quarta-feira, 29 de junho de 2022

NÃO VÃO CONSEGUIR ENGANAR AS MULHERES

Como era previsto, o pior governo de todos os tempos, desesperado porque sabe que perderá as eleições de outubro, fará de tudo para engatar sua pauta de costumes.
Para tentar tirar a atenção da CPI do MEC, que irá investigar a corrupção do ex-ministro terrivelmente evangélico por quem o presidente botava a cara no fogo, o governo quer lançar uma CPI do Aborto. Em vez de falar sobre algo concreto, como corrupção e gastos astronômicos do cartão corporativo, quer tentar incriminar uma menina de 11 anos, sua mãe, a procuradora que permitiu que a garota fizesse um aborto legal, os médicos, as jornalistas do Portal Catarinas e Intercept Brasil que expuseram o caso (se não fosse por elas, a menina ainda estaria presa no abrigo para que não pudesse abortar, ou talvez já tivesse morrido por complicações na gravidez), as parlamentares de esquerda, as feministas, enfim, qualquer pessoa ou instituição que possa servir de alvo do Gabinete do Ódio.
Ontem foi o primeiro passo dessa agenda. Foi feita uma audiência pública, praticamente só com figuras conservadoras e "pró-vida" (só enquanto estão dentro do ventre), para discutir uma nova norma técnica sobre atendimento ao aborto legal do Ministério da Saúde. O governo, contrariando uma lei de mais de 80 anos (já que o aborto é permitido por lei em casos de estupro desde 1940), quer proibir o aborto em todos os casos. E, para tal, insiste na mentira de que não existe aborto legal, que todo aborto é crime, só que em alguns casos a mulher que aborta não é punida. É um discurso típico de quem odeia as mulheres e quer controlá-las.
A hipocrisia dos "pró-vida" mais uma vez veio à tona com dois casos recentes: o da menina de 11 anos e o da atriz Klara Castanho. Uma youtuber bolsonarista e dois colunistas de fofocas, todos asquerosos, revelaram que a jovem atriz global doou seu filho recém-nascido à adoção. Classificaram isso como "abandono de incapaz". Klara teve que reviver todo o seu trauma e contar a sua história: foi estuprada, só descobriu que estava grávida muito depois (apesar de ter tomado a pílula do dia seguinte), deu à luz e, cumprindo todos os trâmites legais, que não são poucos, encaminhou o bebê à adoção. Já no hospital, uma enfermeira a ameaçou, dizendo "Imagina se um colunista descobre o que você está fazendo". Um show de horrores.
Então lembrem-se do caso de Klara da próxima vez que um pró-vida te falar que, se a menina ou mulher não quiser ter o filho, é só dar pra adoção. Vejam como os reaças (que não dão a mínima pras mulheres, pras crianças, pros bebês) tratam uma mulher que não abortou e fez exatamente o que eles mandam fazer.
A propósito, lembram da menina de 10 anos que, em 2020, teve que sair do Espírito Santo, escondida, para realizar um aborto a que tinha direito num hospital em Recife? Ela havia sido estuprada pelo tio (um exame de DNA comprovou isso e o tio foi condenado a 44 anos de prisão). Ela corria risco de morrer se prosseguisse com a gestação (dois casos em que o aborto é permitido). Ainda assim, a extremista Sara Winter divulgou seus dados e o hospital em que a menina faria o aborto. Ela foi recepcionada aos gritos de "assassina". Ela teve que mudar de identidade e de endereço. Está num programa de proteção para que os "pró-vida" não a matem.
Recomendo muito o editorial que o Portal Catarinas publicou hoje sobre a audiência de ontem. O título não poderia ser mais propício: "Audiência pública sobre aborto vira espetáculo de ódio às mulheres", com direito a tratar a pílula do dia seguinte como abortiva (eles falam o mesmo sobre contraceptivos), e de chamar aborto legal de estupro médico ("Numa violação sexual a mulher é roubada de sua pureza, nesse estupro médico é roubada a sua maternidade", disse um reaça de alguma associação anti-mulher, quero dizer, "pró-vida").
E recomendo também o belo discurso de 10 minutos da deputada federal (Psol-SP) Sâmia Bomfim. Concordo muito com ela: somos nós mulheres que vamos mandar este governo e todos os seus asseclas para a lata de lixo da história.
Assim como Bolso quebrou a cara acreditando que subindo o valor do auxílio dado aos mais pobres (auxílio que, durante décadas, ele chamou de bolsa-esmola) ele compraria seus votos, os reaças também ficarão surpresos ao perceber que, no caso da menina de 10 anos do Espírito Santo, a maior parte da população ficou ao lado dela e condenou a reação dos carolas. Neste caso da menina de 11 anos de SC, só os mais conservadores acharam correta a atitude da juíza (prender a menina num abrigo para que não pudesse abortar). No caso de Klara, quase todo mundo rechaçou a youtuber bolsonarista e os colunistas de fofocas.
A maior parte da população é a favor do direito ao aborto em caso de estupro, risco de morte para a gestante, e se o feto for anencéfalo. A maior parte da população acha horrível que uma menina de 10 ou 11 ou 14 anos seja forçada a ser mãe. O que o padre de extrema-direita Paulo Ricardo e o atual residente do inferno Olavo de Carvalho disseram numa live num outro caso emblemático (aquele de 2009 da menina de 9 anos grávida de gêmeos, em que o arcebispo excomungou os médicos, as feministas, a mãe da menina, todo mundo menos o estuprador) -- de que "ter um bebezinho é o sonho de toda menina, é por isso que brincam de boneca, se tiver um bebezinho direto já salta a etapa da boneca" -- está longe de ser a opinião da maioria.

