GUEST POST: ASSÉDIO É DESTRUTIVO

A V. me enviou este email:

Lola e amigos, deixarei aqui meu depoimento sobre um episódio que vivenciei.

Aos 21 anos, estagiária no último ano de faculdade de uma multinacional da área de energia elétrica, meu "setor" era só meu chefe e eu. Nós dos dávamos muito bem, e nunca houve nenhuma situação constrangedora com ele. Já o nosso chefe (diretor da área em que nosso setor estava alocado) era um cara muito questionável. Me lembro de uma vez em que ele reuniu todos os estagiários com a desculpa de estar mais próximo de nós (éramos uns oito ou dez) e fez perguntas pessoais a todos, sobre se tinham irmãos, com quem viviam, se namoravam, há quanto tempo, etc. 

Na época, eu havia recém vivido um relacionamento passageiro, porém muito conturbado, que se encerrou após uma agressão. A pergunta sobre namorado, quando veio, foi muito desagradável para mim, por ter que relembrar dessa situação, por ter que achar uma forma de sair daquilo, por me sentir exposta diante de pessoas com quem não tinha intimidade. Já ouvíamos boatos nessa época de que ele dava em cima das meninas.

Quando meu chefe saiu de férias, eu estava com uma tarefa pendente que me tinha sido delegada pelo diretor da área. Com a desculpa de falar do caso, ele me chamava em sua mesa todos os dias. Até que num belo dia de meia-estação, fui trabalhar com uma saia acima dos joelhos, blusa de manga comprida e sapato social. Não atendia ao público, não tinha nenhuma reunião naquele dia e minhas pernas ficavam embaixo da mesa de trabalho. Mesmo assim, fui chamada na mesa do chefe.

Chegando lá, ele foi logo dizendo que eu precisava tomar cuidado com dois tipos de pessoas: "os falsos moralistas" -- fiquei sem entender -- "e os tarados".

Sim. Ele me disse que eu precisava tomar cuidado com TARADOS. Usou essa palavra. E aí foi me dizendo como eu era uma menina linda, perguntou minha idade para depois dizer: "Tenho 35, poderia ser seu pai". E aí falou que eu estava linda e elegante, mas que as mulheres não gostavam de ver mulheres bonitas como eu de pernas de fora porque isso causava inveja e intrigas, e que alguns homens não sabiam se comportar diante de pernas de fora. Ele disse que só estava me alertando porque "era seu papel me proteger".

Quando ele me dispensou, depois de muitos elogios a minha competência e aparência física, eu estava em choque.

Minha vontade era começar a chorar imediatamente. Esperei dar o horário de almoço e, como tinha uma consulta médica marcada nesse horário numa clínica que ficava em frente ao local de trabalho da minha mãe, saí correndo para chegar antes da consulta e poder encontrá-la. Chegando lá, chorei muito. Nada como ser acolhida pelo carinho de uma mãe. 
Ela ficou muito revoltada, mas tentou me transmitir calma. Falou que eu poderia largar o estágio se quisesse, que de noite conversaríamos com calma e que ela me facultava a possibilidade de pedir demissão no dia seguinte mesmo. Me transmitiu tranquilidade em relação a grana que eu deixaria de ganhar, e por algum tempo fiquei achando que seria honrar a mim mesma pedir demissão. 

Nessa mesma noite haveria um evento beneficente em que os estagiários (e só nós, sem chefes) deveríamos estar presentes. Fui.

No dia seguinte, com a desculpa de saber sobre a festa, o diretor me chamou de novo à sua mesa. Vocês podem imaginar o quão duro foi pra mim manter o controle emocional nesse situação. Ele me perguntou: "Tinha homens bonitos?" No que eu, com a cara muito séria e de forma muito debochada, respondi: "Só velho".

No fim, depois de extrair de mim um relato monossilábico de como tinha sido o evento, ele me perguntou: "Você ficou chateada com o que te falei ontem?"

Eu olhei bem nos olhos dele e disse sem pestanejar: "Fiquei."

Ele tentou iniciar uma explicação, falou de novo em "me proteger", mas eu me levantei e disse, já em pé: "Fulano, esse assunto está encerrado pra mim. Posso ir pra minha mesa?"

Ele me liberou.

Continuei no emprego. Prometi a mim mesma que quando saísse da empresa, contaria o ocorrido ao meu chefe. Com o fim do meu contrato se aproximando, esperei ansiosamente a oportunidade de relatar o episódio, mas isso também nunca aconteceu.

Fiquei com nojo do ambiente de trabalho. A palavra TARADO tinha ficado na minha cabeça e eu nunca mais consegui ir trabalhar de saia, fosse curta ou longa.

Mas impus meu respeito. Adotei uma postura profissional e era muito admirada pelos colegas mais velhos, que me viam responsável e capaz. O diretor se deu conta disso, e nunca mais trocou uma palavra comigo. Evitava ficar sozinho na mesma sala que eu, não me pedia mais favores. Ele viu que não poderia me subjugar tão facilmente. Que eu o enfrentaria, como modestamente fiz dentro das possibilidades naquela circunstância.

Mas isso nunca parou de doer em mim, e quando lembro da história, toda a raiva represada volta.

Dei a saia que usava no dia. Nunca mais consegui usar.

Assédio moral e sexual é destrutivo, principalmente quando direcionado a jovens mulheres profissionais, que são lidas apenas por sua aparência.