terça-feira, 27 de novembro de 2001

CRÍTICA: ASSASSINATO EM GOSFORD PARK / Descalços no parque

Pausa pra ouvir a ária de Handel. Aleluia, estrearam em Joinville dois filmes que passaram em centros maiores faz uns três meses, mas tudo bem, antes tarde do que nunca. São "História Real", do Lynch, e "Assassinato em Gosford Park", do Altman. Vou falar do segundo, se me permitem.

Antes de mais nada, devo contar que atrás de mim tinha uma meninada se comportando como se estivesse vendo "Escorpião Rei", ou uma das sessões pipoca de praxe. Tagarelaram e deram risadinhas durante toda a exibição. Minha dúvida é: por que essa gente vem ver um filme desses? Seria por causa do assassinato no título? É um só, pessoal. Não tá nem no plural. Agora, pelamordedeus, um nome como "Gosford Park" deveria servir pra afugentar o espectador incauto. Mortes em parques não rendem bons filmes de ação, galera. Já ouviram falar de "Mistério no Parque Gorky" ou "Blow-up – Depois daquele Beijo"? Tudo produção meio paradona. Deixo aqui meu apelo – crianças, não venham ao parque. Vão se divertir com coisas que explodem.

"Gosford" não tem sequer uma perseguição de carro, ora veja. Não aparecem nem os seios das atrizes. Nem os da Emily Watson que, se não me engano, se mostrou como veio ao mundo em todos os dramas de que participou. O que "Gosford" tem de monte é personagem. Uma multidão a dar por quilo. A cada minuto surgia um personagem novo. Podia tomar anotações? Sinceramente, eu me perdi. Só consegui guardar uns cinco.

Sou do tipo impaciente, que, se sente que o filme está enrolando pra começar, reclama: este troço não vai ter início não? Só que não me senti assim com "Gosford", para seu crédito. O roteiro não é lá muito coeso, os diálogos vão e voltam, mas o tema central é bastante claro: a relação entre patrões e empregados na Inglaterra dos anos 30. É, tenho quase certeza que era esse. O ponto de partida é atraente, mostrando as acomodações dos ricaços e dos serviçais ao chegar numa mansão. O esquisito é que o filme perde interesse lá pela metade, quando ocorre o tal assassinato.

Ou talvez os milionários, com seus casacos de pele, suas caçadas e sua futilidade, e os empregados, que vivem para servir seus patrões, provoquem ojeriza. Não gostei dos ricos, nem de seus criados. Pode ser aquele fator de que falava o provérbio mexicano de Buñuel: após 24 horas, cadáveres e convidados cheiram mal. Foi inevitável pensar em "O Anjo Exterminador" (e em "Vestígios do Dia") durante a projeção de "Gosford". Tem quem se recorde de "As Regras do Jogo". Com a diferença que Altman não pode ser comparado a Buñuel e Renoir nem de leve. Como já disse um jogador de futebol, clássico é clássico, e vice-versa. "Parquinho" não é clássico nem que a vaca tussa.

Mas "Gosford" tem lados positivos. Um é que os atores são ótimos. Gente, até o Ryan Phillippe se sai bem. É a primeira vez que nos damos ao luxo de considerar o Ryan um canastrão sem sentirmos culpa. É que ele interpreta um canastrão, sabe. Infelizmente, a revelação, que deveria ser sua grande cena, acontece nos bastidores, longe das câmeras.

Agora, o drama mereceu ser indicado a sete Oscars? Claro que não. Mas também, qual dos outros quatro mereceu? Aliás, estou disposta a dar um beijo ardente no leitor (e um respeitoso aperto de mão na leitora) que se lembrar sem pensar muito em quem ganhou o Oscar em março. Difícil, né? Se houve safra pior que a do ano passado, não sei qual foi.

"Gosford" leva jeito de só ter chamado a atenção da Academia por ser um filme de época e pela reputação de seu autor. O que me leva a crer que Altman é o diretor mais superestimado do mundo. Todos seus filmes trazem personagens confinados. Confesso que "MASH" nunca me comoveu, não vi "Nashville", e "O Jogador" se perde no meio do caminho. Algumas de suas produções funcionam, mas pra cada "Short Cuts", Altman faz um "Prêt-à-Porter", pra cada "Cerimônia de Casamento", um "Dr. T e as Mulheres". O balanço geral da sua obra não é dos melhores. "Gosford" não é nenhum "Gororoba Park", mas está a léguas de ser grande cinema.

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