
É impressionante esse pacote tão ferrenhamente anti-Bush num filme comercial com origem nos quadrinhos. Mas fica menos impressionante quando a gente pensa que “V” é obra dos irmãos Washowski. Se alguém tem dúvida sobre o caráter subversivo do primeiro e único grande “Matrix”, basta prestar atenção na música do final, que conclama para atos de ódio contra o sistema. Bom, nem foram os irmãos W que dirigiram “V”, mas o roteiro e a produção é deles. Tá certo que a história em quadrinhos (perdão, graphic novel) foi escrita nos anos 80, e que os Washowski a adaptaram pras telas quando Bush Pai ainda dominava o planeta, muito antes dos aviões derrubarem as Torres Gêmeas. Mas não tem jeito, tudinho na trama cai como uma luva pra atacar o Bush Filho. Tem até um momento em que o governo lança uma epidemia de pânico pra alienar a população (a gripe aviária entra na jogada). Michael Moore deve estar orgulhoso.
V, o superherói do negócio, usa uma máscara baseada num sujeito que tentou explodir o parlamento inglês no século XVII. O carinha foi preso e condenado à morte, e sua trajetória virou um hino pra reforçar o Império Britânico (isso tudo é real). Só que como a gente julga esse sujeito depende do ponto de vista, né? Ele foi um terrorista ou um revolucionário? Por exemplo, quem derruba governos que os EUA não gostam é sempre visto como revolucionário. Tem até um termo pra isso, freedom fighter. Ou seja, a pessoa que luta de acordo com os interesses americanos luta pela liberdade. No entanto, acho razoável adivinhar que a CIA não considera o Osama um freedom fighter.
Já o V declara que “dá pra mudar o mundo explodindo um prédio”. A trama se passa mais ou menos em 2020, após os EUA começarem uma guerra que arrasa o globo. O John Hurt faz uma espécie de Grande Irmão, e isso é interessante porque ele esteve em “1984”. A Natalie Portman é a mocinha que V acolhe. Aliás, não sei se vai ter seqüência, mas espero que não, porque terei dificuldade em engolir alguém tão frágil e esquelética como a Natalie virando superheroína. E a gente podia viver sem ouvir uma moça que acabou de ser violentamente torturada perguntando, “Foi você que cortou meu cabelo?”. Mas a verdade é que a interpretação da Natalie cresce na sua versão Joana D’Arc/Anne Frank. E o V? Dizem que é o Hugo Weaver (agora famoso por toda a eternidade como o agente Smith de “Matrix”) por trás da máscara, mas podia ser qualquer um.
