Esse negócio de defensores dos animais serem os vilões cheira à vingança do Danny Boyle, diretor dos estonteantes “Cova Rasa” e “Trainspotting”, contra os ambientalistas que chiaram pelo que ele fez com uma ilha na Tailândia no desastre ecológico que foi “A Praia”. Mas, apesar de ser fascinante ver Londres vazia, “Extermínio” não é nem assustador nem original. Qualquer um que tenha prestigiado a trilogia do George Romero, iniciada em 68 com “A Noite dos Mortos-Vivos”, entende o que eu tô dizendo. Sem falar que vários episódios televisivos de “Além da Imaginação” trataram do tema. Isso é o maridão que revela, já que eu não sou dessa época (num dos episódios, o mundo acaba e um homem que adora ler fica sozinho numa biblioteca. Tudo vai bem até que seus óculos quebram. Isso é melhor que zumbis!).
A vantagem de Londres vazia é que o Tony Blair é finalmente defenestrado. A desvantagem é que falta água e luz. Um quarteto de sobreviventes tenta ir pra Manchester, onde um grupinho de nove militares resiste. Não compreendo por que eles demoram tanto pra pegar um dos mil carros largados na rua, e, por um bom tempo, preferem andar. São da geração saúde? Por sinal, a única cena assustadora de toda a produção aparece logo no começo, quando o alarme de um carro dispara. Aproveite. Ah, tem também a cena mais chocante, referente a um energúmeno que entra sozinho numa lanchonete escura e abandonada num posto de gasolina pra comer um x-burger. Nesse momento, o maridão me confidenciou: “Escolheram os caras errados pra sobreviverem”. Eu respondi: “O que você quer? Eles são ingleses!”. De fato, com este horror os britânicos provam que não são muito mais evoluídos que os americanos. E a cena mais legal, ou pelo menos uma das pouquíssimas cenas onde os cineastas se puseram no nosso lugar, mostra a gangue pegando tudo que quiser num supermercado, incluindo aí chocolate. Porém, como todas as outras cenas, infelizmente esta também não dá em nada. Fica só na boa intenção.
O pior, pior de verdade é que mesmo “Extermínio” sendo alternativo e moderno (cheio de música para zumbis, por exemplo), ele ainda é ultra-conservador. Quer dizer, o que você espera que as duas únicas moças da história falem ao descobrir que os homens querem fazer sexo com elas? Façam fila, por favor? Errou: elas continuam achando a monogamia um valor decente. Pô, a civilização acabou, suas antas! Por algum motivo, elas entram em pânico e decidem que vale a pena matar e morrer pra defender sua honra. Imagina se eu sou a última mulher do mundo, posso comer todo chocolate que quiser e serei protegida e venerada não por um, mas por dez garanhões? Sei não, não me parece um prospecto tão terrível. E lá tem água quente e lençóis limpos! Claro que eu sou assim, altruísta, ao contrário das sobreviventes do filme. Faria qualquer coisa pra perpetuar a espécie. Até sexo.
4 comentários:
Eu cheguei nesse post por causa desse post: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2012/12/eu-e-o-cinema-adoramos-acabar-com-o.html
O comentário eu escrevi baseada nos dois posts. vivi uma pequena crise para saber em qual post eu deixava o *texto* que eu tinha escrito. Acabei achando que tinha mais a ver deixar aqui, já que eu falo para caramba do exterminio...
Sempre que eu leio críticas de filmes procuro relativizar e tentar entender o ponto de vista da pessoa. Acho que o quanto cada um gosta de um filme depende da empatia que ele provoca e das expectativas que se tinha do filme. Normalmente quando eu não gosto de um filme é porque faltou uma dessas duas coisas (não atendeu a expectativa, não criou empatia com os personagens).
É o motivo pelo qual eu acho "madrugada dos mortos" um bom filme, mas inferior a outros do genêro. Não consigo gostar dos personagens, não me comovo com os seus dramas nem compartilho das suas soluções. Aliás a cena que eu mais odeio nesse filme é a do cachorro. Num shopping que parece ter de tudo - inclusive cordas para improvisar um arco-e-flecha ou uma tirolesa - eles optam por mandar comida pro outro lado da rua por um cachorro. Um cachorro que não era apenas um cachorro - era o objeto de afeto de uma menina que tinha perdido o pai. Um cachorro que podia falhar miseravelmente na missão e correr por aí, sem entrar na casa. Um cachorro que precisaria de uma porta aberta para entregar a comida, o que é perigo certo quando a rua está abarrotada de zumbis famintos. E claro, eles estão a semanas conversando com o cara do outro lado da rua, mas eles nunca trocaram informações sobre os zumbis. Nunca disseram "ei, você sabia que quando um zumbi morde uma pessoa saudável ela se torna um zumbi?". Claro, porque se tivessem falado isso, não existiria a cena dramática do personagem tentando acalmar o colega mordido através do rádio.
