Num momento em que o pior governo de todos os tempos pinta servidores públicos como parasitas e inimigos da população e congela nossos salários (já congelados) pelos próximos quinze anos, acho válido apontar como somos essenciais para o país. A qualidade de vida de um país se mede pelos serviços públicos oferecidos à população.
Meu avô é analfabeto. Nunca lhe foi permitido estudar. Mas ele me criou acreditando que eu podia vencer pela educação. Dizia aos outros peões quando eu o ajudava na obra: "esse aí não vai no cabo da enxada, ele tá estudando".
Então, quando chegava em casa após subir aquele morro enorme e sentia o calor daquelas telhas de amianto, sem sequer ter uma TV pra assistir, eu cerrava os punhos e trincava os dentes. Se não tinha TV, eu tinha os livros. Eles seriam meu lazer. Assim, fiz um puta ensino médio.
Não havia dinheiro algum para pagar a formatura. Colegas se sensibilizaram e me deram um convite e a roupa, pois não havia dinheiro sequer para a roupa. Não tive familiares na formatura. Estava apenas eu, graças à solidariedade dos colegas. Eu não tinha nada. Mas eu tinha tudo. Eu tinha a bagagem daqueles três anos.
Os vestibulares foram em dezembro de 2004. No dia 03/01/2005 um primo me mostrou o edital do concurso do INSS. Eu nem tinha ideia do que era exatamente um concurso público. Li o edital. As inscrições se encerrariam no dia seguinte. Atravessei a cidade na minha bicicleta. Fui à casa de um colega fazer a inscrição, pois eu não tinha computador. Na volta, o pneu furou. Duas horas empurrando a bicicleta de volta pra casa. A prova seria dia 31/01. Eu tinha 25 dias para aprender as matérias jurídicas: previdenciário, administrativo e constitucional.
No dia seguinte à prova, 01/02, peguei a bicicleta e fui procurar trabalho. Afinal, agora eu era técnico em telecomunicações. Trabalhei um mês consertando telefone fixo. Não tinha o menor talento e fui demitido em 02/03. Ao subir o morro, um vizinho: "O resultado do INSS tá no jornal, venha ver". Meu número de inscrição estava em 4º lugar. Nossa... Naquele dia eu não tinha noção. Mas eu to chorando agora lembrando disso. Aquilo mudou minha vida. Eram 7 mil concorrentes na minha regional, com 5 vagas imediatas. Eu tava dentro.
Nossa, eu tô chorando muito enquanto escrevo, sou um chorão mesmo, rss...
Voltei lá no meu aniversário. Por problemas operacionais, adiaram 6 dias. Tomei posse em 11/04/2005, com 18 anos e 6 dias. Dias depois eu já representava o INSS num evento externo. Num estalo deixei de ser apenas mais um Silva do morro pra falar pelo Governo Federal à sociedade.
A educação transforma, senhoras e senhores. Nunca desistam dela.
https://revistaforum.com.br/politica/cabo-daciolo-diz-que-facada-em-bolsonaro-foi-farsa-e-encenacao/
ResponderExcluirNão vai surpreender se inventarem outro atentado ano que vem, dessa vez um tiro de raspão, no lugar da faca retrátil. Como um réptil humanoide como Bolsonaro enfrentaria os outros candidatos em debates, um cara que dentro do cérebro tem massa marrom, com caroço de feijão e casquinha de tomate, no lugar de massa cinzenta? Ele não tem a menor chance de se sair bem. O vexame é uma comédia anunciada.
