Mostrando postagens com marcador precisamos falar sobre o kevin we need to talk about kevin. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador precisamos falar sobre o kevin we need to talk about kevin. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 10 de junho de 2013

MAMÃE NÃO AMA KEVIN

Assim que vi Precisamos Falar Sobre Kevin, há mais de um ano, fiquei louca pra ler o romance de 2003 de Lionel Shriver, em que o filme foi inspirado. Até hoje este é um dos meus posts sobre cinema mais comentados e visitados, prova de que a história definitivamente mexe com o pessoal.
E qual é a história? Em linhas gerais, é a de mulher, Eva (brilhantemente interpretada por Tilda Swinton), que não quer ser mãe, mas, após a insistência do marido, acaba gerando um pequeno monstrinho, o Kevin do título (veja traileraqui também). Kevin é um bebê complicado desde o comecinho, e ele vai crescendo até se tornar um desses adolescentes que cometem massacres nas escolas americanas. 
O filme de Lynne Ramsay tem todo um clima especial que só revela o que acontece pouco a pouco. É totalmente envolvente e perturbador. Revi o filme depois de ler o livro, e não tem jeito não: prefiro o filme. Não que não tenha gostado do livro, que é narrado em primeira pessoa por Eva através de cartas apaixonadas e críticas para seu marido. Mas, de algum jeito, achei que o livro foi perdendo o gás da metade pra frente. Não sei explicar, e não sei se você teve a mesma impressão. Talvez pelo livro ser mais difuso, e o filme se focar mais em reações, pra mim o filme me fisgou mais.
Por exemplo, o livro é muito crítico aos EUA, se bem que também é crítico a quem critica os EUA (no caso, a protagonista e narradora, Eva, que é americana com ascendência armênica). Algumas partes da narrativa levam muito tempo para se desenvolver e poderiam ter ficado de fora. E, de fato, ficam de fora do filme, uma decisão inteligente.
Estou pensando na parte em que Kevin e seu amigo nada esperto jogam pedras do alto de uma passarela, atingindo os carros que passam embaixo. A acusação de abuso sexual a uma professora também não acrescenta grande coisa. São pedaços um tantos desnecessários, porque a gente já acredita que Kevin tem problemas. E a gente sabe que Eva sabe disso. E que seu marido é um boçal que não vê nada de errado no filhinho querido.

Ontem mesmo estava lendo o excelente livro de Gavin de Becker, O Dom do Medo (ou As Virtudes do Medo, dependendo da tradução -- prometo que falarei mais dele em breve). Num trecho ele trata sobre o que faz alguém se tornar um serial killer (minha tradução muito capenga, que desconhece termos técnicos):

“Algo que prevê criminalidade violenta é violência na infância. Por exemplo, a pesquisa de Ressler [Robert Ressler, cientista comportamental do FBI, e inventor do termo serial killer] confirmou uma estatística incrivelmente consistente sobre serial killers: 100% foram abusados quando crianças, seja com violência, negligência, ou humilhação. […] Não quero incriminar todos os pais que criam crianças violentas, porque há casos em que atos horríveis são cometidos por pessoas com desordens mentais orgânicas, aquelas que a Associação Nacional de Doenças Mentais chama de 'doenças sem culpa' [no-fault illnesses] (também é verdade que muitas pessoas com doenças mentais foram abusadas quando crianças). 
Pré-disposição genética pode também ter seu papel na violência, mas seja lá qual baralho é dado a uma família, os pais têm no mínimo o que Daniel Goleman, autor de Inteligência Emocional, chama de 'janela de oportunidade'. Esta janela foi trancada durante a infância da maior parte das pessoas violentas. Para entender quem essas crianças maltratadas se tornam, devemos começar onde elas começaram: como pessoas normais”.

