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sábado, 20 de abril de 2019

APRENDER A LUTAR COM OS ÍNDIOS

Belo poema-manifesto do indígena Denilson Baniwa (clique para ampliar)

O índio de 2019 não é mais o índio de 1500 há séculos. Então por que ainda falamos dele como se fosse? (e como se fosse um só, se existem mais de 300 etnias?).
É importante falar do índio, ouvir o índio, ainda mais agora, que eles estão sob ataque direto do governo fascista. Eles estão na linha de frente do neocolonialismo em pleno século 21. Índio é exemplo de resistência.
Recomendo a entrevista de Sabrina Fernandes com Sonia Guajajara, que foi candidata à vice-presidenta pelo Psol em 2018. Para aprender a lutar. 

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

ARRUMEM UM CONSENSO AÍ

Tantas vezes vem um pessoal dizer que devemos debater com trolls da internet, que um debate feminista tem que ouvir "o outro lado" (dos misóginos?). Eu sempre pergunto: "Num evento do movimento negro, devem chamar a Ku Klux Klan?"
Só diz "tem que ouvir o outro lado" (da intolerância, do ódio) quem não conhece o outro lado. 

terça-feira, 21 de junho de 2016

GUEST POST: AS MULHERES SEM ESCOLHAS DA COMUNIDADE

Domingo, no Twitter, uma leitora me enviou alguns tuítes sobre a objetificação das mulheres nas comunidades do Rio.
Pedi para que ela desenvolvesse suas ideias num texto. Deixo aqui com vocês o guest post de Fatima Lima, que é bastante polêmico mas faz pensar.

