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domingo, 21 de março de 1999

CRÍTICA: CENTRAL DO BRASIL / Central emociona em todas as línguas

Central do Brasil é um grande drama. Conta a história de uma "escrevedora de cartas" - uma mulher que fica na estação anotando mensagens para analfabetos - e seu relacionamento com um menino que deseja encontrar o pai. Não é um filme-arte, não é nem um pouco pesado, não tem saídas fáceis como os hollywoodianos. Existe nele um quê de Chaplin, principalmente de O Garoto. Graças aos céus, o roteiro não tenta mostrar a criança como um ser inocente e idealizado. O menino Josué, belamente interpretado por Vinícius de Oliveira (que o diretor descobriu engraxando sapatos no aeroporto do Rio), está cheio de defeitos e virtudes, como são as crianças reais. Há horas em que ele inspira pena, como também existem momentos em que ele é chato mesmo e nossa vontade é deixá-lo no meio do caminho.

Tal qual tenta fazer Dora, a personagem de Fernanda Montenegro. É um prazer ver esta mulher trabalhar. Não há nada de óbvio em sua interpretação, que é repleta de nuances. O prêmio para ela seria mais do que justo. Ninguém em sã consciência discute que Fernanda e Marília Pêra são as duas maiores atrizes brasileiras. Em Central, elas têm poucas cenas em comum, mas no momento em que estão juntas, a tela brilha. Porém, todo o elenco é fabuloso. Preste atenção na atuação de Othon Bastos. Ele conseguiu transformar seu personagem, um simples caminhoneiro, em alguém absurdamente verdadeiro, frágil, enternecedor.

Não que a história não tenha falhas. Tem, mas são poucas, e não são aquelas que vários profissionais vêm apontando. Por exemplo, a cena da execução de um trombadinha nos trilhos do trem (tida como descartável pelos críticos em geral) é totalmente relevante. Mostra o abandono de Josué, o menino protagonista, a sua fragilidade, e também do que é capaz o personagem de Otávio Augusto. Os defeitos do filme são meros detalhes, como quebra de ritmo em algumas rápidas partes. Nada que comprometa.

Central do Brasil tampouco glamouriza a miséria. Ela existe, apesar do neoliberalismo vigente enfaticamente negar, e como tal é mostrada, mas sem cair naquela armadilha do "é pobre, logo é lindo e feliz". Há pouquíssimas cenas de felicidade no filme. Apesar disso, Central é como uma fábula, onde se sai extasiado e aliviado da sala de exibição, contendo algumas lágrimas, enxugando outras. Não se emocionar é tarefa árdua.

Ao assisti-lo, esqueça que é uma produção brasileira, assim como os americanos tentaram fazer, eliminando o país de origem do título. Em inglês é só Central Station. Concentre-se apenas no fato de ser um belo filme, daqueles que você precisa ver para crer. Central seria comovente em qualquer língua.

domingo, 7 de março de 1999

CRÍTICA: A VIDA É BELA / A vida não é tão bela

Fui ver A Vida é Bela e, assim que as luzes se acenderam, tive uma reação meio alta. Comecei a gritar "Central! Central! Central", com algumas variações como "dá-lhe Central, dá-lhe Central, olê-olê-olá!". Enquanto o maridão fingia que não me conhecia, fiz umas reflexões sobre o filme italiano. Se você quiser saber quais foram, continue lendo.

Primeiro, gostaria de fingir que estou sendo justa e que a competição com Central do Brasil para o Oscar de melhor estrangeiro não afeta meu julgamento, mas acho que não convenceria ninguém. Só que não tem a ver com nacionalismo, trata-se de justiça cinematográfica. Central é infinitamente melhor.

Existe uma mórbida semelhança entre os filmes, como os dois terem personagens principais chamados Dora e Josué, ou ambos retratarem o cotidiano de um menino, ou (nos dias de hoje, isso é raro) não serem falados em inglês, ou cada um ter recebido uma penca de prêmios internacionais. Mas as coincidências terminam aí.

