Recebi este email da Camila, de 25 anos, figurinista (para teatro principalmente) que mora em SP. Pedi autorização para publicá-lo, ela deixou, e taí. Olha só que belezura.
Lola, queria muito agradecer você e seu blog por me ajudarem a perceber e aceitar que eu sou mulher, que sou feminista e que não me encaixo nem pretendo caber na expectativa que o mundo tem das mulheres. Queria dividir com você um pouco do processo pelo qual estou passando nesse sentido.
Tenho certeza que minha educação por parte dos meus pais e meu ambiente familiar como um todo foram um tanto fora dos padrões. Minha liberdade sexual foi assegurada ainda na adolescência, e era meu pai quem comprava preservativos para todos na casa, sem nenhum tipo de controle (havia um pote enorme, situado entre os quartos dos filhos), e eu sempre pude dormir com meus namorados em casa, assim como meu irmão, e não tive que enfrentar nenhum tipo de discriminação quando eu não estava namorando e chegava em casa acompanhada por outra pessoa, o que não era nada frequente, diga-se. Eu tenho um irmão, ele é um ano mais velho, e as regras sempre foram as mesmas para os dois, e quando não eram, era briga na certa, com meu pai e meu irmão a meu favor.
Minha familia é um desses antros pequeno-burgueses, cheios de preconceitos, mas quando eu nasci o cenário já estava um tanto mudado por conta da revelação da homossexualidade de uma tia, a mais querida das filhas e a caçula da familia, e eu cresci num ambiente onde eu via com a mesma naturalidade meus pais juntos, minha tia com sua namorada, seus amigos gays namorando no quintal durante os churrascos, meus avós... Não tinha grilo, diferença, problema. Ninguém nunca teve que me explicar que existem diferentes orientações sexuais e que tudo bem. Na verdade o choque veio quando eu percebi o preconceito.
Mas o mundo ser machista não me afetou menos por isso, né? Na escola eu era chamada daqueles nomes super bacanas como "vaca" e "puta" porque tinha muitos amigos do sexo oposto, apesar de nunca ter ninguém da escola, justamente porque eles eram meus amigos.
E pra piorar, eu seria chamada de bonita sem muito esforço, mas detestava me sentir olhada, desejada, detestava e detesto me sentir um pedaço de carne nesse açougue que os homens montaram na rua com nossos corpos, mas principalmente porque a gente cresce ouvindo que não dá pra ser bonita e ter outros atributos, como inteligência, senso de humor, competência, coisas que valorizo demais em mim e nos outros. Aí, pra que eu pudesse ser outras coisas, eu passei muito tempo da minha vida sem saber o que eram minissaia, short, maquiagem. Sempre fui a "estranha", a "descolada", a "estilosa" para não ser reduzida à "gostosa". Só na terapia, e bem recentemente, é que fui sacar que cresci me escondendo.
A vantagem disso, na verdade, foi que eu criei uma imagem segura pra mim, onde os machinhos de plantão nunca se sentiram confortáveis por perto, nunca tiveram espaço e nunca se interessaram por mim. Namorei caras incríveis, que nunca sugeriram que meu corpo não me pertence, que nunca deram pitaco na minha roupa, que nunca ousaram me impedir de fazer as coisas que gosto, e hoje vivo com um cara lindo, compreensivo e amigo, que entende até quando eu quero usar maquiagem e não censura o tamanho das minhas saias, e que nunca esperou que eu lavasse a louça ou a roupa, a casa é dos dois, não é? O trabalho que ela dá também é.
Sempre fiquei profundamente indignada com a lógica de que mulher desacompanhada (mulher sem um homem do lado) é mulher disponível, sempre respondi com grosserias à altura às violências cotidianas que ouço nas ruas (e já quase apanhei por isso), sempre lutei pelo meu espaço no trabalho, em condições iguais às dos homens, mas só desconfiei das minhas tendências feministas quando durante a correção de uma prova aplicada aos meus alunos de 13 anos (eu fui professora de artes por dois anos) sobre leitura de imagem fotográfica, a turma quase inteira (e a maioria das garotas) interpretou uma foto que é de um trabalho delicadíssimo da Marina Abramovich [ver foto no começo do post] como uma cena de violência contra a mulher e ainda tentaram justificar a ação do suposto agressor. Eu fiquei louca de indignação com a naturalidade deles e delas e passei uma aula inteira discutindo com todos a questão da violência contra as mulheres, no sentido de tentar tirar aquela naturalidade do olhar da turma.
