Receosa com as comparações a “Paciente Inglês”, fui ver “Desejo e Reparação” com um tanto de má vontade. Mas esse espírito se diluiu logo, e no final chorei bastante. Até aí, nada de mais. Eu choro em comercial de TV. Depois encontrei o romance de 2001 do Ian McEwan pra ler e pude constatar que o filme é extremamente fiel ao livro. Mas já ao sair da sessão tive que reconhecer que “Desejo” é uma bela produção, uma das melhores de 2007, e merece ser indicada ao Oscar.
É a história de uma garota de 13 anos que, em 1935, na mansão onde mora na Inglaterra, vê uma cena bastante erótica entre sua irmã mais velha (interpretada pela Keira Knightley, de “Piratas do Caribe” e “Orgulho e Preconceito”) e o filho do jardineiro (o lindo e baixinho James McAvoy, que já foi fauno em “Crônicas de Nárnia”, médico idealista em “O Último Rei da Escócia”, e galã em “Becoming Jane”, mas só vai virar astro de verdade após “Procurado”, que estréia em junho). Por não entender o que vê, a menina acusa o rapaz por um crime que não cometeu. Corta pra Segunda Guerra, onde a garota virou uma enfermeira cheia de culpa, o James é um soldado numa França arrasada, e a Keira é outra enfermeira, sonhando em reencontrar seu amado (ah, o amor jovem!, que não envelhece nem enfraquece com a rotina...). Ou seja, a protagonista é a menina (vivida por três atrizes), não os pombinhos, e isso faz com que soe estranho que a Keira e o James tenham sido nomeados pro Globo de Ouro. Não é por nada não, mas a Keira aparece quanto, meia hora do filme? E a personagem da guria é muito mais interessante. Na infância ela tem o ego do tamanho de uma roda gigante, e é mais que um projeto de escritora. Ela teima em construir os roteiros em sua volta. Na juventude ela se odeia, e só na velhice pode se reconciliar com o casal e com si mesma. Não é só a vida dos dois que que ela mutila, é a dela também. Mas há um detalhe indicando que ela não se torna tão sábia e humilde. “Atonement”, o título em inglês, não significa apenas reparação – tem um sentido mais religioso de penitência mesmo. Trata-se da reconciliação entre Deus e humanos. Quem é Deus nesse cenário, se não a escritora com poder de alterar destinos? E quem são os meros mortais? No fundo, tudo é ficção. Narrar uma história é inventá-la. Ah, e tem outra coisa: quanto tempo demora pra se perdoar alguém, ou a si próprio? Se uma criança comete um erro terrível, ela não deve ser perdoada?
Só posso recomendar um filme que suscita tantas discussões filosóficas. Mas o mais incrível é como um ótimo livro foi bem transposto pro cinema (tem os mesmos defeitos também. Por exemplo, na primeira parte, a passividade da personagem da Keira diante das acusações, e o excesso de coincidências, de tudo acontecer no mesmo dia, tudo na frente da menina). Uma adaptação mais preguiçosa seria muito mais literária, com direito à narração em off. Mas não, “Desejo” é mais ambicioso. O que há de mais literário é a linda trilha sonora, com batidas de máquina de escrever. Christopher Hampton já havia feito um roteiro brilhante, o de “Ligações Perigosas”. Este pra “Desejo” é mais complicado, porque o livro vai e volta no tempo, com vários pontos de vista. Acho que o roteirista e o diretor Joe Wright, de “Orgulho e Preconceito”, resolvem bem os problemas. Só a longa tomada sem cortes na praia já deve render uma indicação ao Oscar, porque tem cinco minutos ininterruptos, super bem coreografados, que aparentam levar o dobro do tempo. É que tanta coisa acontece nesse período: não basta mostrar o horrível esqueleto de uma roda-gigante e passar por centenas de extras. Cada extra tem que estar se mexendo, ora cantando, falando sozinho, vomitando, brigando. Fiquei pensando na série de TV “Extras” e também em “Um Convidado Bem Trapalhão”. É só um figurante cometer um errinho que eles têm que filmar essa sequência inteira de novo! E matar mais cavalinhos. Aliás, por que atirar nos cavalos? (é por que os soldados vão sair da praia, e não querem deixar os cavalos pros alemães? É pra comer os cavalos? É por não poder alimentá-los? Não fica claro). É uma cena marcante, não dá pra negar. Ao mesmo tempo, é o maior caso de exibição cinematográfica dos últimos tempos. É o diretor dizendo: “Vejam como eu sou bom e sei movimentar uma câmera!”.
