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quinta-feira, 27 de julho de 2017

ORGASMO NO ESTUPRO

Bianca deixou um comentário polêmico num post antigo.

Oi, Lola, tudo bem?
Primeiro gostaria de dizer que gosto muito do blog e sempre recomendo seus textos. Preciso dizer logo de cara também que concordo com absolutamente TUDO que vc pontuou em relação aos trechos do livro Quando os Adams Saíram de Férias. Algumas passagens me deram náuseas, na real. É absurdamente misógino e perigoso.
Dito isso, sinto a necessidade de fazer algumas considerações. Eu pesquiso na área de violência sexual, sob uma perspectiva feminista, e uma das coisas que tenho tido muito cuidado ao escrever é a questão do orgasmo durante a violência sexual. Essa é uma noção que também me parecia impossível, uma fantasia da nossa sociedade misógina. Mas isso é parcialmente verdade.
A noção de que uma mulher pode ter PRAZER durante a violência sexual, realmente, é ABSURDA. Não se pode conceber, nem coadunar com a ideia de que uma vítima de estupro passe a "gostar" da agressão que está sofrendo e por isso sinta prazer com o ato, que deixaria de ser estupro. Essa é uma ideia nojenta, e se entendemos o orgasmo nesse sentido, você está absolutamente certa.
Mulheres podem ter lubri-
ficação e até orgasmo no
estupro. Mas ainda é estupro.
O mesmo para os homens.
Excitação é quase sub-
consciente. É por isso que
homens às vezes têm ereções
em momentos ruins sem
poder controlá-las
No entanto, é preciso falar de uma realidade que contribui para o silenciamento de muitas vítimas de estupro e para o seu auto-flagelamento, que é o acontecimento do orgasmo como resposta FÍSICA, biológica, INVOLUNTÁRIA. Isso é uma realidade para algumas vítimas de violência sexual, e é uma realidade cruelmente utilizada para fazê-las acreditar que no fundo queriam ser estupradas, ou que gostaram da experiencia, quando na verdade o orgasmo (enquanto reação física) NADA TEM A VER com prazer. O próprio mito de que as mulheres só conseguem gozar quando tem uma conexão emocional com o parceiro, silenciando os aspectos biológicos da cópula (que existem para mulheres, tanto para homens), também contribui para a associação imediata de "orgasmo" com "prazer" e com "consentimento". É isso que precisa ser desconstruído.
Então, a minha contribuição é no sentido de que todxs compreendam que vítimas de violência sexual PODEM SIM ter orgasmo durante o estupro, mas que isso DE MANEIRA NENHUMA significa prazer, consentimento, ou um desejo secreto de ser violentada. 
É apenas uma resposta biológica, que não anula a violência sofrida e que deve ser discutida para que mulher nenhuma se sinta culpada (ainda mais culpada) por passar por essa experiência.
Então é preciso ter muita cautela com declarações do tipo "duvido que uma mulher possa ter um orgasmo durante o estupro".