Divido com vocês, com humildade e sem intenção de menosprezar, julgar ou diminuir ninguém, e na esperança de que o debate possa contribuir para uma vida menos dura para todas as mulheres, algumas observações que fiz sobre a questão do feminismo no que diz respeito à violência contra a mulher e a cultura de submissão, sobretudo nas periferias e comunidades onde o Estado não chega.
O estupro é proibido. Porém, fora o estupro, a lei nas comunidades repete o que diz o ditado: briga de marido e mulher, ninguém mete a colher. As relações de poder são absolutamente desfavoráveis às mulheres, e há vários fatores envolvidos nisso.
A falta de estrutura financeira e familiar destrói o ânimo de lutar. São preocupações de ordem de sobrevivência: pagar aluguel, comer, vestir-se, preocupações básicas que preenchem a cabeça das mulheres desde muito cedo lhes subtraindo a esperança.
Na prática, o Estado não proporciona o acesso à educação e aos direitos básicos, que são garantias constitucionais. Então, de cara, temos um número muito alto de mulheres desinformadas de seus direitos. Outra parcela conhece seus direitos mas, ao lutar por eles, é ignorada e negligenciada pelas autoridades e às vezes, não poucas, pela família e vizinhos também.
As autoridades parecem não se compadecer quando a mulher está em grau crítico de vulnerabilidade. Ou seja, se é "favelada", o discurso dela já perde credibilidade. Se ela também for negra, se expressar com dificuldade, estar "desarrumada", de chinelos, é ignorada. Suas denúncias, quando acontecem, se perdem num mar de: volte pra casa e se entenda com seu marido, ele só estava nervoso, já se arrependeu.
As meninas crescem por aqui ajudando as mães na casa, na rua com trabalhos diversos e cuidando dos irmãos. À escola vão, se der. Quase nunca dá.
A gravidez não tarda, assim como uma vida inteira de submissão e desprezo, em casa e na sociedade.
Poucas famílias têm um pai presente, pai no sentido amplo da palavra, não apenas o que gera ou o que apenas suga o que a família produz, pois outro grande problema que a ausência do Estado traz é a dependência química, pesadelo de muitos lares.
A falta de educação gera uma cultura machista e de culto à violência. Ora, se a violência é cultuada, aceita e incentivada, por que haveríamos de nos preocupar com a violência contra a mulher? O que esperar? Estamos aqui, pobres, também, de argumentos!
Como argumentar se não fui apresentada às opções da vida, ou melhor dizendo, se as opções de uma vida melhor não me foram apresentadas? Ignora-se a perspectiva de uma vida diferente da que ali se apresenta.
Além do mais, ainda que haja uma consciência, como colocar em prática nossos anseios diante de tamanho caos? Não há sonho que resista!
Sou lésbica, de trejeitos masculinos e, ainda por cima, feminista.
Para o senso comum por aqui, assim como por aí, o que me falta é homem. Tem coisas que não mudam, independente do povo ser letrado ou não. Às vezes parece que até pioram. 
Estava eu com uma amiga, em sua casa, tarde da noite, em uma varandinha discreta que dá visão pra ladeira, e havia um casal na rua brigando. Minha amiga, antecipando-se ao meu questionamento, logo informou: "Não invente de se meter! É bandido e não se pode falar nada, se falar, apanha você e ela". E continuou: "Elas apanham e depois voltam. Mesmo com a cara toda arrebentada, continua do lado dele".
Eu pensei bem mais tarde, naquela madrugada: mas o que ela poderia fazer? Ir pra onde? Só conhece essas ladeiras! Nunca sai da comunidade e, quando sai, vai pra outra comunidade. Todos que ela se relaciona se relacionam com ele. Aqui ninguém liga, ao contrário, aplaude se quem apanha é mulher de bandido. A escolha foi dela! Ela que se vire. Não quero problema pro meu lado! Se ela estava apanhando, mereceu!
Triste.
Ela levou muito na cara. Puxões de cabelo e depois foi arrastada morro acima! Nenhum barulho na rua, na ladeira.
A ladeira silencia! A ladeira é conivente! Covarde. Mesmo que ela quisesse, jamais poderia denunciar! Assim como eu e minha amiga não pudemos denunciar por ela.
Outro ponto que queria falar: a apologia à objetificação da mulher, expressada nas inúmeras letras dos funks proibidões, é aceita, divulgada e enaltecida pelas próprias mulheres das comunidades e -- aqui eu fico chocada -- nos "Bailes de Favela" da Zona Sul da elite branca carioca.
A primeira vontade que dá e pega-las pelo  braço e dizer: mulher, ele está dizendo que vai te comer, te lanchar na madrugada e depois te largar, te xingar e te difamar. Não te amará jamais! Pare de rir e rebolar com essa música agora!
Aí, você reflete e não sabe mais por onde começar. Quem escreveu a letra? Quem pula, canta e dança? Eu já dancei isso? Ela que escolheu essa vida? Ela teve escolha? Existem escolhas? 
Como podem elas permitirem tanto desprezo? Qual o papel do Estado? Como elas entoam aquelas letras com tanto orgulho de sua própria humilhação e redução a uma coisa?
Ficam as perguntas. Aqui, o funk seguiu até às quatro. Um verdadeiro Kama Sutra! Só que com desprezo e deboche pelas mulheres. Tesão nenhum!