Felizmente, o brasileiro médio não é tão conservador, ignorante, misógino e oportunista como o bolsonarista médio. Quem achar que vai conseguir enganar as mulheres (60% das quais reprovam o governo Bolso com todas as forças) vai se dar mal.

segunda-feira, 27 de junho de 2022

SILVIO É CAMPEÃO PANAMERICANO VETERANO DE XADREZ!

Ontem à tarde acabou em Floripa o campeonato panamericano de xadrez para senior (entre 50 e 64 anos) e veteranos (65 anos pra cima, ou pra quem faz 65 até o final deste ano). E o Silvinho ganhou o torneio e foi campeão! Estou nas nuvens!
Com essa conquista inédita em sua carreira de quase 52 anos de xadrez, Silvio conseguiu também o título de Mestre Internacional, que é vitalício.
Publico a homenagem de seu grande amigo Wagner Madeira, também enxadrista, também de Osasco, SP (aí na foto com o Silvio).

Sílvio Cunha Pereira é o mais novo mestre internacional brasileiro. Aos 64 anos, sagrou-se campeão panamericano sênior, em Florianópolis, ao empatar a nona e última rodada. Invicto, com cinco vitórias e quatro empates.
Há mais de cinquenta anos Sílvio tem se destacado no cenário enxadrístico nacional. Quando desponta, no início dos anos de 1970, era um dos melhores enxadristas infantis do Brasil, ombreando na época figuras de proa como Herbert Carvalho, Rubens Filguth, Cícero Braga e os Jaimes, Chaves e Sunyê.
Desde cedo, seu estilo agressivo, de jogador de ataque, lhe conferiu o respeito de quem quer que fosse no país. Ganhava com frequência partidas memoráveis dos mestres brasileiros Hélder, Rocha, Herman e Segal. Respeitado e temido. Para nós de Osasco, era a nossa marca, nossa bandeira desbravadora. Era o “Silvão”, osascão como nenhum outro.
Se havia um mate a ser desvendado, um diagrama, lá estava ele a descobrir a solução mais elegante e surpreendente. O tempo foi passando, veio o amadurecimento do seu jogo. Passa a saber onde colocar as peças, de acordo com o que pedia a posição, seja no meio-jogo ou no final. Já era, em suma, um mestre, faltava-lhe apenas a formalidade do título da federação.
Fiel como ninguém às suas convicções, nunca se preocupou demais com as aberturas, para o horror dos jogadores atuais, obsessivos em acertar uma “prep”. Nesse quesito, seu repertório pouco mudou, na certeza que a verdade é buscada no tabuleiro e não nas enciclopédias ou bancos de dados dos computadores.
Não é exagero dizer que, em sua exitosa carreira, construiu uma filosofia do jogo de xadrez. Exuberantemente tático quando jovem, vai amadurecendo com o tempo uma compreensão maior, estratégica em toda a linha. Despontam, em suas partidas, a beleza e a harmonia clássicas, em que as partes se conjugam de forma magistral na configuração do todo das 64 casas. É assim que compreende o jogo, como enxadrista e professor.
Ganhou todos os títulos possíveis por equipes representando Osasco. Faltava-lhe um título individual de peso. Esse dia, finalmente chegou, mestre Sílvio. Ninguém merece mais do que você.
Na velhice, quando naturalmente os enxadristas perdem rendimento, Sílvio segue jogando em alto nível. O tempo lhe trouxe sabedoria. Foi e continua sendo um exemplo para todos nós, velhos e novos enxadristas de Osasco e do Brasil. A História registra seu maior feito hoje, 26 de junho de 2022. 

