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terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

DUDA, DEMITIDA DE ESCOLA POR SER VEREADORA, TRANS OU AMEAÇADA?

Duda Salabert (PDT), vereadora mais bem votada da história de Belo Horizonte, foi demitida da escola particular Bernoulli, onde lecionava havia treze anos. A escola alegou que, com o cargo de vereadora, ela não conseguiria se dedicar às aulas.

Duda, uma mulher trans que tive o prazer de conhecer em 2019 durante um Congresso da UNE (ela é uma doçura, muito gentil, e estava feliz da vida por ser mãe), não acredita que a demissão foi por ser trans. Afinal, ela fez a transição há quatro anos, quando já estava na escola. Para Duda, o fator determinante foi ela ter recebido ameaças terroristas de que seria alvejada no colégio, o que gerou medo nos pais dos alunos.

Se for isso, é absurdo. É punir a vítima. Imagina se um trote com ameaças é suficiente para afetar a carreira de uma professora! O reitor da UFC recebeu ameaça por email no final de 2016 (com cópia pra mim) jurando que, se eu não fosse despedida, haveria um massacre na universidade. Essa ameaça foi repetidas outras vezes, e o reitor denunciou a ameaça à PF, que abriu um inquérito que levou um dos líderes mascus à prisão. 

Reproduzo o post que Duda postou em seu Instagram:

Fui demitida da escola em que trabalhava. Em 21 anos como professora, foi a 1a vez que fui demitida. Queria e quero continuar dando aula. Sou Professora e dar aula sempre foi uma paixão. A política sempre ocupou meu tempo, mas nunca faltei a uma aula por causa da política e nunca dei uma aula sem me entregar ao máximo. Posso ESTAR na política institucional, mas SOU professora. Dar aula é e sempre será minha prioridade, independente do cargo político em que eu possa estar.

Comecei a dar aula no 1° período da faculdade. Lembro-me que tinha o sonho de dar aula em um grande pré-vestibular. Tanto o é que no 2° período, em uma entrevista de emprego, a psicóloga me perguntou: qual seria meu maior sonho. Eu, na época, 20 anos atrás, respondi: "dar aula em uma sala lotada de um pré-vestibular e ter minha foto em um outdoor". Sonho ridículo esse que eu tinha né?! Ridículo e alienado rsrs. Era um sonho no estilo de Macabéa, da Hora da estrela, de Clarice Lispector. Demoraram anos para eu perceber que não deveria existir vestibular e nem pré-vestibulares e que foto no outdoor era uma grande bobeira...

Não sei se voltarei a dar aula em escolas privadas novamente, pois há um grande preconceito estigmatizante que impedirá minha contratação pelo fato de eu ser trans. Para quem não sabe, minha transição de gênero tem apenas 4 anos. Antes da pandemia, pais reclamavam da minha presença na escola. Mas eles não assistiam minha aula, não me viam... Isso tornava o cenário menos pesado. Com a pandemia, minha imagem começou a frequentar as casas dessas famílias -- fato que causa desconforto em mentes preconceituosas. Para piorar, teve a ameaça de morte que sofri, na qual dizia que me matariam dentro da escola. Lembremos que esse e-mail ameaçador foi também encaminhado pra direção da escola. Ali eu já sabia que seria demitida.

Estou pensando em montar um novo cursinho popular após a vacinação. Se as escolas não me aceitarão no futuro, faço eu minha escola popular, tal qual fiz quando montei a @ongtransvest. Para além dessa questão, se algum dono de escola ou de pré-vestibular ler essa postagem e quiser me contratar, tenho todas manhãs livres para dar aula.

