sexta-feira, 30 de novembro de 2007

CRÍTICA: MOTOQUEIRO FANTASMA / Motoboy fantasma

Pelos trailers de “O Motoqueiro Fantasma”, esperava uma sessão de tortura lenta. Agora tenho até vergonha de dizer em voz alta que o filminho é ótimo passatempo. Tá, claro que é baseado numa história em quadrinhos classe B (ou C). Os de Classe A incluem “Homem-Aranha”, “Superman”, “Batman”, quiçá “X-Men”. Acho que o personagem fantasmagórico da Marvel não tem muito prestígio. Então (tô chutando) ninguém esperava uma grande adaptação pro cinema. A começar pelo Nicolas Cage, que – dizem as más línguas – é tão fã dos quadrinhos que tem uma caveira pegando fogo tatuada em alguma parte do seu corpo. Caveira com foguinho, entenda, é a marca registrada do “Motoqueiro”. Como eu não conhecia a trama direito, demorei até entender por que tinha que ser motoqueiro-fantasma, e não, sei lá, pra ficar nos esportes, enxadrista-fantasma ou futebolista-fantasma. É que o sujeito é, no fundo, uma espécie de motoboy-fantasma, desses que coletam almas perdidas e filhos rebeldes e os entregam ao demo.

Logo no início da aventura, depois de conhecermos os personagens na juventude (principalmente o motoqueiro e sua namoradinha), o Nicolas Cage recebe a visita de uma “velha amiga”. O filme faz questão de mostrar a Eva Mendes (de “Hitch – Conselheiro Amoroso) e, em seguida, inserir uma imagem da atriz que fez a namorada jovem. Sussurrei pro maridão, “Tô me sentindo uma retardada”. Vejamos: o motoqueiro teve inúmeras amigas na sua adolescência, ou apenas uma? A gente podia confundir a Eva exatamente com quem, uma moto?

Depois dessa derrapada violenta o filminho melhora. Pelo menos ele definitivamente não se leva a sério, e esse é o seu maior trunfo. Quando o Nicolas (parecendo um Clive Owen com muito menos charme) diz “Vamos rodar” no trailer, parece que ele é pior ator do mundo e suas redondezas. Mas no filme a canastrice dele faz total sentido. Ele sabe que não tá interpretando Hamlet. Outro que encarna bem o espírito trash é o Wes Bentley (o vizinho/ traficante/videomaker de “Beleza Americana”). Como ele é bonito demais pra fazer papel de bonzinho, tá ideal como o filho do Coisa Ruim. Aliás, o que ele tem feito de 99 pra cá? Nada? Hibernado?

E eu tô tão decadente que nem reconheci o Peter Fonda (que faz Satanás). Ele é filho do Henry, irmão da Jane, pai da Bridget, e também conhecido como aquele de “Easy Riders – Sem Destino”. Não é à toa que ele e o Sam Elliot estejam no filme. Ambos fizeram vários papéis de motoqueiros. Deve ser uma homenagem. Inclusive, volta e meia um personagem pergunta pra outro: “O que você tá fazendo aqui?”, o que ressona nos ouvidos do espectador. O Nicolas responde essa pergunta difícil com um “Eu tenho um contrato...” Essas piadinhas internas são uma graça. Adorei também a cena em que o Nicolas explica pra Eva porque furou o jantar. “Ahn, é que eu vendi minha alma pro diabo, e agora trabalho pra ele”. Eu não conseguia parar de rir.

E gostei de quando o rapaz pergunta ao demo o que ele quer em troca pela cura do pai, e o Peter passa os olhos pela garagem cheia de bugigangas antes de dizer: “Sua alma, pode ser?”. E de quando o Sam pede pro Nicolas esterilizar alguma coisa, e o Nic se prepara pra incendiar o troço, antes de ser avisado que seus superpoderes não funcionam assim. Tá, não é uma obra-prima, mas compara com a versão horrenda que fizeram pro “Demolidor”. Oops, acabei de descobrir que é do mesmo diretor.

Só espero que toda essa propaganda de motos envenenadas não faça com que o pessoal que anda de moto tente imitar os dublês do filme. Porque uma coisa é cinema, outra é a realidade, e eu já vejo acidentes de moto demais todo dia. Taí algo que não precisa de mais incentivo. Agora, por mais que eu tenha gostado da aventura, quer saber se estou louca pra ver a seqüência? Digamos que eu prefira fazer pacto com o demo. Se bem que vou negociar minha alma em troca de algo melhor: Sata, se estrear por aqui qualquer outra coisa que me permita pular “Norbit”, pode me colocar em cima de uma moto e transformar minha caveira num fogaréu. Sou toda sua.

P.S.: Tem quem ache que minha alma já tem dono. Outro dia uma leitora irada escreveu rebatendo uma crítica minha em que eu dizia que felizmente não sou religiosa, logo jamais serei possuída. Segundo essa leitora, Satanás possui alguém pra incomodar, e ele não teria o que fazer com almas que já lhe pertencem. Bom, a alma do motoqueiro é de propriedade particular do demo há décadas, e mesmo assim o Príncipe das Trevas acompanha a carreira do pobre-coitado com afinco. Não é lindo rebater fanatismo religioso com sabedoria de histórias em quadrinhos?

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