A Vida é Bela, como comédia, não faz rir. Tenta apelar para o riso fácil e só alcança sorrisos amarelos. Com o garoto, que é um ator sofrível, faz piadas na base do "oh, que gracinha!", só explorando a cara do pimpolho. Dizem que Benigni testou centenas de candidatos para o papel, e esse menino foi o melhorzinho?! Talvez o diretor devesse vir pro aeroporto do Rio e conversar com alguns engraxates, que foi como Walter Salles encontrou o nosso.

Certo, certo, evitando comparações. Logo em uma das primeiras gags, Benigni pergunta a um senhor qual sua corrente política, ao que o homem interrompe, dirigindo-se a seus filhos: "Benito! Adolfo! Fiquem quietos!". Esta é das poucas piadas inteligentes do filme, do tipo que o espectador ri para provar que entendeu a referência ao fascismo. Na sessão em que eu estava, ninguém riu. Depois, as piadas vêm tão ladeira abaixo como a bicicleta que Benigni pedala. Não sei porque alguns críticos mencionam Chaplin. Por exemplo, tem uma em que um homem põe um chapéu cheio de ovos na cabeça, e dê-lhe close do rosto sujo e enfezado. Engraçado? Sinceramente, eu preferia o humor mais sofisticado dos Trapalhões.

A cena da festa mais parece uma compilação dos piores momentos de Um Convidado Bem Trapalhão, mas eu me recuso a comparar Benigni com Peter Sellers. E a parte da escola, quando Benigni se disfarça de inspetor e vai discursar às crianças sobre a superioridade da raça ariana, é um total desperdício, embaraçoso até. Isso que é falar sobre o próprio umbigo.

Pra não dizer que não há cenas boas, há sim: três, pra ser mais exata. Uma é Benigni "traduzindo" do alemão para o italiano, se bem que também se torna um pouco repetitiva após alguns minutos. É legal, mas totalmente inverossímil. Eu ficava me colocando no lugar dos outros prisioneiros, que talvez quisessem saber das regras para poderem manter-se vivos. Outra é quando Benigni estende o tapete vermelho à namorada, e quando ele usa o alto-falante para declarar "Bom dia, princesa". Só.

O filme tenta agradar, mas é bastante kitsch, simplório, com uma musiquinha bonita e insistente permeando todas as ações. Uma das cenas finais parece feita sob encomenda para o público americano: um soldado dos Estados Unidos, bonito, barbeado, dentro de seu tanque novinho, salvando o mundo, ganhando a guerra. Como em Independence Day e Armageddon, só que desta vez a homenagem vem de um italiano.

A Vida é Bela é, sem dúvida, revisionista no seu tratamento da Segunda Guerra. O campo de concentração mostrado mais lembra um spa, já que ninguém come e o pessoal faz um monte de exercícios. Mal há nazistas, então todos ficam meio à vontade. Todos os horrores a que os judeus são submetidos acontecem fora das câmeras. Se você não tiver um pouco de memória, vai achar que o nazismo não foi tão cruel assim.

Entendo que muita gente deve gostar desta produção. Francamente, imagino que tenha muito mais a ver com o tema que com suas qualidades cinematográficas. Como o filme é (mezzo) sobre o Holocausto, é proibido falar mal. Sabe como é, trata de um desses temas maravilhosos que elevam a alma. Aí fica a pergunta: todo o filme sobre o Holocausto é bom?

Não, né? Assistir a A Vida é Bela me tornou mais otimista quanto ao Oscar. Antes de vê-lo, pensei que fosse invencível. Agora acredito que Central do Brasil tenha chances. A categoria de melhor estrangeiro não é tão democrática, não é invadida pelos cinco mil votantes de Hollywood, estes sim pieguinhas. Para votar neste grupo, os jurados devem provar que viram todos os cinco concorrentes. Logo, como que algúem neste pequeno comitê pode aclamar, em sã consciência, que Vida é superior a Central? O lobby é forte, mas a esperança é a última que morre.

Leia a resposta de um jornalista que detestou o meu texto e achou a Vida é Bela belo, publicado na Notícia alguns dias depois.