terça-feira, 10 de março de 2020

SUZY, DRÁUZIO VARELLA, E O ÓDIO DA EXTREMA DIREITA

Gente querida, estou muito sem tempo. Participei de uma banca, tenho que dar aula daqui a pouco e, claro, preciso preparar a aula. Mas bastante gente pediu pra que eu falasse sobre Dráuzio Varella e sua reportagem no Fantástico do penúltimo domingo.
Nem sei mais se é o assunto do momento, já que seu Jair acabou de lançar uma nova cortina de fumaça para encobrir uma enorme crise econômica mundial que, devido ao projeto neoliberal de Guedes, tem tudo pra ser pior aqui (e o pibinho de 1,1% prova isso). A última de Bolso (como diz o Silvinho, infelizmente não é a última) é que ele ganhou no primeiro turno e que as eleições foram fraudadas. Nisso concordamos! 
Claro que houve fraude. Disparos de fake news no Whatsapp pagos por empresários com Caixa 2, laranjas mil, candidatos de extrema-direita que apareciam em quarto lugar em todas as pesquisas sendo eleitos... E talvez a maior fraude de todas: não permitir que o candidato em primeiro lugar nas pesquisas concorresse. Fazer conchavo com um juiz para que esse candidato fosse condenado a toque de caixa, e depois premiar o tal juiz com um ministério e uma vaga no STF. 
Diante de todas essas fraudes, só resta uma alternativa ao TSE: anular as eleições de 2018 e convocar diretas já! Que bom que estamos falando a mesma língua, miliciano! 
Mas voltando a tratar do Dráuzio. Como estou sem tempo, vou falar sem pesquisar mesmo, bem por cima. Perdão, é o que posso fazer no momento. Eu nem vi a reportagem do Fantástico, mas sei que ela foi sobre mulheres trans presas e que ela foi cheia de empatia. Sei que o foco da matéria não estava nos crimes que elas cometeram, mas na solidão e nas dificuldades que elas enfrentam na cadeia. Sei que a parte mais comovente foi quando Dráuzio abraça uma das detentas, Suzy, que disse não receber visita há 8 anos. Sei que a reportagem teve enorme repercussão, tanto que Dráuzio foi cogitado para ser presidente do Brasil (ele não quer, e disse que temos que parar de acreditar em salvadores da pátria), e que fizeram uma campanha para que Suzy recebesse cartas. Foram mais de 230 em pouco tempo.
Nos últimos dias, e mais de uma semana depois do programa ir ao ar, a extrema-direita na internet, comandada pelo Gabinete do Ódio do seu Jair, se prontificou para atacar Dráuzio, Suzy, o Fantástico, a Globo, as pessoas trans, a "ideologia de gênero", e toda a "esquerda lacradora". Descobriram o crime que Suzy cometeu: ela estuprou e matou um menino de 9 anos em 2010, e por isso está presa há quase dez anos. Um crime hediondo, horrível, eu ia dizer indefensável (mas todos têm direito à defesa). Se eu fizesse parte da família de Suzy, também romperia contato. Se eu fosse a mãe do menino que Suzy matou, odiaria ver a assassina sendo abraçada. 
Diante dos ataques orquestrados contra Dráuzio, ele respondeu que é médico, não juiz. Ou seja, que não cabe a ele julgar, que um médico deve atender a todos, e que no segmento semanal que ele comanda, no Fantástico, segue a mesma linha de não julgar. Esta é uma atitude louvável e difícil. Eu, por exemplo, não sou capaz de não julgar. Muito menos de perdoar quem comete crimes hediondos.
Acho que a reportagem errou, sim. Qualquer pessoa que já foi entrevistada sabe o quanto de trabalho tem por trás. Existe a produção, que seleciona quem, onde, quando acontecerá a entrevista, quais perguntas serão feitas. Tem a gravação, que normalmente leva horas, dias até. E tem a edição, que transforma horas e horas de gravação em 13 minutos de reportagem (o que já é um tempão em matéria de televisão). 
Certamente a produção sabia do crime hediondo que Suzy cometeu. Dráuzio provavelmente sabia também (ele disse que não, e pediu desculpas à família da vítima). É bem possível que, durante as gravações, ele tenha abraçado outras detentas. Por que escolheram dar tanto destaque a Suzy? Certamente entre as outras havia muitas que não cometeram crimes graves. A própria reportagem mostrou que apenas 7,7% das mulheres trans presas estão lá por homicídio. A maior parte é por roubo, furto, ou tráfico de drogas. 
Então houve manipulação, sim (sempre há. E é risível ver bolsominion, o gado mais manipulável e manipulado de todos, acusar alguém de manipulação!). É quase certo que Suzy não receba visitas na cadeia por ter cometido um crime hediondo, não por ser trans (se bem que muitos homens que cometem crimes hediondos mantêm a família e recebem visitas. São as mulheres, tanto as cis quanto as trans, que são abandonadas). É bem provável que muitas das pessoas que escreveram pra Suzy ou fizeram vaquinha não teriam feito isso se soubessem o crime que ela cometeu. 
Uma das artes da direita
Eu disse alguns parágrafos acima que a direita está usando o caso pra atacar um monte de coisas. E, sinceramente, Dráuzio Varella não precisa de defesa. Ele é um grande ser humano, um modelo de médico, conhecido e amado em todo o Brasil. Seria interessante perguntar por que ele está sendo tão atacado pela turba -- foi porque foi cotado pra presidente? É por ser um ativista dos direitos humanos? Lógico que a galera do "bandido bom é bandido morto" (a menos que esses bandidos sejam amigos do presidente ou de seus filhos) odeia um médico que vai voluntariamente a prisões tratar dos presos. 
O Fantástico, a Globo, a "ideologia de gênero", a esquerda (incrível estarmos todos no mesmo barco!) -- todos conseguem se defender, estão acostumados a ataques, e vão sobreviver.
Mas e Suzy? Ela foi colocada no olho do furacão. Será que ela não corre risco de vida agora? E, pra quem diz "dane-se", não é assim. O Brasil não tem pena de morte, pelo menos não oficialmente. Suzy está presa, continuará presa, e está sendo punida pelo seu crime terrível. O que mais as pessoas que atacam Suzy querem? Bom, que pergunta ingênua! Sabemos o que querem. Querem que ela seja estuprada, torturada, morta, esquartejada, seu corpo exposto em praça pública. Isso é barbárie. 
Mais preocupante ainda do que pode acontecer a Suzy, é o ódio que o ataque à reportagem (feita, imagino, para alertar sobre a transfobia) desperta contra as pessoas trans. E essas sim precisam de defesa, porque é um dos grupos mais abandonados, marginalizados, e odiados no Brasil. A enorme maioria de pessoas trans não são bandidas, são vítimas. A expectativa de vida de uma pessoa trans no país é de 35 anos. Somos o país que mais mata pessoas trans no mundo -- o que expõe a nossa hipocrisia, já que o Brasil também é campeão em pornografia com pessoas trans. Os "cidadãos de bem" têm fetiche pelo que querem matar!
Ontem vi rapidinho um vídeo divulgado por algum político fascista. Era de um desses apresentadores de programas sensacionalistas, esses que torcem por quanto mais sangue, melhor, porque é disso que esses abutres vivem. Num momento do vídeo, o apresentador histérico grita, recusando-se a tratar Suzy como mulher trans: "Mulher trans é o cacete, esse traveco, travesti do cacete, do Satanás, do Satanás!". E emenda com um "É isso que vocês queriam fazer com a família brasileira!"
Fake news: arte da direita atribuída a
famoso cartunista de esquerda
Isso o quê, não fica claro. Mas a fala asquerosa do apresentador resume o que os fascistas vêm berrando sobre o caso. Eles querem continuar odiando pessoas trans abertamente. Se pudessem, sairiam às ruas matando essas pessoas. Eles torcem para que Bolso dê um golpe de Estado mais aparente e libere geral. Sonham com isso.
Já pra gente, resta se posicionar contra a barbárie desde já. 

