Quem acompanha este blog sabe que eu adoro o Tarantino. Nem por isso é tudo do Taranta que eu gosto. Como todo fã, ponho nas nuvens Cães de Aluguel, Pulp Fiction, Kill Bill 1 e (um pouco menos) 2. À Prova de Morte fica em banho maria. E, como toda pessoa sensata, abomino sua participação em Grande Hotel. Mas tem um filminho no meio disso tudo, do longínquo ano de 1997, que muita gente ignora ou acha um trabalho menor mas eu amo: Jackie Brown (veja o teaser e o trailer).
Jackie Brown é aquele projeto difícil, o primeiro longa que um grande diretor realiza depois de sua obra mais aclamada, que lhe rendeu Oscar de roteiro e tudo (Pulp Fiction). (É como dizem: que o trabalho mais complicado de um escritor não é o primeiro livro, e sim o segundo, ainda por cima se o primeiro fez sucesso). Não tem como Jackie Brown não ser visto como uma obra menor e mais modesta. É a história de uma mulher (Pam Grier, estrela dos filmes blaxploitation da década de 70, hoje em The L Word) de 44 anos, negra, sozinha, que tem uma droga de vida. Trabalha como aeromoça pra pior empresa aérea da região, e leva e traz dinheiro e às vezes drogas prum cara perigoso, Ordell (Samuel L. Jackson). Os detetives que querem pegar Ordell põem Jackie contra a parede: sabem que ela ganha míseros 16 mil dólares por ano (salário de fome nos EUA), e que ela não tem opções. Um deles lhe diz: “Você não dominou o mundo, não é, Jackie?”. Mas não é só a Jackie. Nenhuma das quatro mulheres que vemos no filme tem alguma saída. Os homens do filme têm profissões (detetives, agente de condicional, traficante de armas), mas as mulheres, tirando a Jackie, não. As outras mulheres são basicamente as três que Ordell sustenta. Ele paga uma casa pra cada uma, e tem assim seu harém particular. Uma é Melanie (Bridget Fonda), a típica gatinha de praia (beach bunny) californiana, loira e alienada. Simone (Hattie Winston) é uma negra mais velha que adora cantar. E Sheronda (Lisa Gay Hamilton) é uma menina, também negra, recém-chegada do interior dos EUA.
A trama é bem simples: Jackie arma um esquema com seu agente de condicional, Robert (Robert Foster), para enrolar a polícia e ficar com todo o dinheiro sujo de Ordell. Esse esquema envolve fingir que vai entregar notas marcadas para uma das mulheres que Ordell recomendar. A escolhida é Melanie, que precisa levar a tiracolo o criminoso Louis (Robert De Niro), melhor amigo do traficante. Se você ainda não viu Jackie Brown, tá esperando o quê? Se já viu, reveja. O filme todo, pra mim, me parece um conflito entre mulheres sem saída sendo constantemente ameaçadas, e a oportunidade que agarram de enganar o patriarcado quando ela surge. Simone foge com dez mil dólares na sua primeira chance. Melanie acaba morta, mas planeja sempre tapear Ordell, vive pra isso. A única que não o engana é Sheronda (que passa seus dias deitada num sofá), e isso por ser muito inocente ainda. E tem a Jackie, que engana não apenas Ordell, mas todos os homens, até o grande poder patriarcal que é a polícia. Quando Jackie passa a sacola pra Melanie, lhe dá um dinheiro extra e diz: “Afinal, o que aquele nojento do Ordell já fez por nós?”. As cenas que abrem o filme, mostrando um programa chamado “Chicks with guns” (“garotas com armas”; veja vídeo), utilizam dois atrativos masculinos: mulheres de biquíni e armas, símbolos totalmente fálicos. Garotas com armas são também garotas com pênis. Uma delas diz, “Nada se mete entre eu e minha metralhadora”. Jackie Brown é sobre isso: mulheres tentando usar símbolos patriarcais (armas, dinheiro) pra se livrarem da opressão. Li o romance de Elmore Leonard, no qual Taranta baseou seu roteiro, e senti que o diretor acentuou muito as nuances feministas do livro. Elmore tem um jeito de acabar bem as coisas (talvez não em Os Indomáveis, outro filme adaptado de uma história sua). Morrem os vilões, e os protagonistas se dão bem, embora não fiquem juntos. Nesse sentido, o filme é bem parecido com outros livros seus como o mediano Be Cool - O Outro Lado do Jogo e Irresistível Paixão (que eu amo, amo, amo de paixão, e vou escrever sobre ele). Mas Jackie Brown tem aquele toque do Taranta. Não é dos mais pessoais, porque ele geralmente escreve um roteiro original, não adaptado. Mas a escolha dos atores, os diálogos, as músicas - isso tudo é completamente ele. E, pra quem acha que a marca registrada do Taranta é a violência (eu já acho que são os diálogos), Jackie não é um filme graficamente violento, ainda que várias pessoas sejam mortas. Tudo acontece fora da visão da câmera. Mas torna-se violento porque as ameaças estão sempre presentes, principalmente contra as mulheres.