Silvio jogando xadrez numa praça em Santiago do Chile, em 2018
 
Mas tudo começou lá atrás. De calças curtas, óculos fundo de garrafa (nada mais clichê para um enxadrista...), inábil para jogar futebol no período do tricampeonato mundial em 1970, teimou buscar em outra arte seu espaço de criação, ao trocar os campinhos pelos tabuleiros, num cenário improvável, a suburbana e operária Osasco.

A felicidade, muitas vezes, é algo impalpável, fugaz. Mas não nesse caso, o título conquistado coroa uma carreira de sucesso e é vitalício. Todos que tiveram a ventura de conhecê-lo, sejam como companheiros de clube de xadrez ou de equipe, alunos ou adversários, de algum modo torceram por ele na longa trajetória de meio século. Sabem que ele merece. É de se supor que estejam todos rindo e comemorando, a uma só voz: o provecto Sílvio Cunha Pereira é o mais novo mestre internacional de xadrez!

Silvio em Detroit, EUA, dando uma simultânea em 2008

sexta-feira, 24 de junho de 2022

RETROCESSO GIGANTE NA QUESTÃO DO ABORTO

Hoje foi mais um dia exaustivo. Primeiro, Bolso disse ontem à noite, como uma cortina de fumaça para abafar a nova pesquisa Datafolha (que segue mostrando que Lula ganha no primeiro turno), e também para agradar seu gado, que era "inadmissível falar em tirar a vida desse ser indefeso", independente "se está amparada ou não pela lei". 

Obviamente o símbolo-mór da preocupação com a vida (aquele que disse "E daí?" ao ser indagado sobre brasileiros mortos por covid) se referia à menina de 11 anos que foi estuprada, engravidou, foi colocada num abrigo durante sete semanas por uma juíza e promotora para ser impedida de abortar, e, finalmente, quando todo o caso sórdido veio à tona, graças ao trabalho de jornalistas corajosas, conseguiu interromper a gestação. 

Mas lógico que esse não foi o fim do caso. Bolsonarentos vem fazendo de tudo para expor a menina, como fizeram em outro caso célebre em 2020, quando Sara Winter vazou o hospital em Recife em que uma menina de 10 anos abortou, e um coro de fundamentalistas cristãos que amam crianças (no ventre) puderam fazer coro de "assassina! assassina!" para uma criança de 10 anos.

Inventaram e estão espalhando a fake news (eu pelo menos não acredito em nada que eles falam) que essa menina de 11 anos engravidou não através de um estupro, mas de um relacionamento consensual com um garoto de 13. É incrível como eles fingem não ver nada de mais numa menina de 11 anos (10 quando engravidou) ter um filho. Como se não houvesse risco de morte para uma criança parir! 

Depois o presidente que é tão contra o aborto que diz que cogitou abortar quando a esposa estava grávida de Jair Renan informou que solicitou que "apurem os abusos cometidos pelos envolvidos nesse processo que causou a morte de um bebê saudável com 7 meses de gestação, da violação do sigilo de justiça e do total desprezo pelas leis e princípios éticos, à exposição de uma menina de 11 anos". É muito cinismo, né? O Gabinete do Ódio é que vem expondo a vítima! A menina tentou abortar quando estava com 20 semanas e dois dias de gestação, mas foi jogada num abrigo!

