Sempre gostei de Marilyn. Ela era uma ótima atriz e fez alguns grandes filmes, como A Malvada (tá, ela aparece pouco) e Quanto Mais Quente Melhor, dois clássicos que continuam maravilhosos, mesmo depois de tantas décadas. Sua cena com o vento do metrô levantando seu vestido em O Pecado Mora ao Lado é um dos momentos icônicos do cinema. Seu sorriso de boca aberta (que Shelley Winters diz que lhe ensinou) foi sua marca registrada. Seu corpo tipo violão hoje é descrito como gordo, o que eu considero uma piada.
Com sua beleza, inocência, e voz infantil, Marilyn fez enorme sucesso. Mas, como costuma acontecer com astros que ficam presos a um só papel, ela queria mais. Não se sentia bem sendo apenas uma deusa do sexo e atriz do que hoje talvez fossem vistas como comédias românticas. Ela desejava ser levada a sério, não ser pintada como loira burra. Queria um Oscar, e sabia que a academia raramente premia comediantes. Teve aulas no lendário Actor's Studio. Fez um filme dramático, Os Desajustados, com roteiro do seu então marido Arthur Miller, célebre dramaturgo e autor de obras-primas como A Morte do Caixeiro Viajante. Desajustados, o drama de 1961, parece amaldiçoado -– foi o último filme não só de Marilyn, como também de outros dois ícones, Clark Gable e Montgomery Clift.
As coisas mais recentes que vi e li sobre Marilyn foram três. Primeiro, vi o simpático Sete Dias com Marilyn (veja trailer) que rendeu a Michelle Williams, viúva de Heath Ledger, algo que sua personagem nunca conseguiu: uma indicação ao Oscar. O filme mostra um pouquinho do inferno que foi a viagem de Marilyn a Londres em 57, para filmar O Príncipe Encantado. Tinha tudo para ser um encontro eletrizante entre um grande sex symbol e um dos maiores atores de todos os tempos, Laurence Olivier. Mas Laurence, que era produtor, diretor e protagonista de Príncipe, odiou trabalhar com a estrela americana. Sete Dias faz parecer que o desncontentamento foi menos pelos atrasos constantes de Marilyn e mais por ela ter trazido sua treinadora particular de atuação.
Laurence, inglês, achava ridículo o “Método” de interpretação que prega que os atores devem vivenciar seus personagens. Em sua deliciosa autobiografia, ele escreve que acompanhou um dos rituais para elevar a autoestima de Marilyn. A treinadora dramática levava horas dizendo pra atriz, segundo Laurence: “Você é a maior mulher de nossos tempos, o maior ser humano de sua época; aliás, de qualquer época; não dá pra pensar em mais ninguém com a sua popularidade, nem mesmo Jesus".
A segunda coisa que vi sobre Marilyn foi um artigo na Vanity Fair de junho, assinado por Lawrence Schiller, que fotografou a estrela em duas ocasiões, inclusive em Something's Gotta Give, filme nunca terminado. Nem dá pra chamar Schiller ou o assistente de Sete Dias de oportunistas -– se você tivesse passado cinco minutos com a maior lenda do cinema, não escreveria um livro contando cada detalhe?
Schiller diz o que todos que conviveram com ela dizem: que nunca houve alguém que a câmera amava mais. Marilyn sabia perfeitamente quais eram seus melhores ângulos, suas melhores poses. Mas durante as filmagens de Something ela estava de mau humor, sentindo que o estúdio com quem tinha contrato (Fox) não a respeitava. Anos antes, quando ela havia feito Os Homens Preferem as Loiras, recebeu apenas 15 mil dólares, enquanto sua colega Jane Russell foi paga 200 mil. Quase uma década depois, Marilyn continuava ganhando menos que outras estrelas. Enquanto fazia Something, recebia 100 mil. Elizabeth Taylor fazia Cleopatra pelo salário de um milhão de dólares, uma nota preta em 62.
Foi por causa da atenção que o estúdio e a mídia davam a Elizabeth que Marilyn dedidiu ousar mais em Something. O roteiro dizia que ela deveria nadar numa piscina, se exibindo para Dean Martin, que a observaria de sua varanda. E que ela deveria aparentar estar nua. Para conseguir publicidade, Marilyn saiu nua de verdade da piscina. Algumas dessas fotos foram depois vendidas para a Playboy. Mas não adiantou. Havia um grande desgaste entre o estúdio e a estrela, que era campeã em falta de pontualidade. A Fox aproveitou que Marilyn havia viajado pra Washington, sem autorização, pra cantar a famosa Happy Birthday, Mr. President para seu amante John Kennedy (ano que vem fará meio século que ele foi assassinado; será um auê), e a despediu. Tolinho, o estúdio. Pense só quanta publicidade grátis gerou a voz sedutora da atriz desejando feliz aniversário pro JFK.
Schiller foi à casa de Marilyn um dia antes da morte dela, para fechar a venda das fotos do filme para a Playboy. Ela não tinha certeza se queria. De acordo com ele, a estrela disse: “Ainda é sobre nudez. É só pra isso que eu sirvo? Gostaria de mostrar que posso conseguir publicidade sem expor minha bunda ou ser demitida das filmagens”. Menos de 24 horas depois, ela estava morta.
Tudo indica que ela falou com Peter Lawford (ator e membro do Rat Pack e cunhado de JFK) pelo telefone na noite do dia 4 de agosto. Seu ex-marido Joe DiMaggio também havia ligado. E os boatos juravam que Bobby Kennedy, irmão do presidente (dizem que ambos estavam tendo um caso com ela), havia estado lá. Mas o fato é que ninguém sabe o que aconteceu, se foi a CIA que a matou como queima de arquivo, se foi suicídio, se foi uma overdose acidental com uma mistura de remédios. Creio mais nessa última hipótese. É só ver o bando de gente jovem que tem morrido dessa forma recentemente -– Heath Ledger, Michael Jackson, Amy Winehouse, Whitney Houston.
A terceira coisa que vi sobre Marilyn foi o episódio nove da segunda temporada de Mad Men, excelente série sobre o mundo da propaganda em NY nos anos 60. Marilyn não é um personagem da série, mas durante alguns episódios os publicitários separaram todas as mulheres da América em Jackie (Kennedy) e Marilyn. E aí Marilyn, jovem, linda, bem-sucedida, desejada pelos homens e copiada pelas mulheres (o que Don fala de Ann Margret –- “todos os homens a querem, todas as mulheres querem ser ela”), aparece morta. É uma comoção geral no escritório. Quase todas as secretárias choram pelo triste destino da ídola.
Cinquenta anos depois, paramos de chorar. Mas Marilyn ainda representa um enigma que não conseguimos decifrar.