A sofisticada revista The New Yorker (onde minha ídola Pauline Kael foi crítica de cinema durante tanto tempo) causou polêmica com a sua capa desta semana. Há uma ilustração de Obama e sua mulher, Michelle, vestidos como terroristas muçulmanos, com metralhadora e tudo, dentro da Casa Branca. Minha mãe, que é muito mais fã da New Yorker do que eu, havia pedido que eu levasse qualquer número da revista pra ela ler no Brasil (ela acompanha tudo online). Mas é dificílimo encontrar a revista aqui em Detroit, onde não existem bancas de jornais. As revistas que a gente vê são as que estão expostas nos supermercados, e são todas de fofocas e de escândalos sexuais. Pra encontrar uma New Yorker (ou uma Esquire, ou sequer uma Vanity Fair), só nas grandes bancas em aeroportos. Ontem o maridão, por desencargo de consciência, foi ver se a livraria Barnes & Noble a tinha a venda. A resposta: tinha, mas esse número em particular, com o Obama na capa, estava absolutamente esgotado.
O cartoon do Washington Post reproduz exatamente o que muitos liberais andam pensando: qual a diferença de uma ilustração racista dessas na New Yorker e em alguma publicação de direita que chama o Obama de anti-cristo e grita slogans como “Obama 2008, Osama [Bin Laden] 2009”? Ah, a New Yorker é chique, “de esquerda” (se é que isso existe nos EUA), irônica. Obviamente estava brincando com os estereótipos absurdos que a direita cristã divulga sobre o Obama. Obviamente pra quem, cara pálida? Até parece que um republicano vai ver a capa da New Yorker e pensar: “Pô, eles estão me satirizando”. Claro que não! Vai é pensar: “Puxa, até a New Yorker acha que o casal Obama é terrorista muçulmano. Que legal! Vou comprar uns exemplares pra distribuir pros meus amigos de caça”.
Algo parecido, só que muito menos sério, anda acontecendo com Wall-E. Será que Wall-E discrimina os gordos, ao associá-los com excesso de consumo, preguiça e até à destruição do planeta? Algumas pessoas ligadas a movimentos de Fat Acceptance (que luta pelos direitos dos gordos) acham que não, que os obesos na animação não são tratados desfavoravelmente. Outras se manifestaram contra a Pixar, que explicou que aqueles seres redondos e incapazes de andar no desenho não eram nem pra ser gordos, e sim pessoas sem musculatura óssea – algo que se perde no espaço -, representando bebês, na verdade. Ah, isso resolve tudo! Não importa que o público veja os gordos do desenho como, bem, gordos, e morra de rir na cena em que um deles não consegue se levantar sozinho. Ou que o preconceito do filme bata direitinho com o preconceito comum, o que vai dar nova munição às crianças que zoam do coleguinha gordo na escola. A intenção da Pixar não era essa, entendeu?
O cartoon do Washington Post (no topo do post) põe o dedo na ferida. Lá embaixo, em letras miúdas, diz: “Os sofisticados sabem ver a diferença”. Isso equivale a dizer que a intenção foi correta, e só espectadores ou leitores burrinhos não compreenderão isso. É bem algo da elite mesmo fazer uma capa racista, numa revista de circulação nacional (embora difícil de encontrar), e tratá-la como uma piadinha interna que os leitores habituais irão entender.
É preciso algo que indique que a intenção do autor(a) é ser irônico ou satírico. Na capa da New Yorker, a única indicação que temos é que as inclinações políticas da revista não combinam com o imaginário direitista. Mas só isso não é suficiente. A campanha do Obama manifestou seu repúdio à capa. Até seu adversário, John McCain, a chamou de “ofensiva e de mau gosto”. No fundo, a capa revela que as intenções do autor, ou de uma revista, ou de um filme, não valem nada. O que vale é a recepção da obra. E, neste caso, ela não é das melhores.
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ResponderExcluirOntem o show do Jon Stewart foi praticamente todo dedicado a essa polemica e, acredite ou nao, ele esta do lado da revista. Disse que a midia esta sendo alem hipocrita em atacar o New Yorker quando a capa esta justamente criticando as coisas que eles disseram. Eh verdade, mas eh que nem voce falou: deixa de ser ofensivo so porque mudou de boca?
ResponderExcluirLola, eu nao sou muito politizada, apesar que me naturalizei pra poder votar e votei no Obama, vou votar de novo com entusiasmo. mas sinceramente nao entendi essa da New Yorker e nao achei muito engracado, claro que so pode ser ironico, mas como voce bem frisou, nem todo mundo pescou ou vai pescar a ironia.
ResponderExcluirbeijao!
Andie, muito bom o vídeo, obrigada por mandá-lo. Gosto muito do Jon Stewart, além de achá-lo uma gracinha, claro. Concordo que não vale a pena fazer um carnaval por tão pouco como uma capa de revista, e concordo que a mídia, que tem sido machista, racista e preconceituosa em muitos momentos, não tem capacidade moral pra se ofender com um cartoon. E sei muito bem que a capa não representa a visão que a New Yorker tem do Obama. Mas isso não a faz menos ofensiva, né? Acho que foi uma sátira que não deu certo, e que não será vista pela maioria como sátira.