Meus comentários: Bianca, concordo contigo em vários pontos. Sim, é preciso ter cuidado com declarações como a que eu fiz. Sem dúvida, este assunto de orgasmo no estupro é um tabu gigantesco. E, se algumas vítimas tiveram orgasmo, tudo que a gente não quer é que elas se sintam ainda mais culpadas por esta reação involuntária. 
Discordo quando você diz que, se alguém sente prazer com o ato sexual, o estupro deixaria de ser estupro. Continuaria sendo estupro de qualquer jeito. Vamos supor que alguém é assassinado e, antes de morrer, sinta um prazer masoquista com o sofrimento. Continua sendo assassinato de toda forma, certo?
Como este não é um diálogo apenas entre nós duas -- que concordamos que ter orgasmo durante um estupro não quer dizer que a vítima consentiu ou que gostou --, alguns esclarecimentos. Apesar do tema ser polêmico e tabu, vamos tentar discuti-lo em alto nível. Isso significa que se você é um misógino que acha que mulheres adoram ser estupradas, você não está no lugar certo (eu ia dizer que você não deveria estar num blog feminista, mas pensando melhor, acho que você não deveria estar no Planeta Terra mesmo).
Não estou pedindo, diz manifesante
numa Slut Walk (marcha das vadias)
É verdade que muitas mulheres fantasiam em ser estupradas. Mas qual parte da palavra "fantasia" será que os misóginos não entendem? As pessoas fantasiam milhares de coisas, e nem por isso vão fazê-las ou sequer querer fazê-las. Por exemplo: talvez a maior parte de nós já tenha fantasiado em se suicidar em alguma parte da vida. É comum imaginar como seria deixar de viver, como morrer com o mínimo de sofrimento. Felizmente, não são todos os que fantasiam com suicídio que se suicidam. A esmagadora maioria que pensa nisso não quer se matar. 
Fantasias com estupro podem ser parecidas. Pra começar, estupro não é uma fantasia. É uma realidade. Uma realidade horrível que atinge talvez um quinto das mulheres (ou seja, grandes chances que quem está lendo este post já foi estuprada, ou que conheça alguém que foi). E mesmo as mulheres que nunca foram estupradas sentem medo do estupro. A ameaça do estupro é uma realidade que aterroriza a maior parte das mulheres. Praticamente toda mulher que conheço tem uma história de horror pra contar -- se não de estupro, das vezes que conseguiu escapar de um estupro. 
Isso posto -- que ninguém quer ou merece ser estupradx --, vamos à discussão. Este artigo cita vários números. Uma terapeuta de crianças que lida com abuso sexual disse que as estatísticas variavam entre 10% a 50% de jovens mulheres terem orgasmo durante estupro. Mas não sei se isso é de confiança, pois a pessoa nem tem nome e apareceu numa dessas discussões no Reddit. 
A autora do artigo entrevistou meia dúzia de terapeutas e a maioria disse que orgasmo no estupro era incomum, mas que conheciam casos. 
Um desses especialistas, Matthew Atkinson, autor de Resurrection After Rape (Ressurreição Após o Estupro), disse que, entre os 500 a 600 pacientes que atendeu (e isso inclui homens), talvez uns 24 relataram pra ele ter tido orgasmo no estupro. Mas ele vê que, nas discussões na internet, parece haver grande interesse no assunto (ahã, imagino que interesse seja esse).
Vamos lembrar que estamos falando não só de mulheres vítimas de estupro, mas também de crianças e homens. Ou seja: se é possível que mulheres tenham orgasmo no estupro, também é possível que homens e crianças tenham. 
Mas é importante sim desvincular orgasmo de prazer sexual. Como o artigo diz, orgasmo pode ser uma resposta do corpo ao estupro, tanto quanto qualquer outra resposta fisiológica, como respirar e suar. 
Outro artigo aponta: "Excitação (arousal) durante o estupro não significa consentir, nem significa sentir prazer. Acontece por causa da biologia". Alguns pesquisadores falam até que a lubrificação pode acontecer como uma defesa inconsciente do corpo para que os genitais não fiquem tão machucados com o estupro. 
Bianca, eu tenho dificuldade em aceitar essa premissa de orgasmo no estupro (o que não quer dizer que não existe) porque tantas mulheres não têm orgasmo durante um ato sexual consensual, que dizer com estupro. 
As pessoas podem ter
orgasmo no estupro.
Não quer dizer que não
foi estupro.
Apenas 25% das mulheres frequentemente têm orgasmo durante a penetração vaginal. É o que diz o livro The Case of the Female Orgasm (O caso do orgasmo feminino), que analisou 33 estudos dos últimos 80 anos. 50% das mulheres às vezes têm orgasmo. 20% têm raramente ou quase nunca. 5% nunca têm. Em outras palavras, o que tanta gente já sabe: pras mulheres terem orgasmo, é preciso algum tipo de estímulo clitoriano. 
O que você levanta, Bianca, é uma discussão válida -- que vítimas de estupro podem ter tido orgasmo durante o estupro, e que nem por isso devem sentir-se culpadas. E que é um pouco irresponsável eu, ou qualquer outra pessoa, duvidar da existência disso (quero dizer, eu jamais diria pra uma vítima "Você está mentindo que teve orgasmo!"). 
A "glamurização" do estupro coletivo
num anúncio
O meu problema é com o senso comum, que tantas vezes associa estupro a uma oportunidade de prazer para as mulheres (e essa é uma das muitas mentiras espalhadas pela cultura do estupro). Vemos isso o tempo todo nas piadas sobre estupro. E, muitas vezes, quando autores (principalmente homens) escrevem ou falam sobre estupro, que é o caso de Quando os Adams Saíram de Férias.

