segunda-feira, 26 de novembro de 2001

OSCAR 2001: O OSCAR CHINFRIM DE UM ANO IDEM

Havia grande expectativa para as indicações do Oscar 2001. Acho que esta vontade de saber se devia ao suspense: meu Deus, será que a Academia conseguirá reunir cinco filmes bons? O ano 2000 foi trágico. Tão ruim que, além da temível qualidade artística, o público não correspondeu com seu vil metal. Bastou tocar no bolso dos produtores para eles perceberem a necessidade de mudança e jurarem que ano vem será diferente. Acredite se quiser. Eu sou uma cética histórica.
Agora que as indicações saíram, haverá um longo e monótono hiato até que aconteçam as premiações de fato. De bom, existe a ausência de um amplo favorito. De mau, a certeza que os concorrentes são tão inqualificáveis que ninguém se importa.
A gente aqui na terrinha ainda não viu todos, não chegou nem perto. Mas "Gladiador" e "Erin Brockovich" já dão o tom. O primeiro é um épico que o público gosta simplesmente porque tudo nele é grandioso, tipo "Coração Valente". Põe uma estória "real", enche de figurantes e figurinos luxuosos, inclua um herói vitimado bem definido e vilões 100% crápulas e pronto: eis uma fórmula infalível, destas que o espectador sente obrigação de apreciar. Afinal, custou caro e vale como aula de história. "Gladiador" é sobre o que mesmo? Ah é, os romanos. É a espécie de filme que quem não assistiu a "Spartacus" ou "Ben-Hur" vai gostar. Quem viu sabe que tudo isso já foi feito antes – e melhor. E eles matam um tigre em "Gladiador"! Entre o Russell Crowe e um felino, não há a menor chance de eu torcer pela raça humana. Mas "G" é o recordista em indicações: 12. Deve levar muitas estatuetas técnicas e periga ganhar melhor filme, repetindo o Globo de Ouro.
"Erin Brockovich" é um drama da vida real, interessante, bonitinho, mas poderia passar na Sessão da Tarde sem problema. Não tem cacife pra Oscar. A atuação de Julia Roberts tampouco. Nunca esquecemos que estamos vendo uma estrela de cinema fingindo não ser uma estrela de cinema. Julia sua para parecer uma pessoa que trabalha. É favoritíssima e deve ganhar. Não por causa de sua interpretação, mas pela sua popularidade e magnetismo financeiro. Vai haver o típico momento comovente de toda cerimônia da Academia: Julia e a verdadeira Erin subindo ao palco juntas e discursando, talvez aplaudidas de pé pelo público, se este não estiver dormindo. É a América mostrando ao mundo seu caráter liberal, a ideologia protestante de que quem batalha prospera, ó terra das oportunidades. A velha propaganda imperialista – você conhece, você confia.
"Chocolate" prova a força da Miramax mais uma vez. Os críticos torcem o nariz pra essa produção, mas o estúdio gastou mais em divulgação que no filme e o empurrou pras indicações. Pessoalmente, creio que nada com este nome tão persuasivo possa ser indigesto. A Miramax já deve estar comemorando as nomeações. Não tem chances. Não que ela não vá gastar uma dinheirama nesta vã tentativa, bem entendido.
"O Tigre e o Dragão" é um épico sobre artes marciais, o que conta pontos, mas está falado em mandarim. Pros americanos, o povo mais monoglota do mundo, qualquer outra língua que não o inglês é grego. E a gente sabe que eles têm dificuldades emler... legendas. "Tigre" está mais cotado que "Chocolate" ou "Erin", o que não significa que possa vencer "Gladiador" ou "Traffic". Certamente levará o Oscar de filme estrangeiro. Esta é barbada: as atrizes de "Tigre" abrirão o envelope e, visivelmente emocionadas, gritarão "Ang! Venha buscar o seu prêmio!" Lembra do "Pedro!!" (Almodovar) no ano passado e o constrangedor "Roberto!!" (Benigni) no retrasado? O de 2001 seguirá o mesmo roteiro pouco original.