quarta-feira, 8 de junho de 2016

PELO FIM DA TRANSFOBIA EM TODOS OS FEMINISMOS

Fiquei sabendo dessa história no sábado, quando um leitor me enviou uma nota que havia sido publicada no Extra, do Rio.
Clique para
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(segunda parte
da nota
abaixo)
Daniela Andrade, uma importante transfeminista, criticou Eloisa Samy, chamando-a de transfóbica. Eloisa respondeu sendo transfóbica, tratando Daniela por "Danielo". Eloisa é feminista radical e no final do mês estava na mira de inúmeros reaças por ter sido advogada da jovem estuprada por 33 homens no Rio.
Talvez Daniela não tenha escolhido a melhor hora para criticar Eloisa. Afinal, quando uma feminista está nos holofotes sendo alvejada por misóginos, tudo que ela não precisa é de "fogo amigo". Mas sabemos que a briga entre transativistas e radfems (feministas radicais) é antiga e lamentavelmente importada dos EUA. Pensei que isso tinha passado ou pelo menos diminuído, mas eu é que não estou no Facebook e portando não fico sabendo das coisas (ainda bem).
Eu já me posicionei diversas vezes: não pertenço à nenhuma corrente específica do feminismo, sou apenas feminista e isso já me basta. Só que não entendo como é possível ser feminista e ter orgulho de oprimir. E transfobia é uma opressão. Qualquer tipo de opressão não combina com feminismo, a meu ver. Será que já não passou da hora de tantas radfems abandonarem a bandeira da transfobia? Precisa disso? Que tal deixar a transfobia só pros reaças e pra bancada religiosa?
Recebi este email, que publico abaixo (junto a alguns prints enviados pela leitora), da Lia, mulher negra cis e bissexual, "sem sobrenomes porque tenho muito medo das radfems! Aliás, você sabe que vai ser perseguida por elas assim que postar o texto, não é?"
Eu sei, Lia. Já estou bastante acostumada, embora eu tenha um pouco de dificuldade de entender feministas que atacam outras feministas. 

Oi Lola, tudo bem?
Como fã de longa data do seu blog, gostaria de pedir apoio para uma ativista transfeminista chamada Daniela Andrade. Não conheço Daniela, tampouco ela sabe da minha existência, não participo de nenhum coletivo, e muito me incomodam as agressões que vem sofrendo. Daniela é alvo constante de ataques transfóbicos na internet, que se intensificaram com os últimos acontecimentos.
Daniela apontou transfobia em posts públicos ofensivos publicados na página da ativista feminista radical filiada ao PSOL Eloisa Samy. Um dos posts iniciava com algo como “Respeito a identidade de gênero de todas as pessoas, em especial das pessoas trans, mas" seguida de uma série de transfobias, como de que mulher trans não é mulher e sim um fetiche! Mais uma variante do “Não sou preconceituoso, mas...”.

Ao saber das críticas, Eloisa fez outro post público, referindo-se à Daniela no masculino, desrespeitando a sua identidade de gênero. O PSOL-RJ, partido de Jean Wyllys, que propôs a Lei de Identidade de Gênero João W Nery, e de Luciana Genro, que na última campanha presidencial defendeu o combate à transfobia em rede nacional, foi pressionado e soltou uma nota dizendo que a ativista não fala pelo partido. Os ataques então aumentaram, bem como os comentários transfóbicos na nota publicada pelo PSOL.

A polêmica ficou ainda maior devido ao fato desta ativista feminista radical estar advogando em defesa da adolescente que foi estuprada por 33 homens no último dia 25. Tentando inutilmente apaziguar os ânimos, o  Setorial  de Mulheres do PSOL  soltou outra nota, afirmando que “nenhuma mulher merece ser exposta publicamente, nas redes e nos movimentos” e, portanto, discordando da nota publicada pelo PSOL-RJ.
A crítica inicial de Daniela
Erro comum: confundir radfems
transfóbicas com conservadorxs
cristãos
Na opinião de muitas, Daniela “pecou” ao criticar Eloísa em um momento “tão delicado”. Para outras, Eloísa foi até transfóbica, mas o fato de estar fazendo um bom trabalho em defesa das mulheres (cis, diga-se de passagem) deveria ser um motivo para deixarmos para lá e fingirmos que nada aconteceu. Quando alguém faz um trabalho muito bom, mas mesmo assim, é machista/ racista/ homofóbico, sempre denunciamos. Por que com transfobia seria diferente?
Transfobia não é mais aceitável
em nome do feminismo
Eu aprendi com o feminismo que por nada nesse mundo devemos aguentar preconceito caladas e me entristeceu profundamente descobrir que para muitas feministas, Daniela deveria ter ficado calada. Me espanta ainda que, para muitas, o que aconteceu tenha sido apenas “desrespeito ao pronome”/ “divergência teórica”/ “discordância na visão de gênero”, e que isto não se configura como opressão. 
Um de muitos comentários transfóbicos de radfems em páginas no FB
Ainda mais no Brasil, país que concentra quase metade de todos os assassinatos de pessoas trans, onde a população T é extremamente estigmatizada e marginalizada. Como feministas, sabemos muito bem o poder que palavras e expressões possuem para oprimir, machucar e ferir. Não existe hora errada para denunciar preconceito e opressão!
Solidariedade à Daniela Andrade!

