Vocês já leram Não me Abandone Jamais, de Kazuo Ishiguro?
Detestei o livro e pensei em largá-lo inúmeras vezes. O maridão disse que não larguei por causa do título, que toda vez que eu pensava em substituir o romance por um outro, o título do livro me implorava para não abandoná-lo. Acho que um dos motivos de eu não ter largado é que o livro é de um ganhador do Nobel de Literatura.
Eu pensava: em algum momento isso vai ficar bom, vai se justificar. Mas não: é decepcionante mesmo. E também não larguei porque odeio largar livros e filmes pela metade. Ou pelo começo. Depois comentei isso com meu amigo Alex Castro, que é escritor. Ele achou uma bobagem e afirmou que abandona livros sem dó.
Eu li no Kindle, e estava já nos 12%, muito impaciente, esperando a história começar. Eu não lembro como o livro foi parar no meu Kindle. Alguém ou alguma lista deve ter recomendado. Então eu não sabia nada sobre a história, que começa com Kathy, uma cuidadora experiente em lidar com doadores. Certo, temos aí dois termos (cuidadora e doadores) que não fazem parte do nosso dia a dia. Portanto, fica a estranheza, e a vontade de saber do que ela está falando.
Só que isso foi na primeira página. Aí você chega a 12% do livro e ainda não sabe do que a narradora está falando. Nessa hora eu recorri ao Google, que na primeira resenha, sem avisar que vinham spoilers, diz tratar-se de clones. Essas criaturas são criadas para que seus órgãos sejam usados como peças de reposição (para quem? Como? Esqueça, isso o romance não vai explicar). E este foi o terceiro motivo pelo qual eu não larguei o livro: ei, que legal, clones! Ficção científica! Distopia! Eu esperava que algo interessante pudesse sair disso.
Odiei a trama chata e arrastada em que quase nada acontece, odiei todos os personagens, mas, acima de tudo, odiei a narração. Eu não tenho que gostar de algum personagem ou do narrador pra adorar um livro. Eu adoro Lolita (narrado pelo pedófilo patético Humbert Humbert), eu adoro Psicopata Americano (narrado pelo serial killer, e pior ainda, yuppie (young urban professional) -– o coxinha viciado em cocaína e dinheiro dos anos 1980 -– Patrick Bateman), só pra citar dois exemplos que vieram fácil. Mas Não Me Abandone Jamais tem uma narradora tediosa que conta tudo da forma mais tediosa possível.
Até entendo que o autor tenha usado este tipo de narração para mostrar um cenário claustrofóbico de seres que não se preocupam com o que acontece do lado de fora do colégio interno onde passam sua infância e adolescência. Entendo também que o estilo seja monótono e repetitivo de propósito (pra testar o leitor?) pra nos fazer ver a falta de resistência daquelas personagens. Um jeito meio hipnótico de escrever, talvez (como uma página sussurrando “duuuurma”). Mas não é isso.
Não tem nada que apareça, por mais inútil que seja, que não será repetido outras duas vezes, no mínimo. E não não é que será repetido capítulos adiante, mas na mesma página! O estilo é mais ou menos assim: “Não quero falar sobre isso, quero falar sobre aquilo, mas antes preciso falar sobre isso. Como eu disse, pra falar sobre aquilo antes preciso falar sobre isso. Depois de falar sobre isso, poderei falar sobre aquilo”. As palavras mais usadas no romance devem ser “como eu disse”, porque eita repetição! Tudo bem, de repente a narradora é uma sonsa que adora repetir tudo que fala. Mas isso não explica que os diálogos também sejam assim!
Com uma boa edição que cortasse as inúmeras repetições, o romance poderia ser um conto. Quem sabe até um conto bacana.
O livro não é uma distopia nem uma ficção científica. Quem esperar algo do gênero vai se frustrar muito. Mas eu não esperava -– como eu disse (argh! Estou sendo influenciada!), eu peguei o livro pra ler sem saber o que era. É sobre o que nos faz humanos. Mas espero que nós humanos sejamos mais interessantes que aqueles do livro.
Depois vi o filme de 2010, que certamente é melhor que o livro, porque o papel da narração (apesar de ter narração em off) é diminuído.
E vocês? Leram o livro, viram o filme? Devo dar outra chance a Kazuo Ishiguro, ou todas as suas obras têm esse estilo insosso? Vocês costumam largar livros no meio?