E aí entra seu blog e me faz sair do armário. E entender que tudo bem, mas vai dar trabalho eu ser outra coisa senão tudo o que esperam de mim. Não pretendo ser mãe esposa amante sexy linda bem sucedida dona de casa e profissional competente amante exemplar magra loira discreta pacifista submissa e feliz por satisfazer o marido em todas as suas necessidades. Eu pretendo ser muito, muito mais do que isso.
Lola, queria muito agradecer você e seu blog por me ajudarem a perceber e aceitar que eu sou mulher, que sou feminista e que não me encaixo nem pretendo caber na expectativa que o mundo tem das mulheres. Queria dividir com você um pouco do processo pelo qual estou passando nesse sentido.
Tenho certeza que minha educação por parte dos meus pais e meu ambiente familiar como um todo foram um tanto fora dos padrões. Minha liberdade sexual foi assegurada ainda na adolescência, e era meu pai quem comprava preservativos para todos na casa, sem nenhum tipo de controle (havia um pote enorme, situado entre os quartos dos filhos), e eu sempre pude dormir com meus namorados em casa, assim como meu irmão, e não tive que enfrentar nenhum tipo de discriminação quando eu não estava namorando e chegava em casa acompanhada por outra pessoa, o que não era nada frequente, diga-se. Eu tenho um irmão, ele é um ano mais velho, e as regras sempre foram as mesmas para os dois, e quando não eram, era briga na certa, com meu pai e meu irmão a meu favor.
Minha familia é um desses antros pequeno-burgueses, cheios de preconceitos, mas quando eu nasci o cenário já estava um tanto mudado por conta da revelação da homossexualidade de uma tia, a mais querida das filhas e a caçula da familia, e eu cresci num ambiente onde eu via com a mesma naturalidade meus pais juntos, minha tia com sua namorada, seus amigos gays namorando no quintal durante os churrascos, meus avós... Não tinha grilo, diferença, problema. Ninguém nunca teve que me explicar que existem diferentes orientações sexuais e que tudo bem. Na verdade o choque veio quando eu percebi o preconceito.
Mas o mundo ser machista não me afetou menos por isso, né? Na escola eu era chamada daqueles nomes super bacanas como "vaca" e "puta" porque tinha muitos amigos do sexo oposto, apesar de nunca ter ninguém da escola, justamente porque eles eram meus amigos.
E pra piorar, eu seria chamada de bonita sem muito esforço, mas detestava me sentir olhada, desejada, detestava e detesto me sentir um pedaço de carne nesse açougue que os homens montaram na rua com nossos corpos, mas principalmente porque a gente cresce ouvindo que não dá pra ser bonita e ter outros atributos, como inteligência, senso de humor, competência, coisas que valorizo demais em mim e nos outros. Aí, pra que eu pudesse ser outras coisas, eu passei muito tempo da minha vida sem saber o que eram minissaia, short, maquiagem. Sempre fui a "estranha", a "descolada", a "estilosa" para não ser reduzida à "gostosa". Só na terapia, e bem recentemente, é que fui sacar que cresci me escondendo.
A vantagem disso, na verdade, foi que eu criei uma imagem segura pra mim, onde os machinhos de plantão nunca se sentiram confortáveis por perto, nunca tiveram espaço e nunca se interessaram por mim. Namorei caras incríveis, que nunca sugeriram que meu corpo não me pertence, que nunca deram pitaco na minha roupa, que nunca ousaram me impedir de fazer as coisas que gosto, e hoje vivo com um cara lindo, compreensivo e amigo, que entende até quando eu quero usar maquiagem e não censura o tamanho das minhas saias, e que nunca esperou que eu lavasse a louça ou a roupa, a casa é dos dois, não é? O trabalho que ela dá também é.
Sempre fiquei profundamente indignada com a lógica de que mulher desacompanhada (mulher sem um homem do lado) é mulher disponível, sempre respondi com grosserias à altura às violências cotidianas que ouço nas ruas (e já quase apanhei por isso), sempre lutei pelo meu espaço no trabalho, em condições iguais às dos homens, mas só desconfiei das minhas tendências feministas quando durante a correção de uma prova aplicada aos meus alunos de 13 anos (eu fui professora de artes por dois anos) sobre leitura de imagem fotográfica, a turma quase inteira (e a maioria das garotas) interpretou uma foto que é de um trabalho delicadíssimo da Marina Abramovich [ver foto no começo do post] como uma cena de violência contra a mulher e ainda tentaram justificar a ação do suposto agressor. Eu fiquei louca de indignação com a naturalidade deles e delas e passei uma aula inteira discutindo com todos a questão da violência contra as mulheres, no sentido de tentar tirar aquela naturalidade do olhar da turma.