Só que essa cena ou a irrelevância individual de cada personagem não compromete o filme. Tem bastante ação e uma trilha sonora nervosa para nignuém se incomodar com os personagens que tão ali só para fazer número e morrer. Ou com os protagonistas superficiais e pouco carismáticos. O elenco como grupo funciona e a história segue. É um filme divertido.
Particularmente eu acho " A noite dos mortos-vivos" - tanto o original quanto a refilmagem - melhores. O ritmo é mais lento, mas os personagens são mais bem construídos, possuem mais nunces e personalidades mais definidas. O dilema "saímos da casa ou nos escondemos" é melhor colocado, até porque, no "madrugada" parece que a galera podia passar alguns anos ali até ter a necessidade de ir embora. E a conclusão - igualmente pessimista - permite mais reflexão.
Eu fiz essa introdução enorme para falar da sua crítica ao extermínio. Ao contrário do madrugada e dos outros filmes do Romero eu levei um tempão para assistir extermínio. Eu lia a contracapa do DVD e pensava "nossa deve ser muito ruim". Um dia eu resolvi arriscar e assistir ao filme e para minha surpresa achei ele muito bom. Um dos motivos - claro - pode ser a minha baixa expectativa em relação a ele.
(continua aí embaixo)
O fato é que eu empatizei muito rápido com o protagonista (deve ser porque ele é bonitinho), e simplesmente amei a Selena (personagem da Naomi Harris). Geralmente nos filmes de ação as mulheres são relegadas a um papel secundário: ou vão ser salvas pelo mocinho, ou vão fazer uma grande bobagem que colocará todos em perigo ou vão se desesperar e acabar morrendo. Há belas exceções: Sigourney Weaver, como tenente Ripley e Patricia Tallman como Bárbara (Night of the Living Dead). E em extermínio tem a Selena, que é realmente foda.
Ela salva o protagonista uma meia duzia de vezes e eu me diverti com essa inversão. Até o momento em que o protagonista ataca "covardemente" um zumbi - um garoto de 12 anos - num posto de gasolina ele ainda não tinha matado ninguém nem feito nada de relevante para o grupo. Isso é lá pela metade do filme! Em que filme do gênero o protagonista homem ficaria tanto tempo assim sem salvar alguém e eliminar alguns zumbis? E na cena dele espancando o garotinho zumbi fica claro que é um ato inútil, um risco desnecessário a segurança do grupo, mas também era algo que ele precisava fazer para provar a si mesmo que possuía utilidade, que merecia estar vivo. E dá certo: ele mata o garotinho, se sente bem e volta confiante pro carro. Só que o espectador do filme sabe que o que ele fez não foi grandioso. E aí acho que rola um espaço para reflexão do papel masculino na sociedade. Porque raios o personagem precisava provar para si mesmo que ele era capaz? Será que o discurso de gênero estaria tao incrustado nele que o levaria a tomar uma atitude estupida e impetuosa simplesmente para confirmar que ele ainda possuía valor, que ele ainda era um herói, um homem? E claro que ao dar ao protagonista um desafio fácil, quase irrelevante o filme deixa claro que não se trata de um ato heróico e sim um ato egoísta.
Há uma outra interpretação dessa cena, menos feminista e mais existencialista. O rapaz entre no posto em busca de um desafio e mata um garoto assustado - reflexo dele mesmo. O assassinato do menino passa a ser simbólico - foi a inocência do protagonista, o vínculo dele com o mundo antigo que morreu. Dali para frente ele é outra pessoa. E a irrelevância do desafio perde a importância: o que importa é a decisão interna do personagem, sua mudança de atitude frente ao mundo. Particularmente eu acho que as duas interpretações são complementares; não creio que elas se sobreponham. Mas vá lá, só vai ver essas coisas quem tiver procurando (eu sempre to procurando). Quem estiver em busca de entretenimento não vai achar nunca.
O que me incomodou mesmo no seu texto foi esse trecho: "O pior, pior de verdade é que mesmo “Extermínio” sendo alternativo e moderno (cheio de música para zumbis, por exemplo), ele ainda é ultra-conservador. Quer dizer, o que você espera que as duas únicas moças da história falem ao descobrir que os homens querem fazer sexo com elas? Façam fila, por favor? Errou: elas continuam achando a monogamia um valor decente. Pô, a civilização acabou, suas antas! Por algum motivo, elas entram em pânico e decidem que vale a pena matar e morrer pra defender sua honra. Imagina se eu sou a última mulher do mundo, posso comer todo chocolate que quiser e serei protegida e venerada não por um, mas por dez garanhões? Sei não, não me parece um prospecto tão terrível. E lá tem água quente e lençóis limpos! Claro que eu sou assim, altruísta, ao contrário das sobreviventes do filme. Faria qualquer coisa pra perpetuar a espécie. Até sexo.".
