Bianca deixou um comentário polêmico num post antigo.
Oi, Lola, tudo bem?

Dito isso, sinto a necessidade de fazer algumas considerações. Eu pesquiso na área de violência sexual, sob uma perspectiva feminista, e uma das coisas que tenho tido muito cuidado ao escrever é a questão do orgasmo durante a violência sexual. Essa é uma noção que também me parecia impossível, uma fantasia da nossa sociedade misógina. Mas isso é parcialmente verdade.

No entanto, é preciso falar de uma realidade que contribui para o silenciamento de muitas vítimas de estupro e para o seu auto-flagelamento, que é o acontecimento do orgasmo como resposta FÍSICA, biológica, INVOLUNTÁRIA. Isso é uma realidade para algumas vítimas de violência sexual, e é uma realidade cruelmente utilizada para fazê-las acreditar que no fundo queriam ser estupradas, ou que gostaram da experiencia, quando na verdade o orgasmo (enquanto reação física) NADA TEM A VER com prazer. O próprio mito de que as mulheres só conseguem gozar quando tem uma conexão emocional com o parceiro, silenciando os aspectos biológicos da cópula (que existem para mulheres, tanto para homens), também contribui para a associação imediata de "orgasmo" com "prazer" e com "consentimento". É isso que precisa ser desconstruído.


Então é preciso ter muita cautela com declarações do tipo "duvido que uma mulher possa ter um orgasmo durante o estupro".



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Não estou pedindo, diz manifesante numa Slut Walk (marcha das vadias) |
É verdade que muitas mulheres fantasiam em ser estupradas. Mas qual parte da palavra "fantasia" será que os misóginos não entendem? As pessoas fantasiam milhares de coisas, e nem por isso vão fazê-las ou sequer querer fazê-las. Por exemplo: talvez a maior parte de nós já tenha fantasiado em se suicidar em alguma parte da vida. É comum imaginar como seria deixar de viver, como morrer com o mínimo de sofrimento. Felizmente, não são todos os que fantasiam com suicídio que se suicidam. A esmagadora maioria que pensa nisso não quer se matar.


A autora do artigo entrevistou meia dúzia de terapeutas e a maioria disse que orgasmo no estupro era incomum, mas que conheciam casos.

Vamos lembrar que estamos falando não só de mulheres vítimas de estupro, mas também de crianças e homens. Ou seja: se é possível que mulheres tenham orgasmo no estupro, também é possível que homens e crianças tenham.


Bianca, eu tenho dificuldade em aceitar essa premissa de orgasmo no estupro (o que não quer dizer que não existe) porque tantas mulheres não têm orgasmo durante um ato sexual consensual, que dizer com estupro.
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As pessoas podem ter orgasmo no estupro. Não quer dizer que não foi estupro. |
Apenas 25% das mulheres frequentemente têm orgasmo durante a penetração vaginal. É o que diz o livro The Case of the Female Orgasm (O caso do orgasmo feminino), que analisou 33 estudos dos últimos 80 anos. 50% das mulheres às vezes têm orgasmo. 20% têm raramente ou quase nunca. 5% nunca têm. Em outras palavras, o que tanta gente já sabe: pras mulheres terem orgasmo, é preciso algum tipo de estímulo clitoriano.
O que você levanta, Bianca, é uma discussão válida -- que vítimas de estupro podem ter tido orgasmo durante o estupro, e que nem por isso devem sentir-se culpadas. E que é um pouco irresponsável eu, ou qualquer outra pessoa, duvidar da existência disso (quero dizer, eu jamais diria pra uma vítima "Você está mentindo que teve orgasmo!").
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A "glamurização" do estupro coletivo num anúncio |
O meu problema é com o senso comum, que tantas vezes associa estupro a uma oportunidade de prazer para as mulheres (e essa é uma das muitas mentiras espalhadas pela cultura do estupro). Vemos isso o tempo todo nas piadas sobre estupro. E, muitas vezes, quando autores (principalmente homens) escrevem ou falam sobre estupro, que é o caso de Quando os Adams Saíram de Férias.