"Traffic" é o queridinho da crítica. Quiçá tenha uma ligeira vantagem sobre "Gladiador", porque é considerado um filme com cérebro. Soderbergh é mais respeitado que Ridley Scott. Ele conseguiu uma façanha e tanto – ter dois filmes indicados no mesmo ano ("Erin" e "Traffic"). Isso só havia acontecido com Coppola em 74, por duas produções ("Poderoso Chefão 2" e "A Conversação") que mostram bem o abismo que separa a qualidade da década de 70 com a de hoje. Pode ocorrer que "Gladiador" leve melhor filme, e "Traffic" melhor direção. Mas contar com dupla indicação também pode dividir os votos.
Para ator, Tom Hanks parece caminhar na direção de seu terceiro Oscar. Mas Russell Crowe é um candidato sério e talvez venha carregado na esteira de "Gladiador". Ele fica uma graça de toga. Ator coadjuvante é entre o paparicado Benicio del Toro, de "Traffic", e Willem Dafoe ("Sombra de um Vampiro"). Sem descartar Albert Finney, a razão de se ver "Erin". E atriz coadjuvante, imagino que as favoritas sejam Kate Hudson (que ganhou o Globo de Ouro), filha de Goldie Hawn, e Frances McDormand. Porém, como ambas concorrem pelo mesmo filme ("Quase Famosos"), vai que as duas se anulam...
Como você vê, não dá pra prever muito. Dá pra sugerir: organize um bolão. É o único jeito saudável de você aturar aquela festa cafona, metida e enfadonha do dia 25 de março. Imagine aguentar cinco números musicais sem ter alguma coisa pra ler (as listas do bolão). E, já que o Oscar 2001 vem mofado de mediocridade, torcer pros indicados torna-se missão impossível. Melhor torcer por você mesmo e pelas suas apostas. Você ganha mais.

E O OSCAR VAI PRA QUALQUER UM MENOS NÓS
É hoje! É hoje que mais de um bilhão de pessoas vai se reunir pra assistir àquela festinha chata. O Oscar começa lá pelas onze da noite, horário de Brasília, e termina às três da matina ou quando você cair de sono, seja lá o que vier antes (quer o meu palpite?). Você, que vai ver a cerimônia pela TV aberta, preocupe-se. Será que o SBT iniciará a transmissão na hora? Os comerciais andam dizendo que será "logo depois do programa Silvio Santos". Nunca me esquecerei da Globo, uns dez anos atrás, quando esperou acabar a enésima reprise de "Os Fantasmas se Divertem" para só depois passar o Oscar, com meia hora de atraso. E a dublagem do filme ainda insistia em traduzir o nome do personagem "Beetlejuice" para "Besouro-Suco". Quer dizer, vale a pena perder o Oscar, que afinal é só uma vez por ano, pra ouvir a Winona Ryder berrar "Besouro-Suco".
Mas a editoria pediu um texto informativo, e você, fiel leitor(a), sabe como eu sou boa nisso. Eu sou assim, é meu jeitinho, fazer o quê, sou objetiva, direta, vou sempre ao ponto. E o ponto é que o Oscar deste ano vai ser um porre. A última edição foi tediosa mesmo com ótimos filmes concorrendo, casos de "Beleza Americana", "Sexto Sentido", "Matrix"... É claro que nossa memória seletiva já se encarregou de apagar qualquer vestígio da festa de 2000, mas acredite em mim: ela foi monótona e interminável. O pessoal à minha volta só acordou quando o Robin Williams cantou "Culpe o Canadá", tema de "South Park". Que coisa, não? Se a musiquinha estivesse concorrendo este ano, nós brasileiros poderíamos engrossar o coro. Ué, já esqueceu? A gente não apelidou os canadenses de "os argentinos da América do Norte"?
Uhn, direto ao ponto, certo. Os concorrentes de agora são os piores já reunidos num Oscar. Cadê o grande filme? Frequentei bastante o cinema nos últimos 12 meses, mas devo haver perdido a produção com aquele algo a mais. Continuo aguardando "Traffic", que os críticos mais gabaritados do que eu elogiam aos montes. Talvez seja ele. "Traffic" foi nomeado a cinco estatuetas, se é que eu aprendi a contar, e, vamos aos chutes, tem ótimas chances para melhor filme, diretor (o Sodenbergh de "Erin Brokovich"), ator coadjuvante (Benicio Del Toro), roteiro adaptado e edição. Pois é, tem chances em todas. Isso que é previsão infalível; até quem nunca viu uma tela grande podia prever isso. O filme é sobre o tráfico de drogas, traz Michael Douglas e senhora no elenco, e parece que vilaniza o México, e por tabela toda a América Latina (ói nóis aqui!). Meu palpite é que leve pelo menos três troféus.
