Quando o Patrick Dempsey (de “Grey's Anatomy”) leva a Amy Adams pra sua casa, a situação lembra um pouquinho “Splash, uma Sereia em minha Vida”. A diferença é que a princesa não tem que aprender nadinha pra triunfar. A cidade grande instantaneamente se rende a ela. Apesar de ser um advogado rico com uma filhinha, e, convenientemente, sem esposa no pedaço, o apê do Patrick parece um chiqueiro. Isso não é problema pra Encantadinha, cuja grande alegria na vida é fazer faxina. Ela convoca animais pra ajudá-la, e surgem ratos, pombos e baratas. As baratas americanas não são tão nojentas quanto as nossas, mas ainda assim é uma cena pouco encantadora, digamos. Porém, nossa princesa não despreza ninguém, nem as baratas. A Amy copia direitinho os gestos e expressões das heroínas dos contos de fada, o que equivale dizer que na maioria das cenas ela parece uma débil mental das mais simpáticas. Ela tá a cara da Julie Andrews e até tem seu momento “The hills are alive” (“Os morros estão vivos”: abrindo os braços, dançando, rodando em cima de um gramado), mas tá exagerada, e os gritos inaugurais cansam. Pra mim quem se sai muitíssimo melhor é o James Marsden (fraquinho como Cíclope em “X-Men” e ótimo em “Hairspray”) como príncipe. Ele tá sonso, ridículo, e doce ao mesmo tempo, sem um pingo de ironia, e sem os berros. As duas falas mais engraçadas referem-se a ele. Uma é quando o Patrick afirma sobre o príncipe: “Ele canta também”. A outra quando o auxiliar da bruxa pergunta pro bonitão se ele se ama, e ele responde com uma indagação: “What's not to like?” (“O que tem pra não gostar?”).
Mas ele raramente aparece sozinho, e temos que suportar bichinhos bobos. Logo que apareceu um esquilinho gerado por computador, pensei: os que eu conheço são muito mais bonitos e graciosos que esses efeitos digitais. Mas é melhor assim, porque há um monte de crueldade contra esquilos gerados por computador (o dito-cujo é preso em inúmeros recipientes de vidro, crucificado num cabide, jogado num forno à lenha). E nem é esquilo, é chipmunk. A tradução jura que é tâmia. Melhor chamá-lo de esquilo mesmo. Tem também a Susan Sarandon como a sogra/bruxa má que, obviamente, é muito mais sexy que a Encantadinha (os contos de fada educam as meninas a pensar que a única coisa que importa é ser linda, e que é preciso competir com outras mulheres pelo único título que importa, o de ser a mais bela. Só as gordinhas de meia-idade estão livres dessa rivalidade sem fim. Elas são relegadas a fadas-madrinhas. Faltou a fada-madrinha em “Encantada”).
Outras lições de moral: há dois casais. Em ambos a mulher vai abandonar o lugar onde vive pra ir morar com seu amado. Note que o oposto nunca acontece. E o filme ensina que o programa favorito de uma menina de seis anos com sua mãe (ou madrasta boazinha) é uma tarde fazendo compras. Essa sequência é inacreditável. Pensei que iriam mostrar mãe substituta e filha provando mil e um modelitos, se maquiando. Mas não. Mostram só as duas saindo das lojas, carregando montes de pacotes. Qual o valor dessa cena? Absolutamente nenhum, além de ensinar que o melhor programa do mundo é fazer compras. Depois a garota usa seu fundo de emergência pra adquirir um vestido de baile pra futura madrasta (sendo que esta ficava mais bonita quando se servia das cortinas e tapetes da casa pra montar suas roupas). Pois é, isso de guardar dinheiro pra financiar um curso superior é inútil, porque, se uma mulher pode escolher entre ser uma princesa e cursar uma faculdade, bom, essa nem é uma opção, é? Vamos gastar toda a grana em vestidos! Ah sim, a namorada do Patrick o encontra deitado embaixo de uma moça só de toalha, mas ele diz que não é o que ela tá pensando. Após receber flores como pedido de perdão, ela sussurra: “Se você diz que não é nada, eu acredito”. Bela mensagem que a Disney tá passando. A única lição de moral que eu endosso é quando a Encantadinha canta “Como ela sabe que você a ama?”. Pois é, se esses homens não dizem ou mostram pra gente que nos amam, como podemos ter certeza? Eu perguntei pro maridão: “Como posso saber que você me ama, seu panaca?” E ele: “Eu disse várias vezes hoje que te amo. Passei o dia inteiro falando isso. Não fiz outra coisa hoje. Mas você tá meio surdinha. Deve ser a idade”. Tão romântico esse meu príncipe encantado!
“Encantada” não desafia nenhuma das várias lições dos contos de fada, pelo contrário. O príncipe encantado existe. Vale a pena esperar por ele. Um beijo mágico vai nos salvar. Seremos felizes para sempre, sem qualquer esforço. E o verdadeiro amor é sempre à primeira vista. Mas pega mal eu falar mal de um filme desses. É como falar mal de “Shrek”. As pessoas gostam porque é docinho e porque passa a ilusão de estar desconstruindo um gênero. Mas é só isso: ilusão. Acho que um fã sincero deveria pelo menos assumir que gosta desses filminhos por serem tão retrógrados, não por serem inovadores. Porque de inovador não têm nada.
Eu gosto de filmes bobinhos mesmo e gostei dele porque eles juntaram coisas de varias princesas clássicas no filme em uma personagem só (o vestido da Cinderela, os trejeitos da Branca e a classica cena dela arrumando a casa com os bichinhos - só que na cidade os bichos são outros - e as musicas como em qualquer um dos filmes de princesa da Disney e mais a madrasta meio estilo Malevola + Madrasta Má). E o final 'inovador' em que ela salva o principe da vilã transformada em dragão. De resto ele só é uma atualização genérica de todos os clássicos e deixando-os mais perto do nosso mundo, a cidade grande. Pq vamos combinar que o auge do dia ser lavar a escada e cantar prum poço (inicio de Branca de Neve) está bem distante dos dias atuais.
ResponderExcluirEu não faço a minima ideia de como cheguei nessa resenha... Na verdade estava procurando o post que fala sobre aquela foto do marinheiro beijando a enfermeira na times Square no fim da 2ª Guerra Mundial. Mas concordo em gênero, número e grau com tudo o que foi dito.
ResponderExcluirEncantada começa animado no melhor estilo 2D clássico, mas logo coloca seus personagens em versão de carne-e-osso na Nova York contemporânea. Amy é uma atriz preciosa que geralmente triunfa nos seus filmes. Eu amo os filmes com amy adams, recém a vi em A Chegada, inclusive a passarão em TV, sendo sincera eu acho que a sua atuação é extraordinário, em minha opinião é a atriz mais completa da sua geração, mas infelizmente não é reconhecida como se deve.
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