“Os Pássaros” se baseia num conto de Daphne du Maurier que também é instigante, embora não tenha nada a ver com o filme. O conto é mais rural; o herói é um fazendeiro. Fora isso, Daphne inventa que a fúria alada está acontecendo no resto do planeta, e arrisca um palpite: as marés altas mexem com os bicudos. Pro protagonista da história, segurança e conforto são representados por xícaras na cozinha. É muito legal o que Hitch faz com essas xícaras no filme (elas aparecem completamente bicadas). O diretor, que sempre contribuía nos roteiros, apesar de nunca assiná-los, não dava a mínima pra fidelidade à fonte. Ele lia o livro ou o conto uma vez e nunca mais. Mas digamos que o cerne do conto – o pavor pelo que está bem próximo da gente – encontra-se no filme. Afinal, fazer com que dinossauros soem assustadores parece fácil. Eles são grandões. Baratas são asquerosas, tubarões têm mandíbulas. Agora, como temer inocentes pardais e outras cabecinhas de minhoca?Não sei se o filme assusta os adolescentes de hoje, mais acostumados a uma violência de videogame. Acho que eles se preocupam demais com o realismo dos efeitos especiais. A galera vê “Os Pássaros” e pensa: “Eca! Que mal-feito! Isso não é real!”. Dããã, é óbvio que não é real. Passarinhos não agridem humanos. Desculpe revelar um incrível segredo, mas nada no cinema é real. Como diz o menininho em “Matrix”, não há colher, lembra? E tampouco há porta. Entre a tonelada de material interessante presente no documentário do DVD, a mais-mais é a que mostra que, bem no fim de “Os Pássaros”, quando Rod Taylor abre a porta, com ele e a Jessica Tandy (a velhinha de “Conduzindo Miss Daisy”) segurando uma sangrenta Tippi Hedren (mãe da Melanie Griffith), não há porta. O Rod faz um gesto com a mão como se abrisse uma porta, e a porta simplesmente inexiste. É impossível notar. Sabe como todo mundo que vê “Cães de Aluguel” acha que o bandido realmente corta a orelha do policial? É a ilusão do cinema.
Pra mim, a prova definitiva de que “Os Pássaros” funciona é que quem vê o filme não consegue nunca mais encarar nossos amigos de asas do mesmo jeito. Assim como a gente lembra do tubarão antes de nadar no mar ou de “Psicose” antes de tomar uma ducha, “Os Pássaros” entrou no nosso inconsciente coletivo – há quarenta anos. E foi bom, não foi?
Incrível! Em 2003 ninguém postava nada! Caí aqui porque acabei de assistir "Rebecca" também baseado no livro de Daphne du Maurier e saí buscando uma crítica sua. "Rebecca" leveou o Oscar de 1940, mas "Os pássaros" é definitivamente mais inesquecível.
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