergunta pro jornalista “Pra quem você trabalha?”. Semana passada, quando um disse “pro Globo”, Serra pediu desculpas. Constrangedor. Mas esse sim é um candidato preparado pra governar o país!
Voltando à charge do Nani, que desenha Dilma como prostituta. Taí um ótimo exemplo de sexismo na política. É o tipo de humor que só pode ser feito quando a candidata é mulher! São mulheres que sempre são julgadas pelo seu histórico sexual, que são apelidadas de p*tas, vadias e vagabas, termos que não existem pros homens, pois o currículo sexual dos machos é coisa pra se vangloriar, nunca pra condenar.
Lembra da charge do New Yorker, uma publicação liberal, durante a campanha presidencial americana? Ela mostrava Obama e sua mulher, Michelle, na Casa Branca, vestidos “como terroristas” (pro imaginário americano), queimando a bandeira americana? Aquilo causou um auê danado. Ela era ofensiva porque representava justamente o que a direita cristã falava do casal Obama. A charge validava uma atitude preconceituosa.
Neste caso do Nani ocorre a mesma coisa. É só ler os comentários em blogs reaças que reproduziram a charge. Por exemplo, Josias, da Folha, pôs a charge em seu blog, sem nenhuma palavra. A meu ver, Josias já havia feito pior, quando pôs uma foto de Dilma e Marta embaixo do título "Notas vadias de um domingo de notícias vagabundas", como demonstrou o Cidadania. A maior parte dos comentários no blog doJosias dizia que a charge do Nani é a mais pura verdade, que quem exige respeito deve dar-se ao respeito, que as prostitutas é que deviam ficar ofendidas com a comparação (no blog do tio Rei os comentários são iguais). Algo que ninguém notou é que há inúmeros emails circulando por aí que, muito antes da charge, já diziam o literal: que Dilma foi prostituta. Segundo esses emails apócrifos, Dilma, além de terrorista, era amante de terroristas. Ela se prostituía entre seus companheiros. Não há a menor prova disso, mas precisa?! Ela é mulher, isso já basta. Pros machistas de plantão, toda mulher, menos a mãe, é uma prostituta em potencial. Pagando bem, nós abrimos as pernas.
Eu também fico chocada. Mas é bom criarmos casca grossa porque este é só o início da campanha. Uma campanha que tem uma mulher com chances reais de se tornar a primeira presidente do Brasil. E não duvide: se Marina fosse uma candidata competitiva, estaríamos vendo o mesmo sobre ela. Mas não devemos ficar jururu, que no dia 8 de março eles nos dão rosas e juram que somos a razão do universo.