ExcluirBonita a história do Ricardo. O serviço público é cheio de história de superação. É um elevador social importante aqui no Brasil. Acho que é assim - elevador social - que a sociologia chama os meios que as pessoas comuns têm de ascender socialmente. Entendendo-se por pessoa comum quem não tenha um talento excepcional pra algum trabalho de uma rentabilidade extraordinária, como o futebol, a música, interpretação como ator ou atriz, ou outro capaz de enriquecer alguém rapidamente. Estudar exige vocação também. E os resultados também vão depender das características individuais. Mas é acessível a uma quantidade maior de pessoas. E é um direito fundamental. Pelo menos em qualquer lugar civilizado. Aqui no Brasil as pessoas pobres e de classe média contam com poucos elevadores sociais. O serviço público é um dos mais importantes e está correndo o risco de sofrer grandes restrições com a aprovação da PEC da reforma administrativa. Já deu pra perceber que é intenção do governo achatar ao máximo os salários, seja através do congelamento dos reajustes salariais dos atuais servidores, seja piorando bastante a remuneração dos futuros servidores. Sob o discurso de "precisamos modernizar o serviço público" sempre vem "o segundo maior gasto obrigatório dos governos, depois da previdência". Ou seja, pra bom entendedor, pra quem apoia o neoliberalismo e o estado mínimo, modernizar é cortar gastos, e cortar gastos é pagar mal. Com a aprovação da PEC da reforma administrativa, só as chamadas carreiras típicas de estado continuarão atraentes. As outras - a maioria - vão perder a estabilidade e acho que vão passar por um processo de desvalorização semelhante às dos bancários. Quem está na faixa dos 40 anos deve se lembrar que trabalhar no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica era o que havia de melhor nos anos 1980-90. Depois veio o desenvolvimento tecnológico, que automatizou um monte de trabalho, e hoje em dia ser bancário, mesmo nesses bancos ligados ao governo federal, está longe de ter o mesmo status que já teve um dia. No serviço público vai vir essa reforma administrativa e mais pra frente a tal revolução 4.0 com a inteligência artificial. Não fosse a pandemia essas transformações tecnológicas ocorreriam ainda mais rapidamente. Ela deve atrasá-la um pouco. Estamos sempre entre os 10 países mais desiguais do mundo. Somos acho que o segundo com a pior concentração de renda, e os mais pobres e os remediados vão perder ainda mais elevadores sociais. O mais revoltante é que com o apoio de quem vai sofrer as perdas. Rico não estuda pra concurso. Não precisa usar serviço público ou trabalhar nele. Nós que não somos ricos é que precisamos. Quem tem filhos, ou netos, não sei como não se inquieta com o futuro dos seus descendentes. Eles vão fazer o quê da vida pra conseguir uma renda decente, num país onde, segundo o DIEESE, o salário mínimo deveria estar em mais de R$5.400,00 por mes, onde a maioria nem isso ganha, e onde parte dos elevadores sociais do serviço público estão prestes a ser muito desvalorizados? Quem apoia esse governo devia pensar nessas coisas, antes de defender interesses que não são seus. Pertencem aos habitantes de um andar muito acima, aonde não vão chegar com os elevadores sociais disponíveis pra a maioria dos simples mortais. Aqui é a história de Antonia, uma senhora de 60 anos que conseguiu realizar o sonho de se tornar juíza. Antes ela foi oficiala de justiça, e pra passar no concurso pra esse cargo catava folhas de apostilas do lixo dos cursinhos. Outra história bonita de superação da pobreza pelo elevador social do serviço público https://noticias.r7.com/prisma/refletindo-sobre-a-noticia-por-ana-carolina-cury/apos-ouvir-que-tinha-cara-de-pobre-juiza-tem-reacao-impressionante-16022021.
ResponderExcluirLembro muito bem desses concursos do Banco do Brasil, quando eu estava na universidade, final dos anos 90. Tinha também para técnico judiciário (TJ), era comum, polícia Federal...galera comprando a Folha Dirigida, marcando os concursos. Eu nunca fiz esses concursos porque queria trabalhar na minha área de formação (Biologia), mas vários colegas meus, especialmente os mais pobres, faziam, para ter uma chance ainda que fosse difícil, de sair da universidade com um emprego. Vi muitas histórias como a do autor do texto.
ExcluirQue história bonita, me emocionei junto com o autor. Em um país tão desigual, a educação é de fato primordial para melhorar a vida das famílias de baixa renda. Alguns leriam o texto do Ricardo e diriam: "isso é meritocracia! O cara saiu de baixo, ralou, enfrentou todas as adversidades e venceu". Mas acho que na verdade a história nos mostra a triste realidade de milhões de crianças no país, e de como a educação pode transformar vidas - além de, é claro, mostrar como o Ricardo é esforçado e inteligente. Infelizmente, não é do interesse do atual governo melhorar a educação pública, nem o acesso à educação. A meritocracia só interessa a eles se for desigual, afinal, é muito fácil dizer "eu tenho/sou porque mereci" quando pouco ou nada se fez para alcançar o objetivo, em detrimento de milhões de pessoas que estão se ferrando para viver com o mínimo de dignidade.
ResponderExcluirLinda história de superação. Parabéns, Ricardo, mesmo. Me arrepio quando ouço histórias como a sua.
ResponderExcluirSó acho bom pontuar que histórias assim devem sempre ser entendidas como exceção, e não como regra. Até porque, apesar de todas as dificuldades que enfrentou, o autor ainda teve alguns privilégios, como um pai e avô que valorizavam a educação. Infelizmente muita criança periférica nem isso tem: grande parte nem sabe quem é o pai, muitas vezes não podem nem mesmo se dedicar aos estudos, pois precisam trabalhar pra ajudar a renda da casa. Muitas delas ainda sofrem algum tipo de violência. E tem a questão pessoal mesmo: talvez o autor tenha um intelecto realmente acima da média, que é algo que não se pode conquistar somente com esforço.