Não sei até que ponto dá pra aplicar isso que diz Becker em Precisamos Falar sobre Kevin. Primeiro porque Kevin não parece ser uma pessoa regular desde o berço. E depois que muita gente pode ver o que Eva faz com Kevin como abuso de alguma forma. Por outro lado, se a gente acredita na narradora, parece que Kevin tem pré-disposição genética pra violência e pra falta de empatia.
Esta dúvida sobre a causa da psicopatia de Kevin é uma das discussões fascinantes que acompanham quem vê ou lê Precisamos Falar. Mas tem uma coisa em que o livro é muito mais interessante que o filme: na questão da maternidade. Eu fiquei tão revoltada enquanto lia que parei pra escrever isto:
Minha raiva vai aumentando enquanto leio Precisamos Falar sobre Kevin. Não gosto de Eva, a mãe e narradora. Certamente não gosto de Kevin. Ok, sei que ele vai virar um assassino em massa, mas eu já não gosto dele quando ele tem sete semanas de vida. É errado isso? E pior, quem eu gosto menos de todos é o pai, Franklin. E sei que devo ficar indignada com uma sociedade que condena o pai que fica em casa cuidando do bebê, ao mesmo tempo em que condena a mãe que trabalha fora em vez de cuidar do bebê (quantas vezes você já não ouviu que o problema da sociedade moderna é que as crianças não têm mães que as criam, porque essas megeras insistem em ter um trabalho remunerado?!). 
Mas no momento estou revoltada com o pai. E com Eva, por aceitar tudo tão passivamente. Senão, vejamos: ela não queria realmente ser mãe. Amava seu marido e estava feliz com a vida que tinha. Aceitou ser mãe pra alegrar o esposo. Aí o nenê nasce e meio que instantaneamente não gosta dela, e ela percebe que a maternidade, além de ser algo que ela não queria, não é prazeroso, pelo menos pra ela, e que amar o filho não é instintivo, que você tem que se apaixonar por ele. 
O bebê não para de chorar quando está perto dela. Horas e horas seguidas de berros, como se ele não suportasse sua presença. Ela, que tem uma empresa bem sucedida de guias de viagem, dá um tempo em seu trabalho pra cuidar do filho. O marido, que ganha muito menos que ela e é free lance (e de quem o bebê parece gostar muito mais), em nenhum momento pensa em largar a sua carreira. Pelo contrário: ele decide que, pelo bem do filho, a família deve vender o apartamento (que é de Eva) em Nova York e se mudar para o interior. E pronto, fim da discussão, porque o pai é um marido machista que nunca aceitaria ser sustentado pela esposa. E então Eva tem que largar o trabalho e qualquer chance de felicidade pra se adequar a um papel de mãe -– um papel que ela nunca quis. 
Ah, vá! Sabe o que eu faria? Sinceramente? Diria: então tá, querido, você se muda com Kevin pro subúrbio. Eu fico aqui trabalhando e visito vocês todo final de semana. Não quer? Então sinto muito, mas vamos nos separar. Você fica com o Kevin.
Desculpa. Pareço cruel e insensível? Acho que não. Franklin se realiza com a paternidade, ou com a parte da paternidade que envolve não ter que abrir mão de toda a sua vida para cuidar de um bebê que não para de chorar. Eva não se realiza com a maternidade, ou ao menos com a maternidade em tempo integral. Quem disse que ela deve abdicar de seus sonhos para levar adiante um projeto de vida que não é o dela? 
Certo, que pergunta ingênua! Sei quem disse: a sociedade. Todo mundo –- igreja, escola, mídia, toda essa instituição chamada família. Ao mesmo tempo em que a sociedade jura que uma mulher se realizará na maternidade, ela se esquiva de qualquer amparo social a essa mulher e à criança.
A partir do momento em que Eva é mãe, ela não tem mais saída -– será a única a ser criticada por qualquer coisa que seu filho fizer. 

segunda-feira, 30 de abril de 2012

CRÍTICA: PRECISAMOS FALAR SOBRE KEVIN / É a mãe

Nunca fomos tão felizes.
 