terça-feira, 18 de julho de 2017

HOMENS TRANS SÃO MUITO DIFERENTES DE MULHERES LÉSBICAS BUTCH

Kayden Coleman, homem trans na Flórida, e sua filha

Destaco outro comentário que a pessoa que se autointitula Maria Caladora deixou no post "Não quero ser e nem me pareço com um homem". 

Primeiramente, acho sim muito importante falar sobre as destransições e por que elas ocorrem, pois transexualidade é uma questão de auto-percepção, uma coisa que vem de dentro pra fora e como uma pessoa se vê, e não de como ela é vista ou percebida, não uma coisa de fora pra dentro, não uma percepção que parte através de uma dica de algum amigo ou sugestão de um conhecido, pois é uma questão da pessoa com ela própria, uma questão de ódio inclusive, ódio à própria existência, à vida, rejeição ao corpo, ódio aos próprios genes inclusive. 
Disforia de gênero não é nenhum passeio no parque e não é uma questão de observação alheia. Não é um psiquiatra que vem e tem que te abrir os olhos e te dizer quem você é; é você mesmo(a) que tem que ter essa percepção, e é por isso que estão acontecendo alguns diagnósticos falsos e errôneos de transexualidade, porque existem pessoas que acham que podem dizer às outras quem elas são e quem devem ser, e inclusive o que devem fazer com a própria vida. Transgenerismo não pode funcionar e ser diagnosticado assim.
Novamente, a caixa de comentários tornou-se palco do ódio transfobico, permeado não apenas pela ideologia do pseudo feminismo 'radical' mas principalmente pelas pessoas cisgeneros que insistem que através de suas óticas cisgeneristas e absolutistas podem ditar quem as pessoas trans são ou deixam de ser nesse mundo, pois acreditam que o poder está com elas e numa lógica patriarcal insistem em exercer o controle sobre a personalidade e o corpo alheio através da prisão de gênero.
Primeiro homem trans a
aparecer na capa desta
revista LGBT
Engraçado que o patriarcado é tão forte, mas tão forte, que as mesmas pessoas que dizem combater noções de gênero são as mesmas que insistem em usar fortes marcadores e limites de gênero para ditar quem as pessoas transgêneros podem ser ou não. Ou seja, elas já estão tão cegadas pela ótica patriarcal e pela cultura de gênero, que caem em um círculo contraditório, onde o patriarcado e seus conceitos cisgeneristas limitados são utilizados firmemente como argumentos transfóbicos, por quem diz que vai aniquilar gêneros, se valendo de limites de gênero.
Radfems, não sejam essas pessoas:
reaças se escandalizaram com
um homem trans que deu à luz
nos EUA esta semana e apelaram
pra velha transfobia
Mais engraçado ainda é que, honestamente, até hoje não vi homens trans, nem mulheres trans, fazerem declarações lesbofóbicas, torcerem para que lésbicas se deem mal, para que lésbicas, independentemente do grau de "feminilidade", percam algum direito, passem por algum perrengue na vida, tenham o direito de ser quem são e ditar ao mundo quem são de alguma maneira tolhido, jamais desejam absolutamente nada de ruim a qualquer lésbica que seja, pelo contrário, costumam vociferar contra a homofobia tanto masculina quanto feminina e ainda sim são, sabe-se lá o porquê, odiadxs por boa parte das ditas lésbicas butch masculinizadas que se dizem radfem 
(faço questão de fazer esse detalhamento observatório pois boa parte das lésbicas ditas femininas que conheci acham absurdos os argumentos transfóbicos por parte das radfems; assim como não são obviamente todas as butch que têm interesse no discurso transfobico e nem se identificam como feministas, além do que existe também um pequeno grupo de radfems que não apoiam a transfobia e ridicularizam as terfs [feministas radicais que excluem pessoas trans]).
Enfim, realmente não entendo a razão de tanta transfobia de uma parte dos lgbt que também estão sujeitos ao ódio irracional. Todo o discurso sobre como não existe homem de vagina, além de transfobico, lotado de determinismo biológico e cisgenerista, é também muito ofensivo.
Uma linda lésbica butch fotografada
no lindo projeto da Meg
Existe uma tremenda desonestidade intelectual em confundir uma lésbica masculinizada com um homem trans, ou dizer que a linha que divide uma coisa da outra é tênue.