(continua aí embaixo)
O encontro da gangue com o grupo dos militares pode ser pensando como qualquer coisa MENOS como uma oportunidade das personagens femininas fazerem sexo. Sério, é óbvio pro espectador que aqueles militares não são flores que se cheirem. Assim que as moças chegam no "bunker" um dos rapazes tenta avançar sobre elas e é contido por outro militar. É prólogo do que estar por vir. Na mesa de jantar, enquanto o comandante faz o discurso sobre a sociedade que ele pretendia re-fundar, um soldado-cozinheiro (que usa avental e é feminino) serve a comida. E leva um esporro homérico do comandante e é sacaneado pelos colegas porque serviu comida ruim. É obvio o que aconteceria se as moças decidissem ficar ali: elas ocupariam o lugar do soldado-cozinheiro. A felicidade do comandante em achar mulheres não é só em função da satisfação sexual: significa restaurar o patriarcado do jeito que ele era antes do fim do mundo, com mulheres na base e homens no topo. Então o comandante faz a proposta para a Selena e ela cordialmente recusa. Não é pela honra, nem pela monogamia (até onde eu me lembro ela ainda não tava pegando o protagonista), mas pelo direito de escolher com quem e quando vai transar. Poxa vida, se no meio do apocalipse zumbi eu trombo com um grupo de mascus bonitões que querem fazer sexo comigo em troca de toalhas quentes... eu também preferiria tentar a sorte com os zumbis. E é o que a Selena faz; pede ao comandante que deixe eles irem embora. Ele recusa. E meu deus, se as moças não tinham nem o livre-arbítrio de ir embora será que poderiam dizer não para algum dos carinhas?
Diante da recusa do comandante e do fato que eles eram prisioneiros ali, a Selena tenta barganhar. Ela faria o que eles quisessem desde que os outros dois integrantes do grupo fossem protegidos. O comandante recusa a barganha e exige que a menina adolescente também seja negociada. Dada a diferença de força Selena acaba aceitando. O protagonista não aceita - e como ele é homem e não aceita as regras do grupo - é condenado a morte.
Esse pedaço do filme é uma referencia ao patriarcado. Ao lado negativo do patriarcado tanto para homens quanto para mulheres. O filme inteiro passa (sem aprofundar) por várias instituições: começa num hospital, passa por uma igreja, por várias famílias. E aí chega o exercito e o patriarcado. Então, a luta da Selena e dos outros é uma luta pela liberdade e não pela honra ou pela monogamia.
Eu aceito que o filme é conservador pelo final. A luta da gangue contra os militares é na porrada. Certamente se a protagonista fosse a Selena e não o rapaz, o filme poderia ter outro final. Ela poderia manipular o grupo, fazer os indivíduos se voltarem um contra o outro. Podia se aliar a militares que não estivessem satisfeitos com o comandante e tomar o poder. Poderia ludibria-los e então fugir. Mas o protagonista do filme é o rapaz e esse é o momento de glória dele. Primeira vez no filme que ele salva ela. E mesmo no momento de glória dele, boa parte do serviço é feito pelas moças (e uma parte maior ainda pelo zumbi que os militares torturavam no quintal).
(juro que tá acabando só falta um pouquinho!)
E tem o final, com o três vivendo uma vida bucólica no interior da Inglaterra. Claro que para chegar nisso, ela teve que salva-lo uma ultima vez, garantindo que ele recebesse atendimento médico no meio do apocalipse zumbi. E tem a Selena costurando um sinal de SOS, o que definitivamente não é algo revolucionário. Concordo que o final é conservador, mas não acho que prejudique o filme como um todo. Afinal de contas, as pessoas são livres para escolherem como querem viver a vida. Não acho que o filme ao mostrar uma dessas escolhas esteja fazendo propaganda da mesma.
E claro que podemos pensar porque nos filmes-de-fim-de-mundo existem sempre muito mais homens que mulheres. E porque são sempre os homens machistas, loucos e chatos que sobrevivem nunca os caras legais. E claro que esses dois "clichês" são fruto da ideologia machista da nossa sociedade. Um filme que compartilhe desses dois clichês não é necessariamente ruim; também é preciso ver o tratamento dado a eles. E eu realmente acho que "Extermínio" tem mais virtudes que vícios.
Claro que isso é a minha opinião. E eu escrevi esse texto enorme só para compartilhar uma outra visão do filme. Acho perfeitamente possível alguém não gostar de "extermínio". ;-)
(acabou! Viva!)
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