Imagine a cena: você está em São Paulo e vai a um cinema chique, com nome de banco, que dá desconto no ingresso aos correntistas, assistir a um filme que deplora sua boa vida de classe média, que mostra a condição brasileira sem muitos disfarces. Você ri um pouquinho durante a projeção, mais por desconforto do que por achar graça, e sai da sala achando que os nove reais investidos valeram a pena. Antes de pegar seu carro num estacionamento que te lesou em oito reais (é isso ou os guardadores de plantão), você vê que a fila para a próxima sessão é imensa, cheia de gente bem vestida esperando para se ver ofendida por uma produção panfletária. A situação não chega a ser surrealista, no meio desta pátria tão surreal, mas quase.
O filme em questão é "Cronicamente Inviável", que vem lotando as poucas salas que o exibem há praticamente três meses. Um sucesso absoluto em termos nacionais, e uma migalha se comparado a "Missão Impossível", por exemplo. O diretor paranaense Sérgio Bianchi mostra como vivemos em um clima de tensão permanente. De um lado há um povo miserável e cordial que aceita qualquer coisa, e que se sacia com um pouco de carnaval, e de outro há uma classe média que não se cansa de gritar "Não é minha culpa! Não é minha culpa!". Os conflitos se dão por meio das relações cotidianas, como entre patrão e empregada ou cliente e garçom. Cinematograficamente falando, "Inviável" não tem grande valor. Os personagens principais são meio soltos, os atores estão apenas corretos (e os que fingem ser pobres não convencem), não há nenhum ângulo de câmera mais original. Tudo isso não importa. Afinal, não se trata de entretenimento. "Inviável" é um filme que faz pensar, que ressuscita nossa capacidade de indignação, há tanto tempo anestesiada. Há muitos diálogos explicitamente chocantes. Representantes da elite, reunidos em uma mesa de restaurante, chegam à conclusão de que, se Deus é mesmo brasileiro, Ele só vem pra cá pra dormir ou pra ir ao banheiro. Depois, a madame incorformada distribui cola de sapateiro e brinquedos para crianças de rua. Enquanto a meninada se soca para decidir quem vai ficar com os presentes, ela reflete: "Quem disse que caridade não é um ato revolucionário?".
Sobra pra todo mundo. Talvez o protagonista da história seja um catarinense oportunista que vira garçom e garoto de programa na cidade grande. O Sul é descrito como um lugar habitado por pessoas escravizadas pelo trabalho, separatistas, alienadas e preconceituosas. A intenção de Bianchi ao mostrar o sujeito urinando nos nossos jardins germânicos, antes de deixar o Sul, parece bastante óbvia. Há gotas respingando na gente. Não que Bianchi se atenha ao Sul Maravilha. Ele vai até Rondônia para exibir uma vila excluída e sem nenhuma perspectiva de melhora. A legenda anuncia que a cidadezinha chama-se "Bom Futuro". O público ri. Ri menos no fim, quando uma mendiga cobre seu filho contra o frio paulista. Ao dar um beijo de boa noite ao pimpolho sorridente, ela declama seu orgulho pelo menino, que não rouba, só aceita o que as pessoas lhe dão. E acredita que ele irá longe na vida. Não sei quanto a você, mas isso me lembra uma das canções magníficas do Chico, "Meu Guri". Aquela em que a mãe narra seu amor pelo filho trombadinha - que acaba assassinado. Há alguns garotos mortos no filme, e dois são atropelados por carrões. A cena em que uma senhora passa por cima de um menino e o deixa agonizando no meio da rua, declarando-se atrasada para um compromisso, é geralmente vista como a mais terrível de "Inviável". Não para mim. Prefiro a sequência com um ônibus lotado, apinhado de trabalhadores, com gente pendurada do lado de fora. O carro de uma madame morre em frente ao ônibus, o motorista buzina, a madame desce para ofender o motorista, enquanto os passageiros olham tudo, impassíveis. Quem acha que as músicas de protesto do Chico estão datadas - porque, claro, não há porque se protestar hoje em dia -, vai achar que "Cronicamente Inviável" não tem razão de ser. Porém, se você não se importa de refletir um tiquinho sobre este nosso país, assista. Você poderá ver Inviável" quando ele for lançado nas locadoras. Mas, desde já, fique avisado que o vídeo não tem o mesmo impacto. Nada substitui a realidade de sair do cinema e observar famílias inteiras dormindo no asfalto e nos viadutos da Av. Paulista. Isto em São Paulo - que, não custa lembrar, é a cidade mais rica do Brasil.
Sobra pra todo mundo. Talvez o protagonista da história seja um catarinense oportunista que vira garçom e garoto de programa na cidade grande. O Sul é descrito como um lugar habitado por pessoas escravizadas pelo trabalho, separatistas, alienadas e preconceituosas. A intenção de Bianchi ao mostrar o sujeito urinando nos nossos jardins germânicos, antes de deixar o Sul, parece bastante óbvia. Há gotas respingando na gente. Não que Bianchi se atenha ao Sul Maravilha. Ele vai até Rondônia para exibir uma vila excluída e sem nenhuma perspectiva de melhora. A legenda anuncia que a cidadezinha chama-se "Bom Futuro". O público ri. Ri menos no fim, quando uma mendiga cobre seu filho contra o frio paulista. Ao dar um beijo de boa noite ao pimpolho sorridente, ela declama seu orgulho pelo menino, que não rouba, só aceita o que as pessoas lhe dão. E acredita que ele irá longe na vida. Não sei quanto a você, mas isso me lembra uma das canções magníficas do Chico, "Meu Guri". Aquela em que a mãe narra seu amor pelo filho trombadinha - que acaba assassinado. Há alguns garotos mortos no filme, e dois são atropelados por carrões. A cena em que uma senhora passa por cima de um menino e o deixa agonizando no meio da rua, declarando-se atrasada para um compromisso, é geralmente vista como a mais terrível de "Inviável". Não para mim. Prefiro a sequência com um ônibus lotado, apinhado de trabalhadores, com gente pendurada do lado de fora. O carro de uma madame morre em frente ao ônibus, o motorista buzina, a madame desce para ofender o motorista, enquanto os passageiros olham tudo, impassíveis. Quem acha que as músicas de protesto do Chico estão datadas - porque, claro, não há porque se protestar hoje em dia -, vai achar que "Cronicamente Inviável" não tem razão de ser. Porém, se você não se importa de refletir um tiquinho sobre este nosso país, assista. Você poderá ver Inviável" quando ele for lançado nas locadoras. Mas, desde já, fique avisado que o vídeo não tem o mesmo impacto. Nada substitui a realidade de sair do cinema e observar famílias inteiras dormindo no asfalto e nos viadutos da Av. Paulista. Isto em São Paulo - que, não custa lembrar, é a cidade mais rica do Brasil.
incrivel que este post não tenha tido comentários.
ResponderExcluirserá que é o mesmo silêncio de quem viu o filme e está ocupado pensando, ou sentindo vergonha da propria condição de ignorante e colaborador da permanência das mesmas misérias, ou ninguém viu mesmo?
Vi "Inviável" na faculdade, e não é um filme que nos faz refletir e sim que nos obriga, espero que ninguém que viu tenha ficado indiferente a realidade do nosso país e me arrisco a falar do mundo.
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