sexta-feira, 17 de julho de 2015

DOR NÃO TEM HIERARQUIA

Marcia Baratto deixou um lúcido comentário no post sobre a briga entre radfems e transativistas:

Segregar é uma clássica estratégia mascu para dizer que mulheres, ora bolas, exatamente por que têm vagina, são inferiores aos homens. Rads, ainda bem, não dizem nada disso, mas usam do argumento que é construído sobre a mesma categoria: biologia, para diferenciar mulher cis de mulher trans. Então para muitas feministas, aí eu me incluo, definir mulher (que é também gênero, construção social) por uma característica biológica é abraçar com carinho nossos inimigos. Não funciona para mim. 
Sobre socialização, sequer acho que há uma única construção social sobre o que é ser mulher, mas certamente, ser delicada, usar maquiagem, ser carinhosa, cuidar das pessoas, é uma das construções mais usuais, pelo menos para o imaginário de muitas escritoras feministas, geralmente todas de classe média ou classe alta. Que radicais queiram apontar como essa construção de uma figura de mulher dócil é também a contraparte obrigatória da figura de mulher submissa, acho ótimo. 
Só que acontece que a figura da mulher submissa também é construída de outras formas, que passam longe da imagem da mulher dócil, aquela que usa maquiagem, tem como único trabalho óbvio cuidar dos outros/família, e deve ser linda e cordial acima de qualquer coisa. 
Daí que eu não vejo muito sentido em acusar mulheres trans por quererem seguir esse estereótipo, por que ele não determina (pelo menos, na minha opinião) a estrutura de opressão sobre mulheres. 
Mulheres agricultoras e operárias, por exemplo, têm historicamente no brasil sua figura de mulher projetada de forma complemente diferente: não se vestem bem, ou usam as mesmas vestimentas que homens (especialmente as mais pobres), não usam maquiagem, não devem chorar, precisam ser fortes o tempo todo, cumprem a dupla jornada de trabalho. A figura da mulher submissa aí é construída em outros termos, e a opressão específica de ser mulher, foge às relações da vida privada que são tão fortes para parte da crítica feminista dita radical. 
Meu problema com a vertente radical, então, é tornar política apenas a primeira construção da mulher submissa e não saber lidar muito bem com as outras figuras. 
E aí tem outra similaridade com o discurso mascu que me é assustadora: reduzir tudo a uma única imagem, com pouca tolerância para a diversidade. Eu presenciei feministas radicais brancas dizerem a uma trans negra que ela não tinha o direito de falar sobre racismo. Se uma negra não tem o direito de falar sobre racismo, então quem tem? E, dessa forma, agem segregando não apenas biologicamente, mas racialmente, mulheres de homens. 
Por outro lado, entendo totalmente a questão do silenciamento que muitos espaços radicais sofrem não por segregarem trans, mas por terem uma pauta específica de atuação. Não tem jeito, temas com menstruação, aborto, parto, estão indissociavelmente ligados à característica biológica de ser fêmea, então precisam sim ser tratados por quem vivencia esses fenômenos. 
No fundo vejo essa questão como parte da nossa falta de maturidade em lidar com muitas dores, mas acho que haver espaços específicos para debates da pauta trans e rad em eventos feministas poderia começar a abrandar essas polêmicas, que não passam de uma disputa para dizer quem sofre mais. Gente, dor não tem hierarquia, quem sente, sente.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

