quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

CRÍTICA: A LENDA DE BEOWULF / Vikings no Lago Ness

Admito que eu tava com muitos pés atrás pra ver “Beowulf”, porque lida com todos esses elementos élficos de “Senhor dos Anéis”, tipo monstros e dragões. Sem falar que a produção é baseada num poema épico indecifrável escrito numa língua incompreensível. Se você acha Shakespeare difícil, saiba que ele pelo menos falava inglês. Já a língua da época do poema (uns mil anos atrás) é inglês arqueológico mesmo, que tava mais pra alemão, no que chamavam de anglo-saxão. Ainda bem que o inglês sofreu várias influências até virar a língua fácil que é hoje. Mas, enfim, lá fui eu ver “Beowulf”, o filme, que como não poderia deixar de ser, tem pouquíssima semelhança com “Beowulf”, o poema épico ensinado nos cursos de literatura das universidades. E quer saber? O filme é envolvente e cheio de adrenalina. Nada a ver com língua morta.

Esse nome meio impronuncíavel que é Beowulf pertence a um escandinavo meio viking que, no século 6, corre pra defender um reino de alguns monstros, em especial um chamado Grendel. Não sei se movido por um complexo de Édipo federal por ter a Angelina Jolie como mãe, Grendel é um revoltado. Basta ouvir barulho de festa que ele vai lá matar todo mundo. Pena que ele não more na minha rua em Joinville e não possa visitar meus vizinhos pagodeiros pelo menos uma vez. Agora, o Beo não é um herói fácil. Ele tem um ego do tamanho do Lago Ness e vive de auto-promoção. E ele vence mais por fazer alianças (vamos dizer assim) com os inimigos do que por combatê-los. Como sabemos que ele vence? Ué, porque o poema não se chama “Monstrinho Alado”, “Grendel”, ou “Mãe Sexy da Criatura”. O Beo tem um outro problema também: ele gosta de lutar nu. É a segunda cena de luta que vejo este ano com o herói pelado. A primeira foi no excepcional “Senhores do Crime”. A diferença é que aí o David Cronenberg não tava preocupado em tapar as partes pudicas do Viggo Mortensen. Em “Beowulf”, como a censura é pra meninos, eles têm que fazer grandes malabarismos pra esconder o poderio sexual beowulfiano. Mas existe um senso de humor. O que eles usam pra tapar o p do B? Todos os símbolos fálicos possíveis e imagináveis: lanças, flechas, facas, capacetes pontudos... O balé é tão grande que lembra “Os Simpsons”, aquela cena do Bart andando nu de skate. No resto do tempo em que o B não tá ao natural, ele usa um shortinho hiper-justo. Nem sabia que a lycra já existia em 500 e bolinha.

Mas chegou a hora de contar a verdade: “Beowulf” é um desenho animado, mais ou menos. Usa a técnica de animação com live action que o diretor Robert Zemeckis já havia usado no fraquinho “Expresso Polar”. Ou seja, não é a Angelina na realidade, mas um efeito especial. E certamente não é o Ray Winstone (acredite se quiser, ele é o capanga fiel do Jack Nicholson em “Infiltrados”) que faz o B. É alguma versão distante dele. Eu tenho alguns problemas com essa técnica de live action. O olhar do pessoal não parece lá muito vivo, os cavalinhos cavalgando têm pinta de gerados digitalmente, e a Angelina no final mais lembra uma boneca inflável. Mas o que mais detesto é a ladainha pra justificar tal técnica. Por exemplo, com esses super efeitos especiais eles não precisaram filmar tudo na Noruega e economizaram a maior grana. Sei. Deve ter sido por isso que o filme custou a bagatela de 150 milhões de dólares. Pô, com 150 milhões dá pra comprar a Noruega inteira!

Ou talvez eu que não tenha ficado tão impressionada com os efeitos (quanto fiquei com outra marca do Zemeckis, “Uma Cilada para Roger Rabbit”) por não ter visto “B” em 3D. Imagina a cena em que o Beo tá caindo em cima de uma torre pra ser empalado vivo. Empalado vivo em 3D! Cinema é mesmo a maior diversão! Como o filme tá repleto de temas mais adultos, é surpreendente que tenha sido feito pra pré-adolescentes. Logo de cara, o monstro feioso baba em cima da rainha pura. Ahn, só eu que acha que essa baba é a cara de outro líquido saído do corpo dos homens? Mas o maior suspense do filme tem a ver com a nudez. Primeiro é o rei do Anthony Hopkins que deixa cair a toga, e o calafrio na espinha é de matar. A gente pensa: vamos mesmo ter que ver o berimbau de um cara de 70 anos? Coloquem uma cobra pra cobrir isso daí, rápido! Depois temos o Beo em pêlo, e a Angelina, nua mas deformada. Acho até anti-educacional. Imagina os meninos de 8 anos descobrindo que mulheres têm peito, mas não mamilos? De qualquer modo, “B” vale a pena só por sugerir que os heróis épicos morreram com o nascimento de outro herói épico, Jesus.

P.S.: Ainda sobre o Zemeckis, gosto de “O Náufrago” (principalmente quando o Tom Hanks tá preso na ilha). Gosto de “Contato”. E odeio “Forrest Gump”. Não que não seja uma historinha fácil e doce de se ver, mas a mensagem é o suprasumo do revisionismo histórico de direita. Pra mim o auge nem é a Robin Wright Penn (que faz em “Beowulf” a rainha) ser punida morrendo de AIDS, e sim o discurso do Tom numa manifestação anti-guerra em Washington. Como ele não tem nada a dizer, o barulho toma a tela e a gente “perde” a fala. Ao cometer essas atrocidades, o filme sim tem muito a dizer. E pra piorar, “Forrest” tirou o Oscar de “Pulp Fiction”. Quer saber a grande ironia? Roger Avary, roteirista de “Pulp” junto com o Tarantino, aparentemente perdoou o Zemeckis. Tanto que o Roger roteirizou “Beowulf”.

Um comentário:

  1. Me decepcionei com o que disse sobre inglês arcaico. Sério mesmo, Lola, que você não acha aquilo a coisa mais linda do mundo?

    Eu tenho orgasmos com línguas arcaicas. Trocaria cem horas de pornografia por uma bíblia de Wycliffe com ortografia original.

    Também não achei muito válida a crítica negativa ao efeitos visuais. Mas tenho que ver o filme para poder falar mais.

    Quando fala da falta de mamilos, concordo completamente. É triste e anti-educacional. Passa uma imagem completamente errada do corpo humano como algo a ser escondido, algo que é feio de se mostrar.

    É muito chato quando você vê alguém que você admira falando mal de algo que você adora e dando opiniões com as quais discorda. Me refiro, é claro, à sua menção a Senhor dos Anéis.

    Espero que no próximo texto seja mais boazinha comigo.

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