Ordell olha pra Melanie e a manda tomar cuidado (com ele, lógico) em inúmeros momentos. Como sabemos que é um homem violento, que mata outros sem piscar, imaginamos que ele trate suas mulheres com violência também. E ele quer matar Jackie. Gosto muito da cena em que ele começa a estrangulá-la e ela aponta uma arma contra sua barriga, e ele pergunta: “Isso é o que eu estou achando que é?”. A gente também tem medo que a polícia seja violenta com Jackie. Só não tem receio que Robert seja violento, não apenas porque ele é super cool, mas também porque a narração do filme nos mostra que ele está gamadão. Ele congela quando vê Jackie pela primeira vez, saindo da cadeia. É amor à primeira vista. E ela usa isso em seu favor, apesar de, no final, quando ela diz “Eu nunca te usei”, a gente acredita nela. Termina com ele fora de foco, entre triste e desesperado. Por que ele não pode ir pra Espanha junto com ela? Por que eles não podem terminar juntos? Sabemos que ele quer. Não há nenhuma indicação, no entanto, que ela goste dele. Ela confia nele, o trata bem, mas nem de longe tá apaixonada. E por falar em longe, esta minha análise apaixonada do filme ainda vai longe. A segunda parte tá aqui.
Jackie Brown é aquele projeto difícil, o primeiro longa que um grande diretor realiza depois de sua obra mais aclamada, que lhe rendeu Oscar de roteiro e tudo (Pulp Fiction). (É como dizem: que o trabalho mais complicado de um escritor não é o primeiro livro, e sim o segundo, ainda por cima se o primeiro fez sucesso). Não tem como Jackie Brown não ser visto como uma obra menor e mais modesta. É a história de uma mulher (Pam Grier, estrela dos filmes blaxploitation da década de 70, hoje em The L Word) de 44 anos, negra, sozinha, que tem uma droga de vida. Trabalha como aeromoça pra pior empresa aérea da região, e leva e traz dinheiro e às vezes drogas prum cara perigoso, Ordell (Samuel L. Jackson). Os detetives que querem pegar Ordell põem Jackie contra a parede: sabem que ela ganha míseros 16 mil dólares por ano (salário de fome nos EUA), e que ela não tem opções. Um deles lhe diz: “Você não dominou o mundo, não é, Jackie?”. Mas não é só a Jackie. Nenhuma das quatro mulheres que vemos no filme tem alguma saída. Os homens do filme têm profissões (detetives, agente de condicional, traficante de armas), mas as mulheres, tirando a Jackie, não. As outras mulheres são basicamente as três que Ordell sustenta. Ele paga uma casa pra cada uma, e tem assim seu harém particular. Uma é Melanie (Bridget Fonda), a típica gatinha de praia (beach bunny) californiana, loira e alienada. Simone (Hattie Winston) é uma negra mais velha que adora cantar. E Sheronda (Lisa Gay Hamilton) é uma menina, também negra, recém-chegada do interior dos EUA.