Seu maior concorrente (o de "Traffic", não o seu, leitor, se bem que compreendo se você quiser levar pro lado pessoal) é "Gladiador". "Gladiador" é aquele épico que imita "Ben-Hur" e "Spartacus", e imita mal. É o ápice do liberalismo, a eterna luta do herói solitário contra o império, e adivinha quem vence no fim? Tem quem aprecie homens de toga e suas espadas fálicas. Eu, pessoalmente, achei que, quando o Joaquin Phoenix no papel de imperador faz aquele gesto do polegar pra baixo, ele estava fazendo um comentário sobre o filme. Ledo engano: é assim que os ditadores ordenavam a morte dos lutadores vencidos, o que não deixa de ser uma parábola sobre Hollywood. Minha idéia fixa é que "Gladiador" leva quase todos os Oscars técnicos e provavelmente melhor filme e, quiçá, ator. Está entre o Russel Crowe e o Tom Hanks. Os outros são zebrinhas, embora aclamados pela crítica. Umas sete ou oito estatuetas "Gladiador" ganha.
O outro representante da ideologia liberal é "Erin Brokovich". Troca-se a toga por um persuasivo decote, ajusta-se a época, sai o Russel, entra a Julia Roberts, e cá temos "Erin", que é sobre... a eterna luta da heroína solitária contra o império etc. Não é um mau filme, de maneira alguma, mas também não é digno de concorrer ao Oscar. Vai abocanhar só o prêmio de melhor atriz, e já está bom demais. Você conhece o roteiro: a Julia sobe no palco. A verdadeira Erin também. Ambas são aplaudidas de pé. Viva a América, só lá isso acontece. A mídia compara as duas. Analisa os vestidos, os colares, os peitos de cada uma. Decide que Erin é mais glamourosa e menos vulgar que Julia. Nunca mais se fala no filme. O cachê de Julia se estabelece em US$ 20 mi por filme, mas se a obra for sincera, "artística" como "Erin", ela faz por menos.
O grande arroz de festa do ano, na minha singela opinião, é "O Tigre e o Dragão". Tá lá, indicado pra dez categorias, mas duvido que ganhe mais que a estatueta de filme estrangeiro. Posso estar chutando errado, e então minha promissora carreira de crítica de cinema estará liquidada amanhã, mas eu sou assim, intrépida e corajosa como esses lutadores chineses, com a diferença que ainda não aprendi a voar. Pode até ser que "TD" tire um ou outro Oscar técnico de "Gladiador", mas faça os cálculos. Sejamos racionais. Quem vota na Academia, americanos ou chineses? Sabe a tal reserva de mercado? Acho que ainda não vai ser desta vez que Hollywood consagrará uma produção não falada em inglês, que é mais ou menos a língua que os americanos balbuciam no intervalo entre "like" e "you know".
E o último concorrente, este sem chance nenhuma, já celebrando as indicações, olha a minha carreira aí na corda bamba de novo, é "Chocolate". Vai saber, de repente é agraciado com trilha sonora, mas quanto a melhor filme e atriz, pode esquecer. A produção é vista como mais um triunfo da Miramax em colocar coisas medianas na lista. "Chocolate" não é nenhum bombom estragado, muito pelo contrário, mas não merece Oscar. Os outros indicados tampouco.
Meu único palpite infalível neste artigo vem agora. Prepare-se, você não leu tudo isso em vão. A sugestão é: organize um bolão com amigos. Só assim pra aguentar tantas horas de auto-congratulação. Aí você torce por você mesmo e não precisa se emocionar com o discurso da Julia. Mas lembre-se que Oscar é Oscar e é só uma vez por ano, então vale o sacrifício. Assista, nem que seja pra ver uma brilhante carreira (a minha!) se encerrar em uma só noite.

