Tá chovendo? Não importa. Essa cena de Cantando na Chuva vai alegrar o seu dia. Acho que deveria ser vista diariamente, porque é impossível ficar de mau humor depois de vê-la. Parece que, pra gravar a cena, gastaram tanta água que uma parte de Los Angeles ficou sem poder tomar banho durante alguns dias. Mas valeu a pena. É lindo ver o Gene Kelly, que pra mim é um deus, se divertindo tanto. O momento em que ele sai de baixo da calha pra entrar na rua, enquanto a câmera sobe pra pegar o cenário inteiro, sempre me emociona. Claro que quem se contentar apenas com esta cena e deixar de ver todo o resto de Cantando na Chuva estará perdendo um dos filmes mais doces e engraçados da história do cinema. Este musical de 1952 do Stanley Donen tem muito mais pra dar ao público: mostra a estranheza que foi passar do cinema mudo ao falado, diálogos inspirados, personagens queridos, e, claro, números musicais absolutamente fantásticos. Escrevi sobre o filme faz um tempão. É o maior feel good movie já feito. Faz com que a gente não só queira sair dançando na chuva, mas também desafiar toda a autoridade. Afinal, molhar-se, pular em poças d'água, cantar - tudo isso é de graça. E o capitalismo não gosta que a gente se alegre sem gastar dinheiro.
Quase vinte anos depois, um outro gênio e outro Stanley, o Kubrick, tentou estragar nosso prazer, fazendo com o que o psicopata interpretado pelo Malcom McDowell cantarolasse “Singin' in the Rain” enquanto estuprava uma mulher na frente do marido (Malcolm diz que a idéia foi dele, que Kubrick pediu que ele cantasse alguma coisa, e como a única música que o ator conhecia de cór era essa, ficou sendo “Cantando” mesmo). É duro ver nossos versos preferidos sendo usados pro mal (“tenho um sorriso no meu rosto”, “estou pronto para o amor”). Não consegui encarar o Gene cantanto na chuva por um bom tempo. Mas passou, felizmente. Hoje posso desassociar Cantando de Laranja Mecânica completamente, ou quase. And I'm ready for love.