Fui ver A Vida é Bela e, assim que as luzes se acenderam, tive uma reação meio alta. Comecei a gritar "Central! Central! Central", com algumas variações como "dá-lhe Central, dá-lhe Central, olê-olê-olá!". Enquanto o maridão fingia que não me conhecia, fiz umas reflexões sobre o filme italiano. Se você quiser saber quais foram, continue lendo.
Primeiro, gostaria de fingir que estou sendo justa e que a competição com Central do Brasil para o Oscar de melhor estrangeiro não afeta meu julgamento, mas acho que não convenceria ninguém. Só que não tem a ver com nacionalismo, trata-se de justiça cinematográfica. Central é infinitamente melhor.
Existe uma mórbida semelhança entre os filmes, como os dois terem personagens principais chamados Dora e Josué, ou ambos retratarem o cotidiano de um menino, ou (nos dias de ho
je, isso é raro) não serem falados em inglês, ou cada um ter recebido uma penca de prêmios internacionais. Mas as coincidências terminam aí.
A Vida é Bela, como comédia, não faz rir. Tenta apelar para o riso fácil e só alcança sorrisos amarelos. Com o garoto, que é um ator sofrível, faz piadas na base do "oh, que gracinha!", só explorando a cara do pimpolho. Dizem que Benigni testou centenas de candidatos para o papel, e esse menino foi o melhorzinho?! Talvez o diretor devesse vir pro aeroporto do Rio e conversar com alguns engraxates, que foi como Walter Salles encontrou o nosso.
Certo, certo, evitando comparações. Logo em uma das primeiras gags, Benigni pergunta a um senhor qual sua corrente política, ao que o homem interrompe, dirigindo-se a seus filhos: "Benito! Adolfo! Fiquem quietos!". Esta é das poucas piadas inteligentes do filme, do tipo que o espectador ri para provar que entendeu a referência ao fascismo. Na sessão em que eu estava, ninguém riu. Depois, as piadas vêm tão ladeira abaixo como a bicicleta que Benigni pedala. Não sei porque alguns críticos mencionam Chaplin. Por exemplo, tem uma em que um ho
mem põe um chapéu cheio de ovos na cabeça, e dê-lhe close do rosto sujo e enfezado. Engraçado? Sinceramente, eu preferia o humor mais sofisticado dos Trapalhões.
A cena da festa mais parece uma compilação dos piores momentos de Um Convidado Bem Trapalhão, mas eu me recuso a comparar Benigni com Peter Sellers. E a parte da escola, quando Benigni se disfarça de inspetor e vai discursar às crianças sobre a superioridade da raça ariana, é um total desperdício, embaraçoso até. Isso que é falar sobre o próprio umbigo.
Pra não dizer que não há cenas boas, há sim: três, pra ser mais exata. Uma é Benigni "traduzindo" do alemão para o italiano, se bem que também se torna um pouco repetitiva após alguns minutos. É legal, mas totalmente inverossímil. Eu ficava me colocando no lugar dos outros prisioneiros, que talvez quisessem saber das regras para poderem manter-se vivos. Outra é quando Benigni estende o tapete vermelho
à namorada, e quando ele usa o alto-falante para declarar "Bom dia, princesa". Só.
O filme tenta agradar, mas é bastante kitsch, simplório, com uma musiquinha bonita e insistente permeando todas as ações. Uma das cenas finais parece feita sob encomenda para o público americano: um soldado dos Estados Unidos, bonito, barbeado, dentro de seu tanque novinho, salvando o mundo, ganhando a guerra. Como em Independence Day e Armageddon, só que desta vez a homenagem vem de um italiano.
A Vida é Bela é, sem dúvida, revisionista no seu tratamento da Segunda Guerra. O campo de concentração mostrado mais lembra um spa, já que ninguém come e o pessoal faz um monte de exercícios. Mal há nazistas, então todos ficam meio à vontade. Todos os horrores a que os judeus são submetidos acontecem fora das câmeras. Se você não tiver um pouco de memória, vai achar que o nazismo não foi tão cruel assim.
Entendo que muita gente deve gostar desta produção. Francamente, imagino que tenha muito mais a ver com o tema que com suas qualidades cinematográficas. Como o filme é (mezzo) sobre o Holocausto, é proibido
falar mal. Sabe como é, trata de um desses temas maravilhosos que elevam a alma. Aí fica a pergunta: todo o filme sobre o Holocausto é bom?
Não, né? Assistir a A Vida é Bela me tornou mais otimista quanto ao Oscar. Antes de vê-lo, pensei que fosse invencível. Agora acredito que Central do Brasil tenha chances. A categoria de melhor estrangeiro não é tão democrática, não é invadida pelos cinco mil votantes de Hollywood, estes sim pieguinhas. Para votar neste grupo, os jurados devem provar que viram todos os cinco concorrentes. Logo, como que algúem neste pequeno comitê pode aclamar, em sã consciência, que Vida é superior a Central? O lobby é forte, mas a esperança é a última que morre.
Leia a resposta de um jornalista que detestou o meu texto e achou a Vida é Bela belo, publicado na Notícia alguns dias depois.