A direita eleita no Uruguai continua fazendo estragos. A jornalista brasileira Patrícia García Lopes, que vive em Montevidéu e sempre colabora com o blog, conta a última.
Viver pacificamente em sociedade é e sempre foi um dos grandes desafios da humanidade. É preciso alinhar interesses, estabelecer regras, criar determinações que deverão ser seguidas para o bom funcionamento do grupo. Em grande parte das democracias do mundo, esses conjuntos de princípios se agregam dentro daquilo que chamamos “Constituição”.
Embora alguns países tenham por costume fazer deste compilado um emaranhado de ordens vagas e passíveis de serem mal-interpretadas ou contornadas, nas chamadas “democracias plenas” ela ainda é respeitada, na maior parte do tempo. Obviamente, isso não significa que pessoas mal-intencionadas não encontrem dentro da Constituição de seus países alguns mecanismos que podem ser aplicados de maneiras, no mínimo, questionáveis. É o que acontece hoje com o Uruguai e seu governo de coalizão.
Criada em 1967 e com sua última alteração em 2004, a versão mais recente da Constituição da República Oriental do Uruguai já foi utilizada outras vezes durante a história do país para justificar alguns atos contra o próprio povo. Após a retomada democrática, a exigência da população de que os políticos sigam as regras fundamentais de seu território, sem golpes, nem jogadas escusas, se fez mais incisiva e constante. Inclusive a inserção de um instrumento legal chamado “Ley de Urgente Consideración” dentro da Constituição serviu para que, em casos extremos, se pudesse também flexibilizar alguma questão pontual e de maneira justa.
A tal “LUC”, como é chamada, foi utilizada por todos os governos após a ditadura para que alguns artigos a respeito de questões urgentes, como o nome já implica, pudessem ser incluídos na Constituição, com efeito imediato. Por ser uma lei de urgência, sua utilização não ocorre a todo momento e suas alterações não são, geralmente, dramáticas para o país como um todo.
Até este ano, desde o início de sua utilização, a maior alteração já proposta por este instrumento contava com 92 artigos sobre o Regime de Passividades e foi elaborada em 1992, no governo de Luis Alberto Lacalle, pai do atual presidente. Por sua característica confusa e danosa, ela não foi aprovada pelo congresso.
No entanto, durante a campanha presidencial de 2019, o então candidato a presidência, Lacalle Pou, fez da LUC a grande estrela de sua campanha. Em um discurso quase chantagista, o candidato do Partido Nacional afirmava que tinha “um projeto muito complexo e necessário para o país”, mas que seu conteúdo só seria revelado após as eleições. Em seus comícios, Pou falava com paixão sobre as mudanças que a tal lei traria e como ela era necessária para combater “tudo isso que está aí”. Com essa proposta de mudança sem direção, Pou e seus correligionários conseguiram mexer com a mente dos uruguaios. Alguém lhes dizia que havia coisas muito, muito erradas, que eles deveriam tomar uma atitude e que a solução estava ali, bastava um voto.
Claro que, como vemos em muitos países, as ofertas de mudança sem rumo não passam de castelos no ar, que se desfazem rapidamente quando os tais “salvadores da pátria” têm que voltar para a realidade. Ao vencer as eleições e ser intimado a apresentar seu projeto, Lacalle Pou apenas argumentou que “ainda não estava pronto mas em breve todos conheceriam seu conteúdo”. Após seis meses, o projeto definitivo foi apresentado, em 9 de abril deste ano.
A LUC de Lacalle Pou é algo assombroso, não somente por suas mudanças, mas pela sua própria construção. Em 501 artigos, a coalizão, diferente de outros governos, não oferecia exatamente uma proposta de mudança em algum campo pontual, mas sim uma junção grotesca de tópicos irrelevantes para justificar o uso de tal instrumento (como as regras de produção do chorizo artesanal e a regulamentação da cessão de transmissão de jogos da seleção nacional) e tópicos delicados e polêmicos (como a liberação do porte de armas nas ruas por policiais aposentados e as prisões noturnas, que já haviam sido rechaçadas pela população no plebiscito “Vivir sin miedo”, no ano passado).
Após acelerarem os debates e pressionarem a votação urgente no congresso e senado (cuja maioria, hoje, é composta por membros dos partidos da coalizão), a LUC do Partido Nacional foi aprovada no dia 8 deste mês, com 472 artigos finais. É um feito histórico porém sombrio, onde em uma canetada apenas muitas mudanças vão acontecer em todas as áreas da sociedade uruguaia.
Embora sua aprovação tenha sido seguida de muitas sessões extraordinárias e repúdio imediato tanto da oposição quanto de organismos internacionais, como a ONU (que rapidamente manifestou sua preocupação com os artigos que envolviam abordagens físicas, mudanças nas prisões de menores e uso de força policial), a LUC tem efeito imediato e isso já começa a ser sentido pelo povo.
Além disso, com esta vitória importante, a coalizão abriu caminho para que outras propostas de Lacalle Pou pudessem ser aceitas com mais rapidez e sem tantos questionamentos, aproveitando-se da polêmica da aprovação da lei. Na sequência da LUC, e em uma das jogadas mais baixas e cruéis deste governo até agora, Lacalle Pou aproveitou-se de uma brecha da popularmente conhecida “Lei do Leite”. Criada em 2017 pelo governo da Frente Amplio, essa lei consiste na obrigatoriedade da inclusão de um copo de leite nas refeições infantis em escolas de todo país.
Como vocês podem perceber, essa lei implica na obrigatoriedade do leite, mas não inclui o restante da alimentação, parte da diretrizes de nutrição implementadas pela Frente e que garantia cardápios balanceados para os alunos de escolas públicas de todas as idades. Lacalle suspendeu essas diretrizes e retirou os alimentos das refeições escolares. Todos os alimentos. As crianças, desde o dia 13 de julho, recebem apenas o copo de leite. De um governo que, literalmente, está tirando comida da boca de crianças pobres enquanto beneficia com isenção de impostos os investidores ricos do estrangeiro, o que se pode esperar?
Mais um país caiu na lábia do "moralismo de bons costumes" e... pimba, povo se fodendo enquanto Tio Sam e seus bilionários genocidas enchem o bolso. Tudo isso porque um bando de velhos broxas e enrustidos se recusam a aceitar que o mundo não gira em torno de seus pênis minúsculos.
ResponderExcluirO desgraçado do Elon Musk admitiu. O golpe foi na América Latina toda. Os EUA nunca permitirão que isso aqui deixe de ser o quintal deles. Por isso mesmo quero mais é que Rússia e China botem pra foder nesses canalhas.
Que triste! É tão lamentável o que o nosso país e os países próximos estão vivendo que chega bate um desânimo! Espero que possamos superar todo o mal que estão nos causando, embora ache que as consequências nefastas de todas estas maldades vão nos assolar por bastante tempo. Teremos que ser fortes e aprender a conhecer-nos, além de entender que não fomos feitos apenas para nós mesmos, mas para boas causas que visem todos nós, para conseguirmos lutar para mudar o cenário em que estamos
ResponderExcluirÉ a onda da direita, já vai passar, eles não sabem governar eles destroem em nome de Deus, família e bons costumes é só ler um pouco de história, Franco na Espanha, Mussolini na Itália, Hitler na Alemanha e por aí vai. Aprender história é muito bom para não cair nessa de sair votando em qualquer ignorante.
ResponderExcluirNão dá pra ter pena do povo que elegeu isso.
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