Ao passar sete meses viajando no sudeste asiático, a jornalista Camila Ribeiro escreveu este texto sobre prostituição.
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Enquanto no Brasil há campanha contra o assédio às mulheres nas ruas, a fim de inibir o secular fiufiu, gostosa, tesuda e daí pra baixo, na Ásia o movimento feminista é tímido, inaudível, e a relação entre os gêneros remete ao feudalismo.
A virgindade ainda é critério decisivo para um casamento. Beijar na boca em público: inaceitável. Até mesmo os filmes dão apenas a entender que haverá um beijo mais caliente, jamais mostrando o encontro dos lábios e línguas.
Liberdade sexual feminina, então... um tabu. A mulher é definida pelo papel de esposa e dona de casa. Em muitos países é preciso pagar um dote para a família do noivo, transformando a mulher literalmente num commodity, algo a ser negociado.
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Em minha viagem à Índia em 2009. tive a primeira vivência do que é uma sociedade onde a mulher é considerada raça inferior. Em todos os cantos pude reparar claramente ser uma terra de homens, onde as mulheres numa postura sempre cordial, para não dizer passiva e submissa, tinham papel pouco expressivo, e para piorar, não podiam mostrar seus corpos, sempre escondidos por trás de coloridos saris, enquanto eu, como turista, tampouco podia exibir alguns centímetros da minha carne.
Obrigada a usar lenços e roupas discretas, minha pele sofria de sudorese excessiva num calor apocalítico de 40 e poucos graus. Qualquer pedaço de ombro à mostra despertava olhares de lascívia, constrangedores e indiscretos, tolhendo completamente minha liberdade.
No sudeste asiático (Tailândia, Camboja e Vietnã), achei as coisas bem mais tranquilas. Na maioria dos lugares pude me vestir como bem entendia e os asiáticos me respeitaram. Não sofri assédio ou qualquer desconforto; pelo contrário, eles são bem discretos e mal te olham.
O que me chamou a atenção foi a quantidade de prostitutas trabalhando. Elas podem ser encontradas em qualquer lugar onde haja vida noturna. Uma asiática se divertindo num clube é inexistente, as que estão nas casas noturnas estão a trabalho, em busca de clientes.
Na Tailândia é sabido que o turismo sexual corre solto, sendo inclusive um grande atrativo para turistas dispostos a pagar por uma namorada temporária ou transa de uma noite. Como a economia do país é extremamente dependente do turismo, essa relação se faz altamente visível. Sempre há um gringo desfilando com uma local. Qualquer homem solteiro aproveitando a vida noturna, querendo ou não, se verá assediado por alguma profissional do sexo interessada em seus dólares. Elas puxam assunto, convidam para um drink, entre outras artimanhas para angariar clientes.
A mulher asiática que se expressa sexualmente na Tailândia é aquela que faz isso por dinheiro. A prostituição é uma profissão corriqueira, facilmente encontrada, mas não necessariamente aceita.
O turismo exacerbado e um governo precário ajudam a incrementar esse quadro. O turismo sexual é muitas vezes o atalho para uma vida melhor e como boa parte da população vive do turismo, por que não transformá-lo em ferramenta de lucro?
No norte da Tailândia, onde há muita pobreza e fome, as famílias estimulam de alguma forma que a mulher se engendre na prostituição, só que de maneira velada, aceitando de bom grado o dinheiro enviado mensalmente sem perguntar a origem, ou fingindo que não sabe. O dinheiro enviado contribui para a compra de bens de consumo como eletrodomésticos e outros luxos, aumentando o status da família na vila onde vive. Há estudos que apontam que no norte da Tailândia um terço das famílias vive da prostituição das filhas.
Na vida cotidiana do Camboja mulher e homem têm papéis definidos e inflexíveis, o clube do bolinha e da luluzinha. Raras vezes esses dois sexos são vistos conversando ou se divertindo. Quando estão juntos geralmente são marido e mulher.
Em Siem Riep, onde ficam os templos de Ankgor, conheci um italiano cuja namorada era cambojana. Ela me contou que vinha de uma família paupérrima, que dependia quase inteiramente de seu dinheiro, inclusive para sustentar os irmãos mais novos, que não eram poucos. Me disse também que não podia contar ao bisavô que trabalhava em bar, pois ele ficaria triste. Por fim, contou que assim que chega em casa para visitar os parentes, a família já pede dinheiro.
O italiano fez o que muitos turistas fazem, arrumam uma namorada temporária, ajudam com dinheiro quando estão lá, às vezes enviam remessas mensais. Elas, por sua vez, trocam de namorados conforme suas necessidades financeiras e a generosidade e disponibilidade do pretendente.
Mas justiça seja feita, a grande clientela das prostitutas na Ásia não são os turistas, e sim os próprios asiáticos. A diferença é que o turista paga melhor, bem melhor.
Em breve publicarei a segunda parte do texto da Camila, em que ela descreve o tráfico de escravas do sexo.