A trama é bem simples: Jackie arma um esquema com seu agente de condicional, Robert (Robert Foster), para enrolar a polícia e ficar com todo o dinheiro sujo de Ordell. Esse esquema envolve fingir que vai entregar notas marcadas para uma das mulheres que Ordell recomendar. A escolhida é Melanie, que precisa levar a tiracolo o criminoso Louis (Robert De Niro), melhor amigo do traficante. Se você ainda não viu Jackie Brown, tá esperando o quê? Se já viu, reveja. O filme todo, pra mim, me parece um conflito entre mulheres sem saída sendo constantemente ameaçadas, e a oportunidade que agarram de enganar o patriarcado quando ela surge. Simone foge com dez mil dólares na sua primeira chance. Melanie acaba morta, mas planeja sempre tapear Ordell, vive pra isso. A única que não o engana é Sheronda (que passa seus dias deitada num sofá), e isso por ser muito inocente ainda. E tem a Jackie, que engana não apenas Ordell, mas todos os homens, até o grande poder patriarcal que é a polícia. Quando Jackie passa a sacola pra Melanie, lhe dá um dinheiro extra e diz: “Afinal, o que aquele nojento do Ordell já fez por nós?”. As cenas que abrem o filme, mostrando um programa chamado “Chicks with guns” (“garotas com armas”; veja vídeo), utilizam dois atrativos masculinos: mulheres de biquíni e armas, símbolos totalmente fálicos. Garotas com armas são também garotas com pênis. Uma delas diz, “Nada se mete entre eu e minha metralhadora”. Jackie Brown é sobre isso: mulheres tentando usar símbolos patriarcais (armas, dinheiro) pra se livrarem da opressão. Li o romance de Elmore Leonard, no qual Taranta baseou seu roteiro, e senti que o diretor acentuou muito as nuances feministas do livro. Elmore tem um jeito de acabar bem as coisas (talvez não em Os Indomáveis, outro filme adaptado de uma história sua). Morrem os vilões, e os protagonistas se dão bem, embora não fiquem juntos. Nesse sentido, o filme é bem parecido com outros livros seus como o mediano Be Cool - O Outro Lado do Jogo e Irresistível Paixão (que eu amo, amo, amo de paixão, e vou escrever sobre ele). Mas Jackie Brown tem aquele toque do Taranta. Não é dos mais pessoais, porque ele geralmente escreve um roteiro original, não adaptado. Mas a escolha dos atores, os diálogos, as músicas - isso tudo é completamente ele. E, pra quem acha que a marca registrada do Taranta é a violência (eu já acho que são os diálogos), Jackie não é um filme graficamente violento, ainda que várias pessoas sejam mortas. Tudo acontece fora da visão da câmera. Mas torna-se violento porque as ameaças estão sempre presentes, principalmente contra as mulheres.
Ordell olha pra Melanie e a manda tomar cuidado (com ele, lógico) em inúmeros momentos. Como sabemos que é um homem violento, que mata outros sem piscar, imaginamos que ele trate suas mulheres com violência também. E ele quer matar Jackie. Gosto muito da cena em que ele começa a estrangulá-la e ela aponta uma arma contra sua barriga, e ele pergunta: “Isso é o que eu estou achando que é?”. A gente também tem medo que a polícia seja violenta com Jackie. Só não tem receio que Robert seja violento, não apenas porque ele é super cool, mas também porque a narração do filme nos mostra que ele está gamadão. Ele congela quando vê Jackie pela primeira vez, saindo da cadeia. É amor à primeira vista. E ela usa isso em seu favor, apesar de, no final, quando ela diz “Eu nunca te usei”, a gente acredita nela. Termina com ele fora de foco, entre triste e desesperado. Por que ele não pode ir pra Espanha junto com ela? Por que eles não podem terminar juntos? Sabemos que ele quer. Não há nenhuma indicação, no entanto, que ela goste dele. Ela confia nele, o trata bem, mas nem de longe tá apaixonada. E por falar em longe, esta minha análise apaixonada do filme ainda vai longe. A segunda parte tá aqui.
Dentre os citados por vc, eu nao vejo a mínima graça nesse filme. Nem parece ser do Tarantino. Amo Pulp Ficton e ele ta entre 10 melhores do top 250 do imdb.
ResponderExcluirhttp://www.imdb.com/chart/top
Não vi Jackie Brown. Do Taranta só vi Kill Bill - um dos filmes da minha vida - e Pulp Fiction, q não gostei. talvez pq tenha visto dublado e com sono. mas adorei ver a crítica de um filme q não é lançamento e é de seu gosto pessoal. vc devia fazer isso mais vezes!
ResponderExcluirah, lendo o lance da arma lembrei de Thelma & Louise (outro filme da minha vida hehehe).
olha só... nem tinha ouvido falar desse filme... vou acrescentar na minha listinha de filmes pra ver!
ResponderExcluir-- mudando de assunto: a quantas anda o tal concurso de blogueiras femininas? vai pra frente ou não?
beijos
ops... foi mal! "blogueiras femininas" não soou mto bem, né? hehehe... mas é q sou um blogueiro masculino... =P
ResponderExcluirLola, também não sou lá muito fã de Jackie Brown, não.. Para mim, 'Reservoir Dogs' e 'Pulp Ficion' são obras-primas.
ResponderExcluirNão sei exatamente porque, mas não cosegui entrar no filme, assim como dormi em 'Get Shorty' no cinema - única vez que eu lembro ter acontecido.
Beijos,
Chris
Vi Jackei Brown faz tempo. Lembro que gostei, mas acho que não prestei a atenção devida. Vou rever.
ResponderExcluirOii Lola! NOssa Jackie Brown é o filme que mais gostei do Tarantino. Pra falar a verdade, pessoalmente não curto muito todo esse status que ele recebe com seus outros filmes.