ResponderExcluirFer, ah, vc é naturalizada americana?! Que legal! Então vc vai votar! Deve ser muito bom poder participar da escolha de um país. Esse negócio da capa é esquisito. Porque o pessoal mais bem-informado sabe que é uma sátira, mas mesmo essas pessoas não acharam a sátira eficiente. O chato é que tem muita gente nos EUA que acredita que é isso que o Obama e a mulher farão se vencerem: queimar a bandeira americana, ficar do lado dos terroristas... Sei lá, tem umas situações que são difíceis de ridicularizar, porque são reais demais, atuais demais.
é, até o mc cain achou ofensiva!
ResponderExcluiré de mau-gosto mesmo, mas eu confesso que ri quando vi a charge... e uns segundos depois me censurei por rir: óbvio que a ironia é delicada demais pra que os brucutus de direita cujo pensamento é ridicularizado nela a entendam (pode ser politicamente incorreto, mas eu acho que quem acha q obama 2008- osama 2009 é limitado intelectualmente...) Mas discordo de vc no seguinte: acho que tem na charge mais indicações da ironia e da sátira do que apenas a inclinação política que a revista tem: é completamente caricatural, veja a bandeira no fogo, a candidata a primeira-dama com metralhadora, tudo! ainda assim, é bem de mau-gosto mesmo.
irônico ou não, foi longe demais, e para o ignorante médio de espingarda no armário fica difícil entender como ironia...
ResponderExcluirqto ao wall-e eu amei o filme, não pensei nem um segundo q ofendia os gordos. aliás, o povo tem q ter tanto tato com tanta gente (mulheres, gays, gordos, negros, latinos, orientais, etc etc etc) q fica difícil não ofender alguém, ou não levantar polêmica. o fato é que perder massa óssea e muscular, e engordar por não fazer exercício algum ( e comer um monte de bobagens) não pode ser considerado um estilo de vida/cultura a ser respeitado. É um caso de saúde pública, causa mortes!Assim como o contrário, obsessão por exercício e/ou anorexia não é questão de respeito a uma demografia, é saúde! Não discriminemos os obesos e anoréxicos, mas lutemos contra as doenças da obesidade e anorexia nervosa. ao menos é isso q eu acho (pelo menos hoje):P
LOla...boa reflexão,vejo que tens um lado bem politizado,além de observares o mundo do cinema.Interessante isso,uma chacota politcamente INcorreta?Pelo visto os americanos não diferem em nada dos nossos eleitores,eles lá votaram no Bush um senhor pra lá de obtuso e "nós" aqui no Lula-lá(eu pelo menos),comprei a imagem da "mudança",vejo que Osama para os americanos liberais é a mudança.A história continua a mesma ,só mudam os personagens.
ResponderExcluirCorreção...
ResponderExcluirOBAMA...até nisso a gente pode se confundir.
Como já disse vc, eu e um preguilhão de gente...não importa que diabos você disse, importa o que o outro entendeu.
ResponderExcluirE um monte de gente achou racista e escroto....
Inclusive eu.
Bjo
Pois é, Lu, pra gente, que sabe que o Obama não é um terrorista muçulmano que quer destruir os EUA, a capa pode ser irônica. Mas pra muita gente de direita, que acredita exatamente nisso, não é. É só uma confirmação do que elas acreditam. Eu adoro ironia. Mas se eu digo algo ofensivo e preconceituoso, fora de um contexto, a maior parte das pessoas não vai entender. Não sei se a definição de humor que o Mark Twain dava - que humor é "tragedy plus time" (tragédia, mais tempo) - se aplica aqui. Chamar o Obama de terrorista, o que é uma tragédia, está presente demais na cabeça das pessoas. Não deu tempo pra elas rirem disso. E claro que tudo no cartoon é caricatural, mas isso da bandeira americana sendo queimada é o pior pecado que alguém pode cometer contra os EUA. E questiona-se muito o patriotismo do Obama e de sua mulher. Eles são constantemente chamados de anti-americanos. A Michelle porque deu algumas declarações de que os negros não têm tanto do que se orgulhar dos EUA. E o Obama porque, além de não ter lutado em nenhuma guerra (que é uma exigência patriótica pra todos os homens americanos), disse que não queria usar a bandeirinha americana na lapela. O mundo caiu quando ele disse isso, sabe?
ResponderExcluirJu K, o ignorante de espingarda, que ainda por cima acredita em "verdade absoluta", vai achar que a capa do New Yorker é a pura verdade. Só.
ResponderExcluirQuanto a Wall-E, sim, tem que ter tato pra não ofender ninguém. Mas essas minorias que vc citou só começaram a exigir um pouco de tato nas últimas décadas. E mesmo assim continuam discriminadas.