"SE LIBERARMOS A SEXUALIDADE MASCULINA, A GUERRA CONTRA AS MULHERES PODE ACABAR"

Eu pedi pra linda e querida Elis traduzir um texto polêmico de Margaret Corvid publicado no New Statesman:

Como dominatrix, os homens vêm até mim para explorar uma sexualidade que é proibida socialmente. Enquanto o patriarcado perdurar, eles nunca serão livres para explorar quem são, ou para tratar as mulheres da forma como elas devem ser tratadas.
Quando me tornei dominatrix profissional após fazer parte da cena kink por anos, esperava que meu trabalho envolvesse muitas palmadas, chicotadas e bondage. E, para minha alegria, ele envolve. Mas na maioria das minhas sessões, eu crio um espaço no qual os homens podem explorar áreas de suas vidas sexuais que a sociedade considera que não são masculinas. Eles vêm até mim para serem penetrados, para serem usados, para servirem, serem submissos, adorar e serem dominados. Um cliente pode ter um ou todos dentre uma incrível gama de fetiches, mas na maioria das vezes eles vêm a mim para experimentar algo que está bem longe da estreita definição que a sociedade tem do que é ser um homem.
Quando um homem entra em meu quarto secreto, ele entra em outro mundo, onde tabus, regras e expectativas do mundo exterior são removidos ou alterados de modo a proporcionar nosso prazer mútuo. Ver a expressão de um homem quando ele percebe isso e é libertado da tensão de esconder suas fantasias alternativas -– observá-lo quando ele finalmente se sente compreendido -– é uma das maiores realizações da minha vida. Mas nosso mundo compartilhado acaba na minha porta. Quando eu falo para um homem tirar a roupa, também estou removendo dele o peso das expectativas sociais. E quando nosso tempo juntos termina, ele veste as roupas, peça por peça, e coloca o peso nos ombros novamente.
Os homens também me procuram porque eu busco, encontro e guardo seus segredos. Eu sou curiosa e falante, e enquanto o homem se veste, às vezes eu lhe pergunto o que o trouxe à minha porta. Cada resposta é diferente. Alguns, é claro, são casados e estão em busca de algo que suas esposas não podem ou não querem fazer. Alguns são viciados em adrenalina. Muitos homens são muito tímidos ou desajeitados, ou simplesmente muito ocupados para encontrarem uma parceira, especialmente uma que compartilhe o interesse pelo sexo menos convencional. Mas quase todos eles dizem que sua preferência pelo kinky -– ou qualquer preferência considerada diferente -– é algo que precisam esconder de todo mundo que conhecem.
É exatamente por esse motivo que o meu trabalho existe. Há um mercado para os meus serviços confidenciais porque, se um homem se afasta publicamente das fronteiras do que é permitido pela sociedade, ele deixa de ser visto como homem. Os clientes não buscam somente prazer sexual com uma profissional do sexo, eles buscam também a oportunidade de explorar uma sexualidade que é proibida socialmente. Se um homem quer ser penetrado, ou estar vulnerável, ou servir e ser controlado por uma parceira dominante, ou se expressa traços que a sociedade caracteriza como femininos, ele é isolado e hostilizado. A mulher ideal que ele aprende a buscar durante sua socialização parece ser um sonho impossível e, às vezes, alheio a ele. Assim, ele sublima, compartimenta e esconde sua sexualidade. E vem me procurar.
Para mim, a chance de compartilhar este mundo secreto com um homem é um prazer. Para ele, a necessidade de esconder seus desejos sexuais mais íntimos de todos, exceto por mim, é parte de um fardo terrível. À medida em que o feminismo expôs, corretamente, a subjugação sistemática das mulheres em todos os setores da comunidade, e em que "privilégio masculino" se tornou uma expressão digna de atenção no mundo inteiro, nós percebemos também como o patriarcado define e limita a vida dos homens. 
