Há algo de estranho em Shakespeare Apaixonado, filme que concorre a treze Oscars, no qual o jovem William sofre um bloqueio intelectual que só é dissolvido após conhecer sua musa inspiradora. Antes mesmo de exibir a atração principal, o cinema mostrou o trailer de Elizabeth, também indicado a uma penca de prêmios. Há uma certa confusão no ar. Afinal, ambas as produções falam do mesmo período, trazem figurinos parecidíssimos e contam com Joseph Fiennes e Geoffrey Rush no elenco. Ainda bem que, em 1998, não decidiram narrar a vida de Christopher Marlowe, outro conterrâneo de Elizabeth e Shakespeare, ou certamente teríamos três concorrentes a melhor filme com a mesma roupa.
Isso é um pouco de implicância, tanto que Elizabeth e Shakespeare Apaixonado têm suas diferenças. A principal é que o último-que-será-o-primeiro é uma comédia, ou pelo menos tenta ser. E bem fofa. Tem um romantismo meio água-com-açúcar, mas também um bom ritmo e ótima trilha sonora. Não dá para entender bem como estas qualidades de segundo escalão o colocam como favorito na corrida do Oscar, correndo junto com O Resgate do Soldado Ryan (que é outro sem aquele tchan a mais, e não tem nada a ver com a Carla Perez). Talvez porque seja um filme agradável de se ver, e as pessoas devem se achar mais importantes por observar algo com Shakespeare no nome.É aquele tipo de diversão sem culpa, onde enchemos a boca para dizer o que fomos assistir. Em geral, o público um pouco mais intelectualizado baixa a voz ou finge que só está levando a criançada ao cinema quando é flagrado entrando na fria de um Armaggedon ou Godzilla.
Com Shakespeare Apaixonado, isso não ocorre. Muito pelo contrário. Ainda que a comédia não seja verídica, e que retrate um Shake pop, o espectador sabe que está em outro patamar, e só isso já é motivo de festejos nesta era de vacas magras. Mas há problemas, como não se encontrar à altura do conhecimento desejado para poder saborear todas as referências feitas ao gênio. Imagino que, quanto mais a pessoa saiba sobre o grande William, mais vai se divertir com o filme. Ou não.Por exemplo, quem é John Webster? Se não se sabe que ele foi outro dramaturgo, com um fascínio pela crueldade, não vai se entender porque é divertido vê-lo dar um rato a um gato. E a produção apenas encosta de leve na rivalidade entre Shake e Marlowe. Mesmo uma sacada mais atual e hollywoodiana, como no diálogo em que o dono do teatro diz "the show must... you know" (o show deve... você sabe) e Shake interrompe com um "Go on" (continue), em uma alusão clara ao lema do show-business, não arrancou um sorrisinho sequer.
Se por um lado é bárbaro que o roteirista Tom Stoppard, autor do chato Rosencrantz e Guildenstern Estão Mortos, não subestime a platéia, por outro esta fica um pouco perdida, e acaba se concentrando apenas no subtexto da trama - a história de Shakespeare se apaixonando por uma moça comprometida, enquanto escreve Romeu e Julieta.Todo o elenco está bem, repleto de galãs como Fiennes, Ben Affleck (de Gênio Indomável), Colin Firth (de Valmont), e até Rupert Everett (de O Casamento de Meu Melhor Amigo) na ponta de Marlowe - curioso como o século 16 fôra propício em garanhões. Gwyneth Paltrow é uma gracinha, e ficaria ainda melhor se comesse alguma coisa. Apesar de ter um terço da idade de Fernanda Montenegro e metade do talento, Gwyneth é mais candidata ao Oscar que a dama de Central do Brasil. Se bem que este não é o tipo de papel que leva a estatueta. Se Dustin Hoffman não ganhou por Tootsie ou Barbra Streisand por Yentl, Gwyneth "fingindo ser homem quando todos sabem que é mulher" pode não conseguir votos suficientes para ser laureada melhor atriz.
Porém, o maior achado é Geoffrey Rush (de Shine), e as piadas mais saborosas são dele. Forte candidato a ator coadjuvante, é ele quem diz, após ouvir o final trágico de Romeu e Julieta descrito por Shakespeare, que "o público vai rolar de rir". Ele esperava uma comédia com piratas e cachorros. Outra risada vem de quando um ator com barba por fazer revela que antes ia ser um pirata, e agora virou ama de Julieta.
Vamos ver quantas das treze indicações Shakespeare Apaixonado logra beliscar. Mas é possível que a Academia fique tão confusa quanto a platéia em alguns quesitos, como figurinos, maquiagem, direção de arte e até fotografia, onde a comédia concorre diretamente com o semi-idêntico Elizabeth, e talvez as duas se anulem. Uma coisa é certa: é preciso mais que um Shakespeare no título para se produzir uma obra-prima.
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domingo, 14 de março de 1999
CRÍTICA: SHAKESPEARE APAIXONADO não é tão apaixonante
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