Eu ainda preciso escrever mais sobre a gordofobia e a "epidemia da obesidade". Os movimentos de Fat Acceptance nos EUA não querem promover nenhum estilo de vida. Só exigem respeito, no que se refere ao preconceito (inclusive nisso de achar que todo gordo come demais e não faz exercício, e por isso é gordo, quando na realidade o que determina nosso biotipo é a genética). Gordo é mal-atendido por médicos (quando é atendido), ganha menos que pessoas com peso normal, e é constantemente hostilizado no dia a dia. Quando vc diz que a obesidade não pode ser respeitada, mas o obeso, sim, deve, e que não devemos discriminar o obeso, e sim a obesidade, bem, vc tá adotando um discurso muito parecido ao dos homofóbicos. Os homofóbicos mais bonzinhos dizem o mesmo: não respeitamos a homossexualidade, que é uma doença terrível que deve ser combatida, mas respeitamos os homossexuais. Só queremos curá-los!
É difícil respeitar alguém se esse alguém carrega o que você quer combater, e o que, pra vc, tá associado à doença e morte. Quero dizer, quase todo mundo pensa como vc. É a maioria. Isso também ajuda que vc não veja precoceito nenhum contra os gordos em Wall-E. Preciso escrever mais sobre isso...
Obrigada, Lucia. Acho que meu lado "politizado" é muito forte, e quase todas as minhas crônicas sobre cinema refletem isso. Bom, pra mim e pra maior parte do mundo, os americanos caíram muito no nosso conceito por terem eleito (mais ou menos) o Bush em 2000, e, pior ainda, imperdoável mesmo, reeleito o sujeito em 2004. Mas os EUA são um país muito dividido. Geralmente a metade vota nos republicanos, e metade nos democratas. Quer dizer, entre os poucos que votam, porque o voto não é obrigatório. Enfim, no Brasil, apesar de termos basicamente dois grandes partidos, PT e PSDB, e haver uma certa divisão, principalmente em época de eleição, Lula teve 65% dos votos. É bem mais que a maioria. E seus índices de aprovação continuam altíssimos. Seja lá quem ganhar nos EUA, Obama ou McCain (espero que o Obama, que obviamente representa uma mudança em relação ao Bush), não será por 65%, pode apostar.
ResponderExcluirÉ isso, Malena. Mas é uma democracia, e uma revista tem o direito de fazer uma capa com o cartoon que quiser. E, claro, todo mundo tem o direito de se manifestar contra a revista.
Nossa, eu acho que estou em desacordo da maioria das pessoas. Para mim foi um much ado about nothing. Eu também acho que toda obra depende da recepção mas não acho que então deve ficar sempre preocupado em como ela vai ser recebida e por isso modificar, mesmo porque ela é recebida de diferentes formas. Mesmo que somente a intelligentsia do Upper West Side entenda eu não vejo como algo que realmente possa prejudicar. Para mim o triste não é terem feito a caricatura, sou totalmente a favor de fazerem do que quiseram, seja do Obama mulçumano aqui nos EUA seja do Mohammed na Dinamarca, acho que saio do ponto da questão que era, como o próprio Obama disse no Lary King, que tal grupo seja visto de forma tão pejorativa. Acho que de toda forma algo se conseguiu, está sendo debatida e se for usada contra ele é porque outra coisa já seria de qualquer forma, não acho que uma capa da New Yorker vá fazer alguém perder uma eleição.
ResponderExcluirAlê
Vc tem razão, Alê. Se esse episódio da capa do New Yorker servir pra debater o precoceito escancarado que há nos EUA contra muçulmanos, já terá servido pra alguma coisa. Também acho que há um certo exagero na repercussão do caso, mas vc sabe como é a cobertura de qualquer coisa nos EUA: se um veículo fala, todos falam. Os EUA vivem de "notícias-eventos", que eu acho que só geram desinformação (e acho que o propósito é mesmo alienar as pessoas). Claro que a capa da New Yorker não vai fazer o Obama perder (ou ganhar) a eleição. Daqui a uma semana ninguém mais estará falando nisso, e a gente só vai estar debatendo a próxima "notícia-evento". Mas, por enquanto, minha opinião é que a New Yorker pisou na bola e fez uma capa racista. Minha opinião não é de censura nem nada. É só um "tsc tsc tsc" pra New Yorker.
ResponderExcluirHoje saiu um artigo do colunista ultra-conservador e ex-assessor do Nixon Pat Buchanan. Ele condena a "mídia liberal" por se zangar com a ofensa ao Obama, como se o candidato fosse um intocável. E diz que o pessoal tá tão chateado com o cartoon porque no fundo ele toca em questões muito verdadeiras - ou seja, que Obama e sua mulher são anti-patriotas (o que, nos EUA, é quase sinônimo de terrorista), e que Obama tem grandes ligações com os muçulmanos, já que seu pai e padrasto pertenciam a essa religião (o que, nos EUA, é quase sinônimo de terrorista). Se alguém tiver estômago pra ler, tá aqui. Leia também parte dos comentários pra ver como pensa a direita-cristã.
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