Espera-se que o homem seja o responsável pelo ganha-pão, com um trabalho estável, ganhando o suficiente para sustentar uma família e vivendo um ideal de mobilidade social ascendente que já não existe de verdade para a maioria das pessoas. Espera-se que ele se apresente de maneira masculina em termos de aparência, gosto e hábitos. Espera-se que seja autoconfiante, extrovertido e sociável, e que saiba lutar. Em sua socialização, o homem aprende a desejar um tipo específico de mulher; casar, ter filhos e dar a eles um estilo de vida e oportunidades melhores do que as que ele mesmo teve. Espera-se que ele seja totalmente heterossexual e completamente monogâmico. 
E, embora a sociedade lhes confira muito mais liberdade sexual do que às mulheres, espera-se que os homens sejam viris, ativos sexualmente e tenham gostos simples. É permitido que ele penetre, mas não que seja penetrado; que ele controle, mas não que seja controlado; que ele aprecie a graça, sensualidade e apelo sexual de uma mulher, mas nunca que ele expresse esses traços.
De algumas formas, a sociedade atual exige dos homens os mesmos padrões que eram esperados nos anos 1950, mas os homens de hoje têm muito menos probabilidade de conquistar a segurança e a estabilidade daquela época. A globalização eliminou a maioria dos trabalhos bem pagos que não requerem formação avançada. O enfraquecimento dos sindicatos, a austeridade permanente e os avanços das mulheres no local de trabalho tornaram o modelo de família nuclear insustentável para homens e mulheres.
E os homens são, é claro, criados com um enorme e integral senso de superioridade masculina, que é reforçado constantemente, mas tem sido cada vez mais desafiado conforme as mulheres conquistam direitos. Nessa situação, muitos homens começaram a ter sentimentos profundos de confusão e ansiedade. E para alguns desses homens, a ansiedade se transformou em raiva.
[Pedi para Elis pular trechos em que a autora fala dessa raiva masculina, citando um excelente livro de Michael Kimmel e o masculinismo, temas que já abordei muito no blog].
Muito foi escrito sobre o ano passado ter sido um festival de feminismo, no qual as feministas levaram os direitos e perspectivas das mulheres ao cenário político mais amplo. Críticos do movimento pelos direitos dos homens frequentemente observam que há muitas questões preocupantes para os homens, como mortes no trabalho ou em guerras, que o movimento ignora, para atacar repetidamente o feminismo e as mulheres. Se o ódio deles ao feminismo for alimentado por uma frustração sexual, isso faz sentido. Eles são um movimento de radicais. Assim como seus pares, são bem recebidos pelas elites como uma distração para as causas verdadeiras da alienação masculina.
Como feministas nós colocamos, legitimamente, os interesses das mulheres em primeiro lugar, e ficamos céticas diante de argumentos ostensivamente feministas que apelam para os interesses masculinos. A solidariedade, e não o interesse próprio, deveria motivar as pessoas privilegiadas a lutarem por mudanças. Para fazer uma analogia, seria ofensivo e equivocado pedir que os líderes negros do movimento de Ferguson contra a violência policial ensinassem os benefícios da luta contra o racismo a pessoas brancas. 
Da mesma forma, feministas não devem se sentir impelidas a vender o feminismo a homens raivosos. Mas eu faria outra analogia: quando combatemos o fascismo, nos convém oferecer uma alternativa às pessoas que os fascistas recrutariam. Talvez não consigamos apelar para os misóginos mais cheios de ódio, mas as feministas devem atacar diretamente a falsa ideologia por trás dos "direitos dos homens". Devemos oferecer uma resposta real para os homens consumidos pela ansiedade, especialmente aqueles que têm um sentimento de frustração sexual.