E aí entra seu blog e me faz sair do armário. E entender que tudo bem, mas vai dar trabalho eu ser outra coisa senão tudo o que esperam de mim. Não pretendo ser mãe esposa amante sexy linda bem sucedida dona de casa e profissional competente amante exemplar magra loira discreta pacifista submissa e feliz por satisfazer o marido em todas as suas necessidades. Eu pretendo ser muito, muito mais do que isso.
http://www.youtube.com/watch?v=WunFdSbCZfU&feature=player_embedded
ResponderExcluirOi Lola, esse é um video sobre a marcha das vadias em Recife, onde os rapazes explicam porque se vestiram com roupas de mulher e escreveram "estupre-me". No seu post sobre a marcha vc disse não ter entendido a proposta deles. Abraço!
Fantástico texto.
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ResponderExcluirGostei pouco, gente!
ResponderExcluirhaha, amei, amei! Até bem pouco tempo eu achava legal, normal os meninos da sala falarem das meninas na frente de todos como se avaliando um filé no supermercado. Agora entendo.
:*
Clap, clap, clap
ResponderExcluirPor este post.
Só gostaria de que essa nova geração pudesse ser educada da mesma forma que essa moça foi...
Que todos nós tivéssemos essa educação... o mundo com ctz seria melhor.
Parabéns a autora por sair do armário!
ResponderExcluirE à Lola por inspirar muitas mulheres!
Parabéns à autora!
ResponderExcluirMe identifico com sua história em vários trechos.
É muito bom poder ver o mundo dessa forma!
Parabéns aos pais da autora por essa educação exemplar e à autora, pelo guest post sensacional!
ResponderExcluirPs.: só eu tenho a impressão de que o novo trollzinho de plantão tem uns 13, 14 anos?
Off-topic: Lola, mandei e-mail "Rio de Janeiro - Marcha das Vadias - Slutwalk", veja se foi, por favor! Bjs
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ResponderExcluirÓtimo guest post!
ResponderExcluirAdorei o guest post, e deu uma pontinha de inveja da família dela.
ResponderExcluirOi Priscila, vc leu a coluna do Reinaldo Azevedo e eu, nas duas últimas noites assisti o Jornal da Globo, pq fazemos isso? Sabemos que em algum momento, ou em todos eles, vamos nos indignar. Pra quem não assiste a esse jornal, toda noite apresentam um charge de uns 30 segundos, feitas por um tal de Chico, supostamente mostrando/fazendo crítica a aspectos do mundo da política. Na última quinta-feira o tema foi Dilma e suas ministras (Ideli e Gleisi), pois bem, as cenas foram as seguintes: Dilma falando que precisavam conversar sobre o PAC para a Copa, as duas se olham e começam a correr como loucas e falar: ai, a copa, a cozinha, a sala, o quarto, as crianças, o jantar, o maridão... termina assim a "brilhante" charge sobre a atuação das mulheres na política. Tão rasteira, tão velha esse tipo de piada que é até chocante ver como sobrevive intacta ao longo dos anos, com as mesmas palavras, com os mesmos cenários, dá nojo.
ResponderExcluirPor isso, é um alento e dá uma força incrível encontrar um blog como esse e conhecer pessoas que lutam pra mudar essa mentalidade.
Abraços!
Lola e demais comentaristas, desculpas pelo off-topic, mas vcs viram as duas últimas charges do Chico Caruso exibidas no Jornal da Globo, uma delas em 23/06/11? É um desrespeito contra a mulher absurdo!
ResponderExcluirBasicamente, deixam claro que ministério não é coisa pra mulher, que tem mais é que cuidar da cozinha e do marido!
Pelo visto, ainda não tem ninguém protestando, pois a Globo mantém os vídeos respectivos disponíveis no sítio do Jornal da Globo, em http://g1.globo.com/videos/jornal-da-globo/v/dilma-bate-papo-com-ministras-sobre-planejamento-para-a-copa/1545073/#/Charge do Chico/page/1 (desculpas, não sei usar aquele programa que simplifica o link...)
Olhem lá e vejam se não é uma palhaçada! Coisa para ser combatida entupindo o e-mail da rede Globo independentemente de quem é eleitor da Ideli, da Gleisi e da Dilma ou não...