ResponderExcluirApesar de vc ter dito q na sua opinião, o focus dele é o diálogo, a sensação que se tem é que por parte do público, ele seja mais destacado pela violência mesmo.
Intencional ou não, a impressão que tenho é de uma glamourização da violência nos filmes de Tarantino, tornando isso até cult.
Não tenho profundas análises sobre isto, mas é o que sempre me vinha na cabeça quando ouvia tanta adimiração por ele.
Gosto de Jackie Brown, e até gostei quando vi Pulp fiction. Mas não entendo muito bem o que tem de tão sensacional em Tarantino, gostaria de saber.
Se vc tiver escrito sobre outros filmes dele goataria de ler!
Abraços!
Eu amo esse filme.
ResponderExcluirTenho até o dvd.
Morri de ódio quando o fdp do deniro matou a bridget.
É um filme sensacional, principalmente pelas interpretações... Mas na minha opinião é o primo porbre das obras do genial Tarantino exatamente por não ser dele, e sim uma adaptação...
ResponderExcluirOlá Lola!! Eu gosto muito de Jackie Brown. Assisti a primeira vez em 97 e ano passado, qdo a TV sueca o exibiu. Gosto da história, dos diálogos e da textura do filme. A trilha sonora é absurda.
ResponderExcluirAdorei a análise. Não tinha parado para pensar nesses aspectos que você pontuou. Isto é mais um motivo para revê-lo e refletir ainda mais.
Abraços
Juliana
Eu adorei Jackie Brown quando eu vi. É realmente uma pérola, e merece ser relembrado.
ResponderExcluirE também adoro Thelma & Louise, L Archilla.
Existem filmes que são libertadores. Esse é um deles.
Maravilha, Lola, sempre achei JB subestimado - o mesmo que A Flor do Meu Desejo, do Almodóvar. Filmes lado B, esquecidos, e que são tão bons quanto os mais pop. Bjk.
ResponderExcluirLola,
ResponderExcluirSuper concordo com você. Jackie Brown é o máximo e é subestimado. Para mim, está no mesmo nível de Pulp Fiction, Cães de Aluguel e Kill Bill vol.1.
Beijos,
Raquel
Ai Lola, leio seu blog todos os dias e sempre tem alguma coisa que me surpreende! Eu sempre achei que só eu e meu pai tínhamos visto Jackie Brown, que é um dos nossos 10 filmes preferidos (hehehe)... E aí você escreve essa crítica deliciosa!
ResponderExcluirEu amo não apenas o filme, mas também a trilha sonora, que é bacana demais, parece aqueles CD´s de oivir no carro enquanto viajamos! Demais!
Um beijo, obrigada!
tb sou fã do tarantino. gosto muito desse filme tb, vi há um tempão, preciso rever mesmo.
ResponderExcluirCara Lola,
ResponderExcluirTambem sou fa de Tarantino.Caes de Aluguel, para mim, esta entre os cinco melhores filmes de todos os tempos. Entre esses cinco, seguramente estariam 2001 e Born to Kill, do Kubrick!
Eu vi Jack Brown pela metade (peguei pra assistir num horário apertado e tive q ir pra aula), e depois dessa análise fiquei com vontade de assistir todinho. Vou fazer isso.
ResponderExcluirJá ouvi muitos falarem que é um filme subestimado, e lendo a resenha fiquei com a pulga atrás da orelha e inclinada a concordar.
Mas meu favorito do Taranta é o Cães de Aluguel mesmo. Gosto muito mais dele que de Pulp Fiction.
Gente, que bom saber que há aqui tantos fãs de Jackie Brown! Aguardem a segunda parte da minha análise (que tá melhor que a primeira). Acho que a postarei na sexta. (Re)vejam o filme até lá!
ResponderExcluirCom o tempo, vou escrever sobre Cães de Aluguel e Pulp Fiction. Também adoro esses filmes.
(E sei que estou devendo uma análise de Thelma e Louise tb. Sejam pacientes. Não falta vontade de escrever, só tempo).
Gente, há dois nomes errados de filmes escritos aqui:
ResponderExcluir- Não é "A Flor do Meu Desejo", e sim "A Flor do meu Segredo";
- Não é "Born to Kill", e sim "Full Metal Jacket";
Enfim, só pra ser chato.
O que gosto dos filmes do Tarantino é a forma não linear de se contar uma história.
ResponderExcluirA cena principal de "JB" ocorre diversas vezes sob diferentes angulos e sempre com novas informações.
Uma aula de cinema. E a trilha então.
Agora voltando ao post. Sabe que eu nunca tinha visto o filme por este angulo?