Hoje, o feminismo está mergulhado em um inflamado debate sobre gênero e sexualidade. Feministas intersecionais adotaram os movimentos trans, dos profissionais do sexo e em favor da liberação sexual, diferente das defensoras de uma tradição feminista radical mais antiga, que os excluiria. Eu me encontro firmemente no campo intersecional. Quando comecei a trabalhar com sexo, eu sentia muita vergonha moralista, mas as feministas intersecionais me ensinaram a ter orgulho do meu trabalho e da minha identidade. 
Quer sejamos acompanhantes ou advogadas, as mulheres percebem que exige-se de nós que forneçamos serviços íntimos, para o corpo e a mente. Enquanto o feminismo radical me chamaria de traidora do meu gênero por atender às necessidades masculinas, o feminismo intersecional enfatizaria o que as profissionais do sexo têm em comum com todas as trabalhadoras do mundo: uma complexa estrutura de coerções e consentimentos entrelaçados.
Aprender sobre o feminismo intersecional mudou minha vida e me trouxe de volta para a política. E fez o mesmo para milhares de outros excluídxs em termos de gênero e sexo, que se sentiam alheios à identidade feminista, e nós devemos apoiá-lo pelo seu próprio mérito.  Mas devemos também acabar com o debate entre moralistas e libertinos em nossas fileiras por um motivo estratégico essencial. Se as feministas não abandonarem seu moralismo, os ativistas pelos direitos dos homens e seu crescente séquito de partidários continuará pintando todas nós com a mesma cor. 
Eles continuarão distorcendo nossos pontos de vista, dizendo que somos moralistas e canalizando a frustração dos homens para seus fins odiosos. E, para milhões de meninos que estão crescendo, a misoginia continuará fazendo mais sentido que o feminismo.
[A autora cita um trecho do revolucionário livro de Betty Friedan, A Mística Feminina].
É o feminismo que oferece aos homens a chance de viver uma vida sexual satisfatória. Quando a cultura do estupro for extinta, quando o patriarcado ceder, todos os gêneros poderão realizar completamente sua expressão sexual com segurança. Mesmo agora, o que o feminismo pede aos homens -– que eles tenham consciência de seu privilégio e respeitem as ações femininas -– pode levá-los a relações íntimas verdadeiramente satisfatórias. 
Uma das grandes tragédias do movimento pelos "direitos dos homens" é que, no final, suas lições servem apenas para afastar os homens ainda mais daquilo que eles buscam. Técnicas de PUA (pick up artists) e um senso reforçado de entitlement (sentimento de merecimento) provavelmente não ajudarão os homens a conquistar o objetivo da intimidade, mas os valores feministas podem ensinar-lhes as habilidades necessárias para se comunicarem com respeito.
E em um nível mais profundo, a compreensão mais ampla das causas reais da ansiedade masculina pode oferecer esperança a homens que se sentem destituídos, bem como o conforto de saber que a culpa não é deles. Mas não podemos deixar este argumento claro para os homens até que deixemos para trás as reminiscências arcaicas do moralismo que existem no nosso feminismo.
Nosso feminismo deve adotar completamente a causa da liberdade sexual para todos os gêneros, e difundi-la amplamente. Deve haver espaço para pessoas trans, para libertinos sexuais, para adeptos da cena kink, para profissionais do sexo e para homens que, como meus clientes, querem redefinir o que significa ser homem. 
Para os homens, um feminismo verdadeiro oferece liberação e satisfação sexual, exatamente pelo processo de chegar a uma compreensão mais ampla de seus privilégios e fardos sob o patriarcado. E as feministas precisam difundir isso, porque a liberação da sexualidade masculina irá minar um dos principais alicerces do patriarcado. Somente então o feminismo poderá tratar da ansiedade masculina e, em vez de transformá-la em raiva, transformá-la em solidariedade e esperança.