Nossa, vi Precisamos Falar Sobre o Kevin, e ele me derrubou. Achei perturbador. Fiquei grudada na cama, muito assustada e confusa, como se estivesse vendo um filme de terror. Enquanto procuro entender como a Tilda Swinton não foi indicada ao Oscar de melhor atriz, fico pensando em como estou com vontade de ler o romance de 2003 de Lionel Shriver, que inspirou o filme de Lynne Ramsay (uma diretora mulher, aleluia!).
O drama segue a perspectiva de uma mãe (Tilda) que tem um filho problemático. A trama é contada em uma série de flashbacks. Quando que a gente percebe que alguma coisa vai dar muito, muito errado? Tipo: antes da menina nascer, aliás, antes do Kevin nascer, vemos que a loirinha já tá usando um tapa-olho. Portanto, no momento em que Kevin e irmã começam a habitar o mesmo tempo e espaço, a gente sabe que ela vai perder um olho. Pensei que seria com o aspirador de pó. Daí pensei que seria com uma flechada. Mas acho que ficamos sabendo mesmo que o babado é forte quando vizinhas passam, do nada, a agredir Eva.
E logo que a gente nota que o menino não é boa pessoa, a gente (ou pelo menos eu) torce pra que, pelamor, ninguém invente de ter um bichinho de estimação em casa. Porque todo mundo sabe que existe uma grande atração de serial killers por animais. Aí, quando aparece um porquinho da índia, ou um hamster, ou sei lá que bichinho peludo e fofudo é aquele, a gente até fica surpresa que ele sobrevive cinco minutos naquele campo minado.
Só pra variar, praticamente todas as opiniões que ouvi sobre a história colocam a culpa por ter um filho psicopata na mãe. A julgar por essas pessoas, sempre tão ligeiras em responsabilizar as mães, parece que os filhos moram numa ilha deserta só com suas progenitoras. Kevin tem pai também, pelo que eu pude notar. E é um pai que sempre lhe dá razão e que justifica seu comportamento. Pior: é o pai que lhe dá um arco e flecha e o ensina a usá-lo. Fica o aviso: se você desconfiar de qualquer impulso agressivo do seu filho, não o presenteie com armas letais. Obrigada.
Mas também não entendo porque todo mundo culpa tanto os pais, sempre. E, claro, principalmente as mães. Num filme que eu adoro, A Outra História Americana (American History X), o fillho mais velho, interpretado por Edward Norton, torna-se um neonazista, e seu irmão mais novo também, mais pela influência do Edward. Mas quem influencia Edward? Ninguém na casa dele é neonazi. Os pais são carinhosos com os filhos. Há uma cena em que o pai, no meio da mesa de jantar, diz alguma coisa racista. Mas pô, se cada filho que ouvisse seu pai dizer algo racista tatuasse uma suástica no peito, estaríamos bem pior do que estamos agora. No entanto, a gente responsabiliza os pais pelas atrocidades que seus filhos cometem.
Eu acredito que psicopatas existam e que sejam incuráveis. Acho que pode faltar um pedaço do cérebro que possibilite a empatia. E que, por mais que a criança tenha pais legais, essa falta de empatia pode causar algum estrago cedo ou tarde. Mas também acredito que psicopatas possam ser criados pelo meio ambiente. Uma criança que é sistematicamente abusada e torturada pelos pais têm grandes chances de querer repetir o comportamento já na adolescência. Mas assim, eu sou contra a pena de morte. Por mais que algumas pessoas nunca vão aprender a conviver em sociedade, elas não devem ser mortas. Mas também não devem ser soltas.
Kevin odeia sua mãe, ou é o que transparece, desde o comecinho. E ela não gosta dele. Só que eu acho que ela faz o possível. Ela tenta se conectar com ele, e não consegue. Sua gravidez não é desejada, isso é claro, mas até aí, a maioria também não é, e nem por isso temos uma legião de serial killers. Não sei se Eva tem depressão pós-parto, que é um dos grandes tabus da humanidade. O mito do instinto materno é tão grande que poucos ousam falar que muitas mães sofrem e têm pensamentos pouco carinhosos pro bebê depois do parto. Mas essa é uma doença, é depressão, precisa de tratamento. E não fica claro se Eva sofre disso.
Também não sei se é possível que uma criança pequena decida que vai destratar um de seus pais. É o que acontece no filme. Pro resto do mundo, Kevin é um docinho de coco. Pra sua mãe, porém, ele é um pesadelo. Eu me peguei pensando o que eu faria num caso desses, se tivesse um Kevin. Depois de tentar de tudo, creio que eu jogaria a toalha. Desculpe a insensibilidade e a covardia, mas eu me separaria dele, o deixaria com o pai, com quem ele se dá bem, e tentaria seguir minha própria vida.
É uma atitude egoísta, eu sei, e eu digo isso sem ser mãe, nem nunca querer ser mãe. E tenho certeza que a maior parte de vocês mães não desistiria. Mas eu só fiquei pensando se visitaria o Kevin muito de vez em quando ou se eu fugiria logo pro México. Não caio nessas de amor incondicional. Se um filho fizer algo terrivelmente errado, é dever dos pais perdoá-lo? Vamos supor que, em vez do guri arruinar a parede que você pintou com tanto esmero, ele tivesse torturado até a morte alguns cãezinhos. Você não deserdaria o menino? Quantas ninhadas de cachorrinhos você permitiria que ele eliminasse até interná-lo?
Imagino que o livro deve oferecer muito mais detalhes de tudo. Soa altamente improvável que Kevin consiga enganar a todos (exceto a mãe) por tanto tempo. Um garoto desses deve aprontar maldades na escola. Sua irmãzinha aparece pouco, o que é conveniente, porque suponho que ela sofra pacas nas mãos de Kevin. Um dos meus problemas com o filme é que sabemos tão pouco sobre Eva, a mãe.
O único momento em que ela diz algo duro é no campo de golfe, quando ela fala o que umas cinquenta pessoas escrevem em todo santo post que publico sobre gordofobia -– que metabolismo lento ou genes o quê, gordos são gordos porque comem mal e muito. Por mais que eu gostaria de avisar que os babacas que repetem essas coisas vão gerar filhos psicopatas, hum, acho que não funciona assim. E o pai de Kevin (John C. Reilly) é bonzinho demais. Tá, mais pro lado panaca mesmo. Dá vontade de chacoalhá-lo e dizer: escuta, cara, você não tá vendo que seu adorável filhinho parece saído de A Profecia? Procura o 666 no couro cabeludo dele, que deve estar lá!
O lado bom é que, na vida real, se a população mundial aumentar muito e os governos quiserem fazer com que os casais tenham menos filhos, é só passar Precisamos Falar sobre Kevin na TV uma vez por ano. Problema resolvido.

Escrevi mais sobre Kevin aqui, um ano depois.