Opa, desculpas, não tinha ainda visto o comentário anterior, hehehe
ResponderExcluirJá tem gente criticando as charges então...
Bem, estive conversando com colegas no trabalho ontem sobre o assunto, e já há um grupinho de mulheres (infelizmente, por ora só mulheres, exceto eu) que combinou de bombardear os emails da Globo reclamando das charges! Seria super legal falar sobre isso, aqui ou em algum outro blog... Alguém sabe se isso já está acontecendo?
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ResponderExcluirAdwilhans : horrível.
ResponderExcluirOs títulos das charges já dizem tudo: Bate papo com ministras (só isso que as mulheres fazem, fofocam, batem papo, falam coisas irrelevantes...) e Dilma Roussef TENTA trocar ideias com suas ministras, ou seja, as duas só podem ser acéfalas... Gente, temos que bombardear o email da Globo sim, independente de filiações partidárias, como disse Adwilhias.
ResponderExcluirSempre fiquei profundamente indignada com a lógica de que mulher desacompanhada (mulher sem um homem do lado) é mulher disponível,
ResponderExcluirFoi a flecha da Armadura de Sagitário (só quem assiste/assistia a Cavaleiros do Zodíaco entende) direto no meu coração agora. Por muito tempo, até bem recentemente, segui essa lógica "mulher desacompanhada é mulher disponível". Isso porque, quando sentava junto a uma moça gatinha (ou vice-versa) nos ônibus, eu tentava puxar alguma conversa, obviamente intencionando no fundo conhecê-la e marcar encontros futuros.
Nunca fui grosseiro ou misógino, embora tenha chegado ao ponto de, dois anos atrás, costumar falar pras moças gatinhas que costumavam passar por mim frequentemente (por estudarem no mesmo andar que eu) no CFCH/UFPE que eram bonitas e tal.
Se puxar conversa com mulheres desacompanhadas em ônibus, livrarias etc. é inadequado ou mesmo antiético, eu gostaria de saber alguma forma adequada (e quais as situações adequadas) de me aproximar e conhecer mulheres que me sejam atraentes.
É fácil Robson. É só ser respeitoso.
ResponderExcluirMostre que está interessado pela pessoa, e não por um par de peitos. E se ela mostrar que não está a fim de companhia, deixá-la em paz.
Pois é, Gaia, eu sempre fui respeitoso (mas talvez, 2 anos atrás, algumas tenham se sentido "invadidas" quando eu lhes dizia que eram bonitas).
ResponderExcluirgostei mt desse guest post pq me identifiquei. minha família [especialmente a minha mãe] sempre foi mt diferente em relação a um monte de coisa: sexo, drogas, política etc. sempre tive tanto amigos qt amigas... às vezes até mais meninos, apesar de achar q foi meio coincidência pq tinha mais meninos no meu prédio.
ResponderExcluire fazendo sempre mts esportes, desde de criança, me incomodava mt qd funcionários da minha escola por exemplo ficavam olhando pras minhas pernas e tb me escondi durante mts anos. apesar de saber lá no fundo o porquê, nunca tinha lido isso tão explicitamente.
msm minha mãe sendo uma figura tão diferenciada [seguindo a tendência da palavra hehe] acho q foram principalmente os seus textos q me acordaram recentemente.. talvez pq eu nunca me incomodei de realmente enfrentar certas coisas pq sempre achei q era pq eu sempre fui estranha msm e desde cedo aprendi a ignorar comentários idiotas e a me defender por aí na rua. agora acho q não é só questão de eu responder com grosserias as grosserias q me dizem [e tb qs brigando fisicamente por isso] ou dar de ombros.. o mundo não me atinge, mas talvez seja nosso dever, meu tb, de tentar incitar uma resposta em outras pessoas e não apenas dar de ombros aos problemas alheios.
da minha mãe, aprendi a ser como eu quisesse e a defender esse meu direito. com seus textos, aprendi a tentar fazer os outros questionarem. não dou aulas ou sou de grupos de luta e não tenho influência sobre muitas pessoas, eu acho.. além disso, mts dos meus amigos próximos são "estranhos" como eu, mas tento compartilhar seus posts e a responder algumas idiotices q leio por aí..
obrigada!
=]
Eu sentiria raiva se não admirasse tanto....
ResponderExcluir....essas pessoas que conseguem escrever o que eu gostaria de dizer
Pôxa, eu bem que poderia ter um pouquinho desse dom literário, não??