segunda-feira, 28 de abril de 2008

POBRE PITEKO

Esta crônica eu escrevi um mês depois de começar meu mestrado, ou seja, em 2003. Reproduzo-a aqui porque a) ela elucida mais o caráter, ou falta de, do maridão; e b) tenho amigas cuja especialidade é Fonética, e senti uma vontade incontrolável de cutucá-las. Espero que quem não tenha nada a ver com a história também goste. Algum dia, se alguém perguntar nos comentários, eu conto como fui na prova.

SONS GUTURAIS

É um pouco decepcionante, confesso, entrar num mestrado de literatura e os primeiros pontos que eu aprendo são... sons guturais. Certamente deve haver coisas que eu odeie mais que Fonética. Por exemplo, detesto muito mais a guerra, a fome, a crueldade contra pessoas e animais, mas fonética ocupa um lugar de destaque na minha lista de Temas Abomináveis. O maridão, pra não perder o costume, aproveitou pra me esculhambar.

Ele: “Sei por que você tem aversão à Fonética. É porque você não está acostumada à última parte da palavra, ‘ética’ ”.

Eu: “A última parte da palavra é ‘nética’, sua metástase retardada!”.

Ele: “Aposto que você fala pras suas colegas: ‘E aí, estudou pra Fono?’".

A fonética adota uns símbolos extraterrestres que, pra mim, é tudo grego. Mas o pior é que vai ter prova. Quando a professora proferiu as arrepiantes palavras “sem consulta”, você precisava ver o pânico estampado nos rostos. Minha reação inicial foi me jogar pela janela, mas notei que esse ato impensado poderia causar a morte de um transeunte que tivesse o azar de passar embaixo, e mudei de idéia. Logo me conformei e vi que o único jeito de sobreviver à Fonética seria decorar umas tabelas. Agora tenho o final de semana inteiro pra memorizar o que aparenta ser a tabela periódica. Sabe aquela dos símbolos químicos? É parecida. Colei as tabelas no banheiro pra poder visualizá-las. O maridão olhou pras paredes do banheiro, olhou pro meu estado de nervos, e avisou, solidário: “Tchau, amor. Vou viajar. Volto no próximo fim de semana”. Depois de um ou dois tabefes carinhosos, ele acabou ficando. Mais tarde, ele perguntou se eu tinha certeza que as tabelas eram de Fonética mesmo, pois, pra ele, pareciam esquema de assalto a banco.

Com minha mente privilegiada, decorar tabelas não deve ser difícil. Tenho vários truques. Há umas tais de consoantes mudas: p, t, k, s, f. Como lembrar disso? Ué, eu coloquei vogais no meio e formei uma frase: “Piteko si fu”. E, pelo jeito, Piteko não será o único.

10 comentários:

  1. Putz, eu juro que me senti exatemente da mesma maneira quando entrei pro mestrado!!! Imagina eu, recém formada em jornalismo, tendo que fazer prova de linguística!! Me sentia completamente em desvantagem em relação aos outros alunos... poxa, eu nunca tinha visto aquilo na vida! Alguns textos eu não entendia de jeito nenhum, e os outros eu tinha que ler no mínimo duas vezes fazendo resumo pra decifrar aquela linguagem impossível. Acho irônico que no mestrado pra literatura eu acabei estudando muito mais linguística do que qualquer outra coisa no primeiro semestre, mas no fim deu tudo certo e até que fui bem. E uma grande sorte minha foi que no ano que eu entrei não tivemos fonética... Mas ficou pra sempre um ódio sincero de linguística como um todo.
    um abraço,
    Renata.

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  2. Pois é, Rê, eu sou formada em Pedagogia, mas nunca trabalhei com criança. Antes disso tinha feito pós-grad. (especialização) em inglês, e havia alguns prof. da UFSC lá, mas não tivemos fonética. Então chegando ao mestrado e ter de enfrentar aquela matéria de linguística assustou. Mas foi só o susto. É bem genérico mesmo, então deu tudo certo. Eu até entendo o porquê de alunos de literatura terem um semestre de linguística, e vice-versa. E o que muitas de nós de lit. sentimos por ling., muitas de ling. sentem pela literatura. Não gostam, simplesmente. Só que, terminando o mestrado, todas estamos aptas a dar aula de ling. e lit., o que pra mim é um erro. Imagina a gente dando aula de fonética?! Nunca. E imagina gente de ling. que não gosta de lit. dando aula de lit.? Pode ser muito nocivo pros alunos. Mas o que vejo, sinceramente, é um acordo tácito. O pessoal de ling. procura vagas que pedem prof. de ling., e o pessoal de lit. procura vagas de prof. de lit. O que não quer dizer que eu, por ser de lit., não possa ensinar inglês! Mas inglês é diferente, não é um campo específico da linguística. E há áreas de linguística que eu acho interessantes, como análise do discurso, tradução, e até algumas partes de aquisição da língua. Fonética certamente não é uma das minhas preferências... Fica aqui meu compromisso público de jamais tentar dar aula de fonética.

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  3. Haha

    Eu acho fonética legal.

    o p,t,k e o b,d,g aprendi no segundo grau a guardar "peteca" "bodega"

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  4. Ju, o que tem de legal em fonética? Piteko foi uma ótima sacada minha pra não esquecer. Eu tive um lindo cãozinho chamado Piteco (com c). A gente chamava de Pity. Dessa forma foi muito mais fácil lembrar dos sons pra prova...