Essa bravata de Bolso visa aterrorizar as jornalistas do Portal Catarinas e Intercept Brasil (que noticiaram o caso), os médicos, os juízes e procuradores que autorizam abortar como manda a lei. É só pra assustar. Assim, da próxima vez que uma menina de 10 anos procurar um hospital de referência em aborto legal, os médicos vão mandar que ela busque uma autorização judicial, temendo represálias (exatamente o que aconteceu desta vez). E dessa forma, gerando pânico, prometendo investigar e punir quem faz aborto previsto em lei, tenta-se criminalizar o aborto em todas as suas formas.

Agora à noite, numa das hashtags mais cínicas que eu já vi, o Gabinete do Ódio pede uma CPI do aborto. Não, não uma CPI do MEC, mas do aborto! Isso na mesma noite em que vazou o áudio do ex-ministro do MEC falando no celular com uma de suas filhas e revelando que Bolso ligou pra ele no dia 9 pra avisar que tinha um "pressentimento" de que o sinistro sofreria uma busca e apreensão em sua casa! Deu um tempão pro sinistro queimar todas as provas comprometedoras de corrupção. 

Porém, o mais sério hoje foi a decisão desastrosa da Suprema Corte dos EUA em revogar o caso Roe vs Wade, de quase cinquenta anos atrás. Já era esperado -- o rascunho dessa aberração havia vazado em maio --, mas mesmo assim é um choque e representa um retrocesso gigantesco não só pras mulheres americanas, mas pro mundo todo. Por exemplo, na Colômbia, que ainda está comemorando a vitória do primeiro presidente de esquerda de sua história, o presidente atual procura de todas as formas derrubar a sentença que descriminalizou o aborto (em fevereiro). Aqui também, podem ter certeza, os reaças devem estar vendo o que mais podem destruir no quesito "direitos das mulheres, negros e LGBT" antes de terminar o mandato do Coisa Ruim.

Mas a decisão dos EUA automaticamente faz com que metade dos estados proíbam o aborto (ou o restrinjam ao máximo) em todos os casos. Vários estados já contam com "trigger laws" que entrarão em vigor imediatamente. Em alguns, a pena para aborto será maior que para estupros ou assassinatos. 

Os EUA são um país com dimensões continentais, como o Brasil. Isso quer dizer que uma mulher do Tennessee, por exemplo, que quiser abortar, terá que percorrer distâncias imensas para chegar a um estado como Michigan, que continuará permitindo o aborto. E querem saber algo que é puro Gilead? Esses estados retrógrados farão de tudo para impedir o "turismo de aborto", ou seja, que uma mulher atravesse a fronteira para interromper a gravidez. Vale coletar informações com empresas de aplicativos para saber quando as mulheres estão no seu período fértil. Vale fazer testes de gravidez antes de deixar que uma mulher saia do estado.

Alguma dúvida que é tudo sobre o controle do corpo da mulher? 

E ainda temos que ouvir um colunista reaça do Washington Post e comentarista da Fox News escrever que todos deveriam agradecer Donald Trump hoje, porque foi ele que armou uma Suprema Corte conservadora. Não é irônico? Imaginem a vida de playboy que o Trump viveu e ainda deve viver, com quantas mulheres o cara já transou. Imaginem se ele usa camisinha. Imaginem quantas mulheres devem ter engravidado. Imaginem quantos abortos ele já deve ter pago. Pois bem. É esse o "maior presidente pró-vida da história dos EUA".

Se houver o mínimo de justiça, em breve tanto Trump quanto Bolso estarão na cadeia. Mas o estrago que já fizeram e farão até lá é incalculável. 


quinta-feira, 23 de junho de 2022

MAIS UM SIGILO DE UM SÉCULO: O QUE QUEREM ESCONDER?

O absurdo de hoje é que o Metrópoles pediu, via LAI (Lei de Acesso à Informação), dados sobre os processos administrativos disciplinares (já concluídos) dos agentes da Polícia Rodoviária Federal que transformaram um camburão numa câmara de gás improvisada e lá mataram Genivaldo de Jesus Santos, em Umbaúba, Sergipe -- e a PRF negou.

