

E quanta carne... Não me lembro de ter visto um filme tão violento, logo eu que amei “Kill Bill”. Outras aventuras com o Mel, tipo “Mad Max”, têm a violência dos quadrinhos. Mas esta de “Paixão” parece muito real e ininterrupta. Todo santo espinho, chicotada e prego recebido por Jesus é visto em close, em câmera lenta. Nem filme de terror é tão explícito assim. Ver tanto sangue e tortura é perturbador. Tudo bem, condenar “Paixão” por ser brutal seria hipocrisia, já que toda a religião cristã é baseada nesses símbolos sangrentos. Não foi o Mel que inventou. Só não sei qual o propósito de se fazer um filme tão visceral. Tá, o propósito de qualquer filme, mesmo dos clássicos, pode ser questionado. Mas “Paixão” não traz salvação nenhuma. Vamos ver: o verdadeiro horror não é se escandalizar com o que fazem a Jesus. É se escandalizar se fazem isso com qualquer um, ponto final, até com um psicopata demente como Barrabás. Ou a pena de morte é aceitável em alguns casos? A ideologia dominante por trás de “Paixão” (e da sua fonte, a Bíblia) vem à tona quando um dos dois criminosos na cruz diz que ele merece tudo isso, ele sim merece ser punido e sofrer, mas Jesus, não. Sério? O outro ladrão ri e instantaneamente é castigado por um corvo que lhe arranca os olhos. Isso é que é dar a outra face? Esse é o Deus misericordioso? Se bem que esta violência em si não é enfocada, apenas sugerida. Pode crer que se o corvo atacasse Jesus veríamos a cena em todos seus detalhes.
Mas vamos à minha parte favorita da análise, que é a reação do público. Olha, não ouço tanto choro no cinema desde “ET”. O pessoal realmente se comoveu. Lógico que alguns devotos não viram necessidade de se desligar do mundo material, e até atenderam seus celulares durante a sessão. Mas foram minoria. Assim que “Paixão” terminou, ouvi o espectador do meu lado dizer que este era o melhor filme de toda a sua vida. Já eu saí da sala meio em estado de choque. Não entendo nada de budismo, por exemplo, mas sinto que uma religião que tem como símbolo um gordo meditando pacificamente deve passar valores bem diferentes de outras por aí que glorificam o calvário de um barbudo se esvaindo em sangue. O Mel soube captar bem essa relação sado-masô. Minha aposta é que o filme vai ser encampado pelas religiões cristãs por ser fiel à barbárie descrita no Novo Testamento. Como o papa disse, “é como foi”. O velhinho deve saber.