Primeiramente que uma mulher lésbica masculinizada é apenas uma fulana que não se submete e não se identifica com aquilo que a sociedade espera de uma mulher, não consegue se adaptar a aquilo que a sociedade patriarcal designou como feminino e por isso traz alguns "símbolos de masculinidade" para sua vida. 
Casal de lésbicas butch: elas
não querem ser homens nem
sofrem disforia de gênero
NO ENTANTO, essas mulheres NÃO sofrem de disforia de gênero, elas não sofrem por ter uma vagina e útero, elas não DETESTAM ter ovários, elas não se entristecem em menstruar, elas não sofrem em ter um nome feminino e serem chamadas por ela, ELAS JAMAIS desejariam ter barba na cara, cintura de homem, porte físico de homem, voz de padrão masculino, cabelo no peito, nome do tipo Roberto/José, rosto masculino ou olhar para a própria genitália e enxergar lá pênis e testículos, AO CONTRARIO dos homens trans, pra quem tudo isso é muito significativo, e SOFREM em ter um corpo designado como feminino e ODEIAM com todas as forças terem nascido no sexo feminino. Sim, isso acontece e se chama transexualidade.
A própria Cássia Eller, por muitos considerada masculina, e sem muito jeito pra ser "feminina" conforme os padrões da sociedade, se dizia feminina, ou seja, jamais que ela seria um homem trans, pois ela não tinha problema em ser uma mulher, em ser chamada de Cassia e ser reconhecida como tal, ao contrário do que aconteceria se ela tivesse sido um homem trans. Portanto, é de muito mau tom confundir uma coisa com outra.
Outro detalhe crucial para desmistificar o mito de que lésbicas masculinas e homens trans podem ser colocados no mesmo balaio é que ao contrário de mulheres lésbicas, nem todos os homens trans têm interesse em manter relações afetivas ou sexuais com mulheres exclusivamente.
"Just call me sir", "me chame
de senhor", diz camiseta
deste homem trans
Sim, muitos homens trans são bissexuais, outros assexuais, outros de fato só querem romance ou sexo se for com mulheres, e já vi um inclusive que se dizia gay. Sim, o coitado vivia tendo que justificar porque namorava com homens se também tinha se transformado em homem, já que seria mais fácil ter continuado como mulher para obter a atração dos homens e sofrer menos preconceito. No entanto, ele foi enfático em dizer que nunca se identificou como mulher, nunca gostou de ter aparência e corpo feminino, e no entanto nunca se apaixonou por mulheres, nunca quis nada com nenhuma delas e sempre foi muito sincero em relação aos seus sentimentos pelos homens e em todos os seus relacionamentos com homens.
Muitas radfems posicionam-se claramente contra as pessoas trans e seus direitos, dizendo que gênero não existe, mas é de se espantar que com esse pensamento elas tenham a coragem de se considerar feministas, pois como ser feminista sem antes reconhecer que existem papéis de gênero moldando nossas personalidades e nosso modo de se relacionar com o mundo e sem admitir que existe um GÊNERO que oprime o outro?
É também de se espantar que as que mais dizem não acreditar que gênero existe e que transexuais são mulheres são as primeiríssimas a terem uma ânsia de classificar as trans em alguma categoria, em algum rótulo, e também as primeiras a se sentirem no direito de inquirir as pessoas trans sobre o gênero e corpo delas.
Continuo vendo muitas feministas com o determinismo biológico e genético na ponta dos dedos para ditar o que é ou não uma mulher. Acho isso tão contraproducente, pois desde quando é possível dissociar a figura da mulher como conhecemos dos seus marcadores sociais, históricos e culturais para considerarmos apenas a biologia?
Ainda mais considerando que nossa vida hoje é basicamente 80% artificialidade?

terça-feira, 9 de maio de 2017

"COM A BIOLOGIA NÃO SE BRIGA", DIZEM TRANSFÓBICOS

Num post bastante polêmico que, pra variar, gerou vários comentários preconceituosos, apareceu a Maria Caladora para rebatê-los. Ela explica por que a máxima "Com a biologia não se briga" não funciona muito bem como justificativa para a transfobia. 