Alegou que a investigação foi classificada como "informação pessoal". Dessa forma, há um sigilo de cem anos. Mais um!

Típico do governo da morte, da corrupção, da total falta de transparência. Felizmente faltam pouco mais de três meses pro Brasil por fim a essa palhaçada de sigilo de 100 anos pra tudo que é crime e falcatrua. Chega! Lula precisa vencer as eleições e abrir todos esses sigilos, para que Bolso e seus capangas sejam punidos por tudo que estão fazendo. 

quarta-feira, 22 de junho de 2022

HORROR: JUÍZA PÕE MENINA DE 11 ANOS NUM ABRIGO PARA IMPEDI-LA DE ABORTAR

Desculpem demorar tanto para escrever sobre isso, mas falta tempo. E vontade também. Parece que só tem tragédia acontecendo ultimamente: Genivaldo morto numa viatura que serviu como câmara de gás, a execução de Dom Phillips e Bruno Pereira, a procuradora Gabriela que foi espancada pelo colega covarde em Registro... Tudo isso e muito mais no Brasil de Bolsonaro num prazo de um mês.

Mas o escândalo da semana parece ter sido desencadeado por uma ótima reportagem colaborativa entre o Portal Catarinas e Intercept Brasil, assinada por Paula Guimarães, Bruna de Lara e Tatiana Dias. Uma menina de 10 anos foi estuprada. Quando ela e sua mãe descobriram a gravidez, foram ao Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, ligado à UFSC. A menina estava grávida de 22 semanas e dois dias. Por algum motivo inaceitável, a equipe médica não aceitou realizar o aborto. Disse que só realizaria o procedimento até a vigésima semana, e que a família teria que trazer uma autorização judicial. Cada semana aumenta o risco que a garota enfrenta, já que sua estrutura física é frágil para prosseguir com uma gestação (e a gestação não para pra esperar decisões da justiça).

Dois dias depois da ida ao hospital, o Ministério Público catarinense mandou a menina para um abrigo, “até verificar-se que não se encontra mais em situação de risco [de violência sexual] e possa retornar para a família natural”. A promotora Mirela Dutra Alberton, do MP, reconheceu que a gravidez era de alto risco.

Em despacho, a juíza Joana Ribeiro Zimmer, então titular da Comarca de Tijucas, declarou que tomou a decisão pelo abrigo para garantir a proteção da menina em relação ao agressor. Porém, ela elencou outra razão: “Salvar a vida do bebê”. Em outras palavras: uma menina de 10 anos foi posta num abrigo, longe da mãe e da escola, para que fosse forçada a seguir com uma gravidez indesejada, fruto de estupro. Mesmo que o aborto nesses casos seja permitido por lei!

No dia 9 de maio houve uma audiência judicial, e partes do vídeo chegaram ao Intercept. O que se vê é um show de horrores comparável àquela audiência icônica em que o advogado do réu ataca violentamente Mari Ferrer, vítima de um estupro, e o juiz e promotor se calam. Pelo vídeo da audiência ter vazado é que temos, há mais de um ano, a Lei Mari Ferrer, uma grande conquista das mulheres. Mas mesmo a Lei Mari Ferrer não impediu que uma menina de 10 anos, completando 11, fosse agredida pelo Estado que deveria protegê-la.

(No Twitter, uma moça chamada Michelle Barouki apontou: "Não pensem que é mera coincidência o caso Mariana Ferrer e o caso dessa menina de hoje ocorrerem em Santa Catarina. É um reflexo da sociedade catarinense e o que ela pensa sobre estupro, meninas, mulheres e gravidez").

Na audiência de 9 de maio, a juíza Joana faz uma série de perguntas absurdas à menina: "Você tem algum pedido especial de aniversário? Se tiver, é só pedir. Quer escolher o nome do bebê?". A garota responde "não". Afinal, ela não quer o bebê! "Você acha que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção?", indaga a juíza, referindo-se a um estuprador! Desde quando um estuprador pode decidir alguma coisa?! A menina diz "Não sei".  