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  5. Ah, sei lá, quando eu fiz em inglês, aprendi a ouvir um monte de coisa que não ouvia e minha pronúncia melhorou mto!
    E em português achei divertidíssimo ver os vários modos como as pessoas falam. Eu acho fonética e fonoligia, semântica e sociolingüística legais (apesar de nunca ter feito matéria em sócio), mas deu de lingüística na minha vida.

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  6. Quequié, Ju?! Acabou de se entregar que adora linguística! (corte pra cena de American Beauty em que uma amiga fala pra outra: "Oh my God, you totally love him! You wanna have like ten thousand babies with him!"). Brincadeirinha. Tudo bem gostar de fonética. Eu até gostaria de gostar...

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  7. Então, mas eu gosto de Lingüística. Já gostei muito, mas peguei aversão depois de uma longa história que te conto outra hora, hahaha

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  8. Isso me lembrou frases feitas pra decorar qualquer coisa que se consiga resumir a siglas.
    'Rei filósofo classificou ordinária a família do general espartano'; 'P*** velha não recusa tarado'; 'Li na kama robson crusué em francês'... tinha umas pra fórmulas de física, mas eu só lembro as frases, o sgnificado dos símbolos de esvaíram da minha mente.

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  9. Ju, vc fica me devendo essa longa história.
    Li, essas coisas de decoreba funcionam! Mas é como vc disse: depois de um tempinho, a gente fica com a fórmula, mas se esquece do significado.

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  10. Ai,Lola.
    Estava lendo seu post de hoje, passei por vários posts antigos e cheguei neste aqui! Ri muito (por dentro, porque estou no escritório e fico aqui até 21h00 hoje! então resolvi roubar uns minutos para ler seu blog - minha leitura diária obrigatória). Veja, eu amo literatura (faço Letras, tbm, na USP - desde 2006!!!! Depois conto a história), mas sempre tenho a impressão de que é necessário ter uma grande erudição para poder lidar com as questões que a teoria literária propõe, porque elas são permeadas por reflexões filosóficas, sociológicas, históricas, além das suas próprias questões internas/formais (espaço narrativo, tempo na narrativa, construção de personagens - no caso de romances; ou questões formais da poesia, entre várias outras). Às vezes acho que precisamos ser "Leonardos da Vincis" para dar conta de tanto conhecimento. Nesse caso, acredito que a literatura, do ponto de vista acadêmico, seja uma seara para iniciados ou para quem tem o privilégio de ter muito tempo para ler e pesquisar. Sinto-me maravilhado e intimidado quando leio, por exemplo, as análises de Antônio Cândido. O homem possui um cabedal de conhecimento que me fascina, me impressiona e, no entanto, ele fala das coisas com simplicidade, quase com humildade - como um sábio. Claro que eu poderia citar outros, mas acho o Cândido um nome emblemático o suficiente para representar esse meu sentimento.
    Mas você deve estar se perguntando:"tá, mas o que isso tem a ver com fonética?". Tem a ver, na verdade, com a (para mim) falsa dicotomia literatura x linguística. Tirando a parte "hard-science" com a qual a linguística quer se revestir, quando penso que muitos mecanismos de análise da literatura passam tão perto ou até coincidem com os da análise do discurso, da semiótica, vejo que na verdade, nessas áreas, uma complementa a outra.
    Já em relação à fonética, especificamente, penso como professor de língua (inglês) e mais ainda como estudante. Explico: quando eu era só estudante de inglês, apesar de ter tido certa facilidade com a língua, achava muito difícil, porque não havia muitos recursos na época (início da década de 80, sem computador, internet, DVD etc), perceber como era a pronúncia de várias palavras. A coisa que mais me ajudou a dominar rapidamente essa questão foi justamente a fonética. Como meus dicionários sempre foram monolíngues e com transcrição baseada no alfabeto fonético internacional (a famigerada tabela da IPA, que deve ser a que você colou na parede do seu banheiro), desde cedo me acostumei a ler foneticamente. Isso me ajudou muito na pronúncia das palavras isoladamente, e facilitou a audição dessas mesmas palavras em uma frase, como em filmes, por exemplo. Sou um defensor da fonética enquanto ferramenta de aquisição de segunda língua porque a considero poderosíssima e que pode proporcionar ao estudante uma autonomia muito grande em relação ao seu aprendizado.
    Isso posto (rs), você já percebeu que tenho paixão também por fonética, mas não gosto da parte hard-science da linguística, em que a língua é cortada e recortada em pedaços tão minúsculos que chega um ponto em que já não dá mais para reconhecer que é língua (rs) - se meus professores lessem isso me matariam!
    Mas, voltando lá no início, acho que as duas se completam e, no meu caso, me deixam em uma enorme dúvida sobre o que fazer de especialização: língua (com ênfase em fonética, claro) ou literatura (de língua inglesa, minha área de interesse na faculdade). A cada semestre me descubro mais fascinado com aspectos de uma e de outra área. E, como sou curioso, fico querendo mergulhar nas duas. Difícil!
    Desculpe ter escrito tanto e talvez não ter dito muito. Prolixidade é um dos meus maiores defeitos e a faculdade ainda não me ajudou a resolver isso (rs).
    Bjs

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