sexta-feira, 28 de junho de 2019

50 ANOS DE STONEWALL! A LUTA CONTINUA

Hoje, 28 de junho, é o Dia Internacional do Orgulho LGBT! 
Mas este é um ano pra se comemorar ainda mais, já que marca meio século de Stonewall. Numa época em que a homossexualidade era considerada crime e doença, era aceitável perseguir quem não fazia parte do padrão.
No dia 28 de junho de 1969 a polícia invadiu mais uma vez o bar Stonewall Inn, na Greenwich Village, bairro boêmio de Nova York. O total desrespeito e as batidas policiais contra pessoas gays, lésbicas, trans, drag queens, travestis de baixa renda eram comuns, mas naquela madrugada o pessoal decidiu não aceitar aquilo calado. 
E lutou de volta, jogou pedras e garrafas, virou a viatura, fez barricadas, e os nove policiais corruptos e violentos tiveram que voltar ao bar pra se refugiar. Seguiram-se conflitos violentos que duraram três dias. Foi o início de uma resistência contra o fascismo, contra a intolerância, pela liberdade, pela diversidade. 
Um ano depois, para celebrar a revolta, nascia a primeira Parada do Orgulho Gay (a primeira Parada LGBT no Brasil foi só em 1997, em SP; em Fortaleza, começou dois anos depois). 
Antes de Stonewall, já existiam pequenas organizações de pessoas LGBT que lutavam por seus direitos. Mas eram grupos pequenos, clandestinos. Por isso Stonewall é visto como um marco.
Foi só em 1990 que a Organização Mundial de Saúde tirou a homossexualidade da lista internacional de doenças. 
Sabe quando a OMS deixou de classificar a transsexualidade como doença mental? No ano passado!
E tem tanta coisa que ainda precisa ser feita e que a gente nem desconfia. Por exemplo, mês passado, ao conversar com uma professora da Universidade Federal de Alagoas que passou a pesquisar transsexualidade depois de ter um filho trans, ela contou sobre as dificuldades que seu filho enfrenta para conseguir marcar consulta no ginecologista, apesar de ter útero, ovários e vagina. 
Acho até engraçado escrever "numa época em que homossexualidade era considerada crime e doença", como se esse sentimento de ódio tivesse ficado no passado. 
Para muitos obscurantistas de 2019, principalmente os religiosos, 
homossexualidade ainda é crime e doença, e Aids é uma doença divina mandada por deus para eliminá-los. Temos um governo abertamente LGBTfóbico, misógino e racista no poder. Se não houver resistência, haverá muitos retrocessos. 
O jornal O Povo, do Ceará, fez uma excelente matéria com vários nomes importantes dos movimentos LGBTQIA+ de Fortaleza e do Brasil. 
Parabéns pela luta! Mais do que nunca, a frase "a luta continua" faz todo o sentido.