“Você suportaria ficar mais um pouquinho com o bebê?”, quer saber a juíza. A promotora Mirela também defende a manutenção da gestação. “Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele". Não sabemos quais vídeos anti-aborto a promotora tem visto, mas não é assim que acontece (aliás, especialistas afirmam que seria muito menos perigoso para a vida da menina tomar medicamentos abortivos do que ter que se submeter a uma cesariana. E não estamos nem falando da parte emocional). A mesma promotora está envolvida em outro caso horrível em Santa Catarina, o de uma quilombola que perdeu a guarda das duas filhas em 2016, "em um processo recheado de termos racistas, sexistas, e violações dos direitos quilombolas", como reportou o Portal Catarinas.

Numa audiência com a mãe da menina, a juíza Joana, depois de dizer que o aborto depois de um certo prazo "seria uma autorização para homicídio" prega: “Hoje, há tecnologia para salvar o bebê. E a gente tem 30 mil casais que querem o bebê, que aceitam o bebê. Essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal”. A mãe responde: “É uma felicidade porque não estão passando pelo que eu estou passando”. E implora a juíza para deixar a menina sair do abrigo e ficar com ela. A juíza nega. Um trecho de sua sentença pontua: “O fato é que, doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”. 

Só ontem, após toda a repercussão do caso, depois da menina passar sete semanas sequestrada num abrigo, é que ela foi liberada, agora na 29ª semana de gravidez. Ainda não se sabe o que a família fará (e é melhor que ninguém saiba mesmo, pra fundamentalistas não atacarem a menina).

A socióloga Tabata Tesser, integrante da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, declarou numa entrevista: "Cada dia mais é um risco de morte para a menina. Interromper esta tortura é o mais urgente". E realçou: "O aborto legal não é crime. Parece redundante dizer isso, mas o que temos visto é jurisdições se baseando em opiniões e em cunho fundamentalista. A tarefa da justiça deveria ser garantir que crianças não pudessem ser mães depois de passar por inúmeras violências, não passar um mecanismo de tortura do Estado".

Já a advogada criminalista Tania Maria de Oliveira, coordenadora executiva da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia), condenou toda a postura do juizado: "Uma instituição não pode criar regras que sejam contra a legislação. Essa menina foi vítima de uma série de ilegalidades neste processo, em prejuízo da infância". Ela tampouco absolveu de culpa o hospital: "O Código Penal não cita um prazo para a realização do aborto legal nos casos previstos em lei. Não fala em semanas. Isso não existe. Essas interpretações são invenções de instituições médicas. Qualquer mulher que passou por um estupro tem esse direito".

Os fundamentalistas cristãos que estão no poder são contra a educação sexual nas escolas e a favor do homeschooling e alegam que tudo que fazem é para proteger as crianças. Mas não todas as crianças. As não nascidas são infinitamente mais valiosas que as meninas de 10 anos. Parece que a preocupação é proteger o estuprador, os familiares que estupram, garantir o direito do estuprador ser pai. Na realidade, fundamentalistas são contra as mulheres decidirem e terem direito sobre seus próprios corpos. O resto é mentira. Se tiverem dúvida, basta ver como tratam meninas de 10 anos que foram estupradas e engravidaram: trancando num abrigo ou gritando "Assassina" pra uma que conseguiu abortar em outro estado!

Dá muita raiva! E a gente assinando petição exigindo o afastamento da juíza Joana Ribeiro Zimmer. Aí a gente descobre que ela já foi afastada. Foi promovida! (e esta foi uma das sentenças que veio à tona, graças aos esforços de jornalistas. E as outras? Quantas outras vidas essa juíza já arruinou?). Será aberta uma investigação na Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) para avaliar a conduta da juíza, mas todo mundo já sabe o que vai acontecer, né? Nada! 

Opa, nada não! Não tenham qualquer dúvida: assim que a poeira baixar, alguma deputada bolsonarenta ou a própria Damares vai condecorar a juíza que enfiou num abrigo uma menina de 11 anos grávida que foi estuprada e queria abortar. E óbvio que se a garotinha morrer no parto foi porque Deus preferiu assim.