Certamente é muito mais fácil para uma pessoa da classe média/alta passar em um vestibular ou concurso público do que pessoas periféricas.
Eu também estudei muito no meu segundo grau, muito mesmo: fiz o vestibular pra federal da minha cidade e fiquei em primeiro lugar pro curso escolhido (engenharia mecatrônica), mas não satisfeita, passei em um dos vestibulares mais difíceis do Brasil, na minha primeira tentativa (geralmente as pessoas levam 2 ou 3 anos pra entrarem na instituição que eu escolhi). Muito foi pelo meu esforço? Certamente. Mas muito foi pelo privilégio que eu tinha de nunca precisar me preocupar com o que comer ou ajudar meus pais a pagarem as contas, ter um ambiente silencioso e preparado para estudar, acesso a todo material que eu precisasse... Inclusive, sempre tive a tranquilidade de saber que se eu não passasse logo no vestibular pretendido, poderia ficar 1, 2 ou 3 anos sem fazer nada além de estudar, e meus pais pagariam todos os meus gastos sem nenhum problema. E se no final das contas ainda assim eu não conseguisse passar, poderia tranquilamente fazer uma boa faculdade particular, pois meus pais também pagariam por ela. Nunca senti a pressão de "essa é a chance de mudar minha vida, preciso aproveitá-la"; fazer um curso superior sempre foi uma certeza pra mim.
Seria desumano dizer pra uma pessoa periférica que estivesse disputando vaga comigo - tendo que conciliar estudos com trabalho, alimentação péssima, lugar insalubre pra estudar, pressão enorme pra passar no vestibular - e dizer que "basta se esforçar que você consegue". Meritocracia é uma piada de mau gosto.
Exatamente, espero que a história do autor do texto seja distorcida por algum entusiasta da meritocracia e da ladainha"foco, força e fé".
ExcluirOpa! Sou eu de novo, o anon da 13:16
ExcluirQuis dizer espero que NÃO seja distorcida
Maldito teclado do celular
a) Infelizmente a classe média pão com ovo invejosa porque não consegue passar em um concurso massacra os funcionários públicos.
ResponderExcluirb) Já vi história lindas de superação envolvendo concursos de moradores de rua que conseguiram passar em provas meritocracia é isso.
c) Sem concursos vai ter muito apadrinhamento no setor público
c) Sem concursos vai ter muito apadrinhamento no setor público -> concordo totalmente.
Excluira) Infelizmente a classe média pão com ovo invejosa porque não consegue passar em um concurso massacra os funcionários públicos -> concordo em partes. Deve existir, sim, muita gente invejosa que critica porque gostaria de estar nesse lugar, mas também acredito que muita coisa deveria ser revista no serviço público. Existem sim carreiras que pagam muito além do merecido (esses cargos bizarros de ascensorista do congresso, por exemplo), e muito funcionário que se aproveita da irrestrita estabilidade para prestar um péssimo serviço, nunca cumprir horário, faltar com frequência. Eu conheço vários.
b) Já vi histórias lindas de superação envolvendo concursos de moradores de rua que conseguiram passar em provas meritocracia é isso -> Discordo totalmente. Meritocracia seria se todos tivessem acesso ao básico necessário pra estudar: educação de qualidade, alimentação de qualidade, moradia digna. Se as necessidades mais básicas de uma pessoa não são atendidas, enquanto outra tem acesso fácil a tudo isso, não existe meritocracia. Existe um esforço pessoal e sacrifício imensos, somado a uma capacidade fora do normal, e talvez uma boa dose de sorte. Mas essas histórias são exceções, não podem ser tomadas como "prova que existe meritocracia" e que "basta se esforçar".
A faxineira da minha mãe largou os estudos para trabalhar como empregada doméstica aos 8 (OITO) anos de idade.
Já eu, aos 8 anos estudava numa das melhores escolas particulares da minha cidade, fazia natação e balé. Não sabia nem acender o fogão ou limpar um banheiro.
Hoje meu padrão de vida é muito maior que o dela. Vai dizer que é porque eu me esforcei mais que ela?? Que eu realmente mereci e ela não?
Parte 1 : Os concursos públicos nem são o foco das "reformas estruturantes" das PECs do sinistro Paulo Guedes. As reformas que serão "as paredes do teto de gastos". O objetivo principal é achatar salários mesmo. Pra reduzir "o segundo maior gasto obrigatório dos governos, depois da previdência". Na PEC da reforma administrativa até há a pretensão de expandir o uso dos cargos comissionados. Mas como a redação original da Constituição estabeleceu a aprovação em concurso como a regra de acesso no serviço público, há uma limitação lógica na possibilidade de uso dos cargos em comissão, que é uma exceção e, como exceção, não pode tomar o lugar da regra. Acontecendo isso, os questionamentos no STF serão certos e numerosos. Vão chover ações de qualquer forma. Por isso, mesmo que essas reformas atinjam a exigência da aprovação em concurso, a tendência é elas serem consideradas inconstitucionais no STF.