As comparações com “O Paciente Inglês” são incômodas e injustas. “Paciente” é baseado numa obra literária, começa nos anos 30, continua na Segunda Guerra, e tem uma enfermeira entre seus principais personagens. Quer dizer, pensando bem, é bastante parecido, mas “Paciente” nem era tão ruim assim, era? Minha impressão é que ficamos revoltados quando varreu os Oscars. Esse sucesso dificilmente vai se repetir com “Desejo”, que é bem mais íntimo, bem menos épico – apesar dos heróicos cinco minutos na praia – que “Paciente”. E muito superior. Faz pensar na prepotência e no poder de todas as narrações.
P.S.: A cena da acusação me fez lembrar de “Uma Passagem para a Índia”, da mulher assustada com a descoberta da sua sexualidade. E da culpa que sente. A estrutura é similar. Moça vê algo que não deve na floresta, e culpa algum inocente, um subalterno, que vai pagar caro pelo erro alheio.
P.S.2: Durante a sessão, tentei buscar maneiras de absolver a menina. Fiquei pensando: se ela não tivesse errado, o James não teria ido pra guerra de qualquer jeito?
É a história de uma garota de 13 anos que, em 1935, na mansão onde mora na Inglaterra, vê uma cena bastante erótica entre sua irmã mais velha (interpretada pela Keira Knightley, de “Piratas do Caribe” e “Orgulho e Preconceito”) e o filho do jardineiro (o lindo e baixinho James McAvoy, que já foi fauno em “Crônicas de Nárnia”, médico idealista em “O Último Rei da Escócia”, e galã em “Becoming Jane”, mas só vai virar astro de verdade após “Procurado”, que estréia em junho). Por não entender o que vê, a menina acusa o rapaz por um crime que não cometeu. Corta pra Segunda Guerra, onde a garota virou uma enfermeira cheia de culpa, o James é um soldado numa França arrasada, e a Keira é outra enfermeira, sonhando em reencontrar seu amado (ah, o amor jovem!, que não envelhece nem enfraquece com a rotina...). Ou seja, a protagonista é a menina (vivida por três atrizes), não os pombinhos, e isso faz com que soe estranho que a Keira e o James tenham sido nomeados pro Globo de Ouro. Não é por nada não, mas a Keira aparece quanto, meia hora do filme? E a personagem da guria é muito mais interessante. Na infância ela tem o ego do tamanho de uma roda gigante, e é mais que um projeto de escritora. Ela teima em construir os roteiros em sua volta. Na juventude ela se odeia, e só na velhice pode se reconciliar com o casal e com si mesma. Não é só a vida dos dois que que ela mutila, é a dela também. Mas há um detalhe indicando que ela não se torna tão sábia e humilde. “Atonement”, o título em inglês, não significa apenas reparação – tem um sentido mais religioso de penitência mesmo. Trata-se da reconciliação entre Deus e humanos. Quem é Deus nesse cenário, se não a escritora com poder de alterar destinos? E quem são os meros mortais? No fundo, tudo é ficção. Narrar uma história é inventá-la. Ah, e tem outra coisa: quanto tempo demora pra se perdoar alguém, ou a si próprio? Se uma criança comete um erro terrível, ela não deve ser perdoada?