TAPINHAS NAS COSTAS
O Oscar 2001 de domingo à noite até que foi rápido – só três horas, ao invés das quatro habituais. Eu errei várias previsões, como era de se esperar, mas, de maneira geral, acho que minha promissora carreira como crítica cinematográfica está salva. Se você estiver lendo este artigo é porque eu ainda tenho esta boquinha.
Na contagem final, parece que todo mundo saiu ganhando. "Gladiador" levou cinco estatuetas pra casa, incluindo as prestigiadas melhor filme e ator. O pessoal deixou a reserva de mercado de lado e premiou "O Tigre e o Dragão" (ou, como os comentaristas não se cansavam de pronunciar, "O Trigue e o Dagrão", eta nominho difícil) com quatro. E é possível que o grande vencedor da noite tenha sido mesmo "Traffic", que, indicado para cinco categorias, ganhou em quatro – só perdeu na principal.
Surpresa de verdade só na categoria de atriz coadjuvante e, talvez, em escala menor, na de roteiro original. Na primeira, a estatueta escapou das mãos da favorita Kate Hudson e foi parar nas de Marcia Gay Harden, por "Pollock" (alguma chance deste filme chegar aqui?). E, na segunda, nem "Gladiador", nem "Erin Brockovich", e sim "Quase Famosos", bastante inesperado.
Steve Martin se deu muitíssimo bem como o mestre de cerimônias, esteve à vontade, fez boas piadas... Uma delas dizia que um jantar reuniu Mel, Julia, Tom e outros "acima do título" (referência a quando o nome do astro aparece antes do do filme), e que foi uma noite agradável, onde Mel elogiou "Erin", Julia elogiou "Náufrago", Tom elogiou "Do que as Mulheres Gostam", e todo mundo divertiu-se falando sobre ARTE. Tudo bem, talvez você não esteja rolando de rir no chão, mas a piada é ótima porque as produções citadas, apesar de legalzinhas, não tem nada a ver com arte. E também porque capta bem o espírito do Oscar, que é justamente esse de auto-congratulações. É um carinha dando tapinha nas costas do outro e dizendo "você está fantástico em...". É um concurso de popularidade, o que pode ser constatado pelo histriônico-porém-sincero discurso de agradecimento de Julia Roberts. No fundo, todos os vencedores gostariam de gritar o que Sally Field berrou em seu lendário monólogo: "Vocês gostam de mim! Vocês realmente gostam de mim!".
E é por isso que seria infinitamente mais interessante pra nós, público, ralé, extras e figurantes não-convidados, se a Academia divulgasse números. Tá, o Russell Crowe ganhou, mas ficou quantos votos na frente do Tom Hanks? Já que é mesmo uma corrida de cavalos, por que não transparência total?
E por falar no Russell, não deve existir em Hollywood um sujeito tão mal humorado, tão carrancudo, tão mala. Se ele não gosta de competir, se acha o Oscar uma babaquice, deveria fazer como tantos outros: não comparecer, inventar uma desculpa, mandar uma índia para fazer discurso político no seu lugar. câmera não se cansava de focalizá-lo, e ele não sorriu nem quando venceu. Desse jeito vai ser difícil fazer papéis cômicos...
Outra que foi focalizada e citada do começo ao fim foi a Julia. Foi nesta previsão que eu mais me enganei: a verdadeira Erin nem foi convidada. Pouparam-nos do constrangimento. Este negócio de ninguém se lembrar do filme que deu o Oscar à Julia um dia depois da entrega não procede – ninguém se recordava do filme até antes da Julia ganhar.
Os números musicais foram aquela cafonice de sempre, mas pelo menos tivemos o sabor de um paladar diferente ao ouvirmos Bjork e Bob Dylan. Uhn, Bjork fantasiada de cisne. Mas não quero entrar no assunto de roupas, do qual não entendo bulhufas. Pergunte a mim e a qualquer homem hetero do planeta o que a atriz mais linda da festa estava vestindo e você receberá o mesmo olhar confuso. Não me lembro de um só traje. Ah, tinha um amarelo, né? Bom, é certo que o Armani não fica cada vez mais rico às minhas custas. Tão certo quanto malhar o Oscar e não perder nenhuma edição.

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