ResponderExcluirParte 2: Essa a razão por que o Paulo Guedes, muito sabido - sinistro mesmo - já chegou a falar em desvincular o salário dos ministros do STF e do STJ do restante dos outros juízes. Hoje em dia existe uma vinculação. Quando os subsídios dos ministros do Supremo são reajustados, os dos outros juízes são também. Acabando-se com essa vinculação, seria possível ao governo, ou a quem o comanda, os tais mercados, comprar o apoio dos ministros do STF e do STJ a todas as mudanças da Constituição que estão por vir. Constituição e outras leis. Pelo menos é esse o raciocínio maquiavélico do sinistro da economia. Desde o governo Temer se fala em limitar os salários iniciais dos novos servidores em 5 mil reais, pros cargos de nível superior. Os de nível médio ganhariam menos ainda. E em dificultar as promoções e progressões, pra que só se chegue ao topo salarial das carreiras já perto da aposentadoria. Ou seja, depois de 30-35 anos. Essa seria a fase legal da reforma administrativa, que o governo, desde Temer, pretende fazer depois de mudada a Constituição. Aprovar leis é bem mais fácil que PECs. Imagine um professor doutor de uma universidade federal começar ganhando 5 mil reais por mês? Ou um auditor fiscal? Ou um advogado da União? Um delegado da polícia federal? Ou um oficial de justiça? Um analista do judiciário ou do ministério público? 5 mil é o valor que os mercados achavam aceitável em 2016. Mesmo reajustando pela inflação de lá pra cá, ficaria bem menor que o valor inicial atual da remuneração dessas carreiras. Mas é isso o que os mercados que controlam os governos (federal, distrital, estadual e municipal) querem, sob o argumento de que o servidor público ganha muito mais que o trabalhador da iniciativa privada, e de que isso é muito injusto. Em vez de se tomarem medidas pra fazer o país crescer, retomar a industrialização, o desenvolvimento científico e tecnológico, que também faz a economia melhorar e atrai investimentos estrangeiros (por que a Tesla vai abrir uma fábrica na Alemanha e não aqui no Brasil? Porque o Brasil investe pouco e cada vez menos em ciência e no desenvolvimento tecnológico), a receita ultraneoliberal que começou no final do governo Dilma, com o Chicago boy Joaquim Levy (Ciro Gomes chama isso de estelionato eleitoral do PT), e está e estará aí enquanto a direita e o centrão estiverem empoderados e dando todas as cartas , não propõe nada disso. Propõe cortar direitos e renda da iniciativa privada e do setor público, pra sobrar mais e ficar garantido o pagamento dos juros da dívida pública. Porque estando bom pros banqueiros e pros outros investidores, a gente deve acreditar que tá bom pro resto do país. O resto que somos mais de 99% da população. Todo um governo a serviço de uma parcela da população que não chega a 1%, além dos especuladores estrangeiros, muitos deles que nunca vão botar os pés aqui no Brasil nem pra fazer turismo. Por causa da insegurança e da violência que eles ajudaram a criar e a ficar cada vez pior, com tendência de piora. O mais revoltante é ver parcelas expressivas desses mais de 99% da população votando contra si mesma. Por causa de um monte de preconceito inteligentemente manipulado pelo 1%. É o medo do comunismo. O medo do socialismo. O não gosto de nordestino. Você é mortadela. Eu sou cochicha. O maior problema do Brasil é a corrupção. Foi o PT quem distruiu a economia. É tanta burrice e cegueira que dá nojo. Enquanto isso vamos sendo lascados pra uns pouquíssimos ganharem muito dinheiro, como Paulo Guedes e os Bozogenocidas.
ResponderExcluirQuerem é que o Brasil se foda, que o povo se foda
ExcluirCoxinha. Escrevi cochinha. Uma coxinha agora até que cairia bem. Conhecidos meus que são petistas me acham coxinha. Já os que são liberais me acham mortadela. Até o Reinaldo Azevedo abrandou o apego dele ao liberalismo... Pelo menos foi o que ele disse lá nos Galãs Feios. Eu não voto em candidato que vai empobrecer a maioria da população. Uma pena que no Brasil haja tanto masoquista.
ResponderExcluirPra quem quiser mais informações sobre a reforma administrativa:
ResponderExcluirhttps://youtu.be/aoWmqdh0Cco