Com a biologia não se briga, biologia não oferece espaço para contestações, certo? Por exemplo, não posso lutar contra o fato de que preciso do oxigênio em meus pulmões para estar viva. Os seres humanos que viviam nesse planeta há 50 mil anos também precisavam de oxigênio em seus pulmões tanto quanto os de hoje, e antes mesmo dos nossos ancestrais existirem, todos os demais mamíferos precisavam de oxigênio em suas correntes sanguíneas para existirem e isso não está aberto para contestação, pois é absoluto e, ao contrário da sociedade, não muda nem com o passar de centenas de milênios.
Agora, se o patriarcado merece ser explicado através da biologia e se a biologia é o que realmente pode determinar a vida das mulheres, e de quem é mulher, então a brecha para a justificava de todas as opressões está aberta. Se só biologia conta, poderíamos dizer que lésbicas e mulheres bissexuais não existem e são mulheres hétero em negação. Pois somente de uma relação pênis-vagina pode haver possibilidade de reprodução, e a finalidade primordial da sexualidade e de nossos impulsos sexuais é na verdade a reprodução. [Nota da Lolinha: E, de fato, tá cheio de gente que diz isso].
Se somente biologia vale, poderia também dizer que homens homossexuais, bissexuais, dissidentes da heteronormatividade absoluta também não existem e nem deveriam existir, pois um homem com outro homem não irá se reproduzir. 
Se determinismo biológico é o que realmente conta, então poderíamos dizer que mulheres que sofrem violência doméstica têm mais é que sofrerem caladas e aceitarem as agressões, pois na biologia o macho bate porque simplesmente pode e é normal agressões ocorrerem quando animais ficam agitados e irritados e o que vale é a lei do mais forte. Ou seja,quem é mais fraco que se cuide. 
Poderíamos também dizer que não existe estupro, porque biologicamente o macho faz valer a sua vontade e impulsos e cabe a fêmea se defender e evitar sozinha que ele consiga consumar o estupro.
Poderíamos afirmar que estudos que indicam que homens são mais inteligentes que mulheres porque obtiveram melhor resultado em média numa certa atividade estarão corretos se essa for a conclusão de um bando de biólogos.
Poderíamos afirmar que assédio sexual não existe e que mulheres não podem reclamar de terem seus corpos tocados contra a vontade por homens, se biólogos nos garantirem que isso é mera biologia e 'instintos' biológicos que os homens não conseguem conter.
Pode-se afirmar que se biólogos conduzirem um teste e determinarem que brancos são mais inteligentes que negros, por uma simples questão de média de QIs, esse estudo será verdadeiro e não poderá ser jamais chamado de racista e discriminatório porque a única coisa que nos interessa, afinal, é a biologia. 
Quando tenta-se justificar a vida através da biologia e simplificar toda a existência humana através de um fator exclusivamente biológico, então não podemos reclamar do que parece injusto, não é mesmo? 
Pois o determinismo biológico que justifica que mulheres transexuais não são mulheres e sim impostoras é o mesmo que abre brecha pra todos esses discursos 'naturalizadores de opressões' e não apenas para aqueles que nos convém, na hora que nos convém. 
Ressaltando que justiça, ética, direito, responsabilidade e civilidade não são conceitos biológicos, e sim conceitos derivados da racionalidade humana. 
Se tudo que existe, para ser real, precisa de um caráter positivista e estritamente biológico para existir, então eu poderia afirmar que a língua portuguesa é uma grande mentira e ao invés de estarmos nos comunicando através dela por aqui estamos todxs delirando e fantasiando. 
Sim, pois a língua portuguesa não tem nada de fenômeno biológico. Ao contrario do oxigênio sempre tão indispensável à existência humana, a língua portuguesa há mil anos sequer existia; aliás, bastaria eu ter nascido e me criado na Noruega para não ter nenhuma noção de português. Ou seja, falar português não é um fenômeno genético, não há nada nos genes humanos que dê a uma pessoa a capacidade de falar português. 
Poderia eu a partir daí concluir que a língua portuguesa não passa de um mero engodo e que estamos então fantasiando coletivamente sua existência já que ela não é produto da biogenética? 
Pois é bem isso que os conservadores misóginos e as radfems estão dizendo a respeito dos gêneros dos transgêneros. 