Só posso recomendar um filme que suscita tantas discussões filosóficas. Mas o mais incrível é como um ótimo livro foi bem transposto pro cinema (tem os mesmos defeitos também. Por exemplo, na primeira parte, a passividade da personagem da Keira diante das acusações, e o excesso de coincidências, de tudo acontecer no mesmo dia, tudo na frente da menina). Uma adaptação mais preguiçosa seria muito mais literária, com direito à narração em off. Mas não, “Desejo” é mais ambicioso. O que há de mais literário é a linda trilha sonora, com batidas de máquina de escrever. Christopher Hampton já havia feito um roteiro brilhante, o de “Ligações Perigosas”. Este pra “Desejo” é mais complicado, porque o livro vai e volta no tempo, com vários pontos de vista. Acho que o roteirista e o diretor Joe Wright, de “Orgulho e Preconceito”, resolvem bem os problemas. Só a longa tomada sem cortes na praia já deve render uma indicação ao Oscar, porque tem cinco minutos ininterruptos, super bem coreografados, que aparentam levar o dobro do tempo. É que tanta coisa acontece nesse período: não basta mostrar o horrível esqueleto de uma roda-gigante e passar por centenas de extras. Cada extra tem que estar se mexendo, ora cantando, falando sozinho, vomitando, brigando. Fiquei pensando na série de TV “Extras” e também em “Um Convidado Bem Trapalhão”. É só um figurante cometer um errinho que eles têm que filmar essa sequência inteira de novo! E matar mais cavalinhos. Aliás, por que atirar nos cavalos? (é por que os soldados vão sair da praia, e não querem deixar os cavalos pros alemães? É pra comer os cavalos? É por não poder alimentá-los? Não fica claro). É uma cena marcante, não dá pra negar. Ao mesmo tempo, é o maior caso de exibição cinematográfica dos últimos tempos. É o diretor dizendo: “Vejam como eu sou bom e sei movimentar uma câmera!”.
As comparações com “O Paciente Inglês” são incômodas e injustas. “Paciente” é baseado numa obra literária, começa nos anos 30, continua na Segunda Guerra, e tem uma enfermeira entre seus principais personagens. Quer dizer, pensando bem, é bastante parecido, mas “Paciente” nem era tão ruim assim, era? Minha impressão é que ficamos revoltados quando varreu os Oscars. Esse sucesso dificilmente vai se repetir com “Desejo”, que é bem mais íntimo, bem menos épico – apesar dos heróicos cinco minutos na praia – que “Paciente”. E muito superior. Faz pensar na prepotência e no poder de todas as narrações.
P.S.: A cena da acusação me fez lembrar de “Uma Passagem para a Índia”, da mulher assustada com a descoberta da sua sexualidade. E da culpa que sente. A estrutura é similar. Moça vê algo que não deve na floresta, e culpa algum inocente, um subalterno, que vai pagar caro pelo erro alheio.
P.S.2: Durante a sessão, tentei buscar maneiras de absolver a menina. Fiquei pensando: se ela não tivesse errado, o James não teria ido pra guerra de qualquer jeito?
P.S.3: Li o artigo de uma figurinista explicando como levou meses pra desenvolver o maiô branco da Keira no início do filme. Tinha que ser dos anos 30, mas devia ter relevância com os dias de hoje. E todo mundo só fala no vestido verde que a Keira usa. Tá vendo o que é o star system?
Na verdade, o povo só fala no quanto a Keira está magra no filme, hohoho.
ResponderExcluirA propósito, vc lê comentários tão atrasados!??
Vi Desejo e Reparação ontem e fiquei apaixonada. A Keira aparece bastante no filme sim, mas sem dúvida alguma os personagens são a Briony e o Robbie. Gostei das três atrizes que fazem a escritora (e todas muito parecidas, ou assim as caracterizaram), mas a adolescente é a melhor. Meu Deus! Só de olhar para ela já me dava um ruim. A expressão facial dela, o porte, o olhar....ela realmente me assustava. Eu via uma frieza tão profunda que chegava a gelar o meu sangue. Ela estava perfeita!
Chorei no filme, é claro. Como não chorar!?
E me apaixonei pelo ator que faz o Robbie. Lindo!!!!
Eu sempre tento dar uma olhada no "Edit Posts" e ver se tem algum comentario num post mais antigo. Mas ver em post que tava vazio eh facil, quero ver um que ja tinha 8 comentarios e alguem colocou um nono um mes depois. Muito dificil eu ver. Melhor sempre avisar. Pois eh, eu amei o filme, chorei tambem, percebi como a Keira ta magra (mas onde ela nao ta?), adorei o James McCavoy... O filme eh realmente muito bonito. Tomara que ganhe alguma coisa no Oscar.
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