terça-feira, 26 de julho de 2016

O QUE INCOMODA VCS NÃO É A NUDEZ PÚBLICA

Numa sociedade em que mulheres são objetificadas, o que choca é sermos donas dos nossos corpos

Titia deixou um comentário lacrador no post sobre performance arte.

Mulher que fica pelada sem ser como objeto pra macho punhetar tá errada, é obscena, é louca, protejam as crianças desse horror! (embora no caminho pra performance tenha passado por um outdoor da Playboy com uma mulher pelada e nem aí pras criancinhas).
Pessoas reclamando de nudez pública, por quantos outdoors da Playboy, adesivos de carro pornográficos, revistas eróticas expostas na banca de revista, cartazes com peitos siliconados quase pulando pra fora da blusa vocês passaram sem nem piscar? Eu lembro que quando eu era criança, havia propagandas de boates de striptease com mulher pelada pra todo lado e ninguém corria pra fechar meus olhos e me proteger do horror. 
Uma marca sei lá de quê botou nos outdoors a metade inferior do corpo de uma mulher nua cobrindo a genitália com as mãos. Uma marca de biquíni fez um comercial literalmente com gente pelada. Outra vez botou no outdoor a bunda de uma travesti e, que engraçado, ninguém ligou, ninguém quis proteger as crianças disso. Sem contar os catálogos de lingerie com beldades enfiadas em lingeries transparentes. Aliás, toda essa publicidade softcore porn nunca causou tanto mimimi quanto a performance dessa moça que se depilou em público.
Artista nua performando: escândalo
Ah, e não esqueçamos as clássicas propagadas de cerveja! Loiras bundudas em posições claramente sexuais que as reduzem ao objeto de um punheteiro babão, mas isso também não é problema. Opa, comercial em que os sujeitos ficam invisíveis, passam a mão nas mulheres em público, invadem o vestiário e tiram a roupa delas à força? Problema nenhum! Problema é uma artista performática tirar a roupa e ser depilada na frente da porra do museu de arte contemporânea onde já ocorreram outras performances que envolviam nudez.
Mulheres protestando numa marcha
das vadias: incômodo
O que incomoda vocês não é a nudez pública, mas a nudez que não objetifica. Mulheres objetos nuas, na cabeça de vocês, são inofensivas e não fazem mal às crianças; mas a nudez da mulher como sujeito, essa sim os apavora e traumatiza as crianças. E eu tenho que perguntar a quem achou que a performance não era adequada pras crianças, por que não as levou pra outro lado do museu onde elas simplesmente NÃO IRIAM VER a performance? Quer dizer, se tem uma montanha no meio do caminho, vamos removê-la do lugar com as mãos ao invés de contorná-la? Pra que fazer do jeito simples quando se pode complicar, né?
Quanto ao mimimi de quem teve nojinho da depilação, que novidade! Revistas femininas nos anos 90 já diziam que você deve estar sempre impecável pro seu ómi, mas jamais deve deixa-lo ver como você fica bonita. Nada de traumatizar o bonitinho depilando as pernas, escovando os dentes, fazendo escova no cabelo, botando cremes no rosto às vistas dele. Hominhos devem viver no mundo de fantasia de que sua mulher não é humana sem ser perturbado. 
Não é com esse backlash [retrocesso, ataque] inútil que estamos vivendo hoje que os machochos desse país iriam encarar um banho de realidade como gente grande, né? Fodam-se eles, pois. Tá na hora das criancinhas barbadas do Brasil crescerem e virarem gente.