Eu devo ter sido a única no planeta a achar o primeiro “Shrek” insuportável. É que não agüentei ver um monte de mesmice tratada como se fosse algo inovador. O segundo eu não vi no cinema, felizmente, mas vi agora em DVD, até porque queria entender quem era a mulher-homem que faz companhia às princesas (acho, não tenho certeza, que é a irmã feia de alguma delas) e como o rei vira sapo. Dormi em certas partes do segundo, e me pareceu que o ogro verde deu lugar a um humano durante todo o desenho, mas gostei do Antonio Banderas como o Gato de Botas. Agora, com “Shrek 3º”, as expectativas são muito mais baixas, e ninguém em sã consciência ousa pôr a animação e a palavra “criativa” na mesma frase. Então me permiti aturar melhor o filme.
A história, escrita por oito (!) roteiristas, é idêntica à formula usada pelos seriados cômicos: no primeiro episódio os pombinhos se conhecem, no segundo se casam, no terceiro tem filhos. E no quarto o ogro, cansado, começa a se engraçar por outras saias. Mas sempre volta pra saia original (a separação só ocorre no sexto episódio, sem ser definitiva). Pelo menos em “Shrek 3º” a trama é simples.ii Tem uma mensagem fofinha contra os “bullies”, os valentões que atormentam seus colegas nas escolas de países ricos.iii A mensagem em si é um pouco ambígua, porque não condena abertamente os malvadões, só explica pra vítima que o essencial é não se deixar afetar. Ainda assim há um recado direto pros valentões: ninguém precisa ser vilão o tempo todo. De todas essas lições de moral, só não gostei do elogio à monarquia. Tá certo que o Shrek acha mais importante ser pai do que ser rei, mas mesmo assim reis são louvados. A monarquia é ótima, desde que o rei seja bonzinho. Se eu tivesse filho, não sei se gostaria que ele crescesse ouvindo que hierarquia e poder absoluto são ótimas pedidas.iv
Há várias piadinhas legais. Gostei daquela em que alguém diz “o maior culpado é você”, apontando pra um pobre coitado; todos gritam “Pega ele!” e tem início um linchamento. As primeiras três das 25 mortes do Rei Sapo são gracinhas. E é bacana que as mulheres resolvam a situação e queimem sutiãs.v Gostei do “Just Say Nay”, que o pessoal daqui nem tentou traduzir.vi E a cara do gato é tudo (se bem que quem tem gato de verdade já tá acostumado). A adolescente do meu lado adorou, e gritava “Muito massa!” a cada aparição do gato, principalmente quando ele dança e canta rap. Já a criançada vibrou mais com os puns no fim. Quem diria, hein, que adolescentes e crianças de quatro anos têm tanto em comum?... E pro pessoal mais crescidinho, o que sobra?vii
i Por exemplo, um amiguinho meu de 9 anos adorou “Piratas do Caribe 3”, e o coloca no topo da lista dos melhores que ele já viu. Ele só não gostou dos beijos. Contou seis cenas de beijo, e nessa idade isso é insuportável.
ii Não vou narrar a trama aqui, porque qualquer um que viu o trailer já tá cansado de saber. Além disso, trama?! Isso importa num desenho?
iii Certamente existem “bullies” aqui também, mas acho que não é um problema tão sério como em outros lugares. Ou é?
iv Meu comentário favorito envolvendo morais e bons costumes vem de um site cristão: “o longa-metragem tem momentos de flatulências e outros gases, mas nada que incomode profundamente uma boa família cristã”. Fora, incômodos profundos!
v Depois elas voltam a sua condição “normal”, claro, que não é governar, mas ser lindas e cuidar da prole. Aliás, notou como o Shrek pode ser gorducho e feio que é engraçado? Já a Fiona tá mais magra do que nunca, mesmo agora que ela está grávida de, o quê, sêxtuplos? Perdi a conta.
vi Eu também não sei como traduzir: “Apenas diga não”, talvez. O chiste tá em “nay” ser inglês antigo. Mas “just say nay” soa bem melhor que “just say no”. Até rima!
Bullying é um problema sério aqui também, Lola. Eu realmente tinha problemas na escola, a estilo de colégios americanos (qs pessoas não falavam comigo, os meninos me davam apelidos cruéis e me ameaçavam, era considerada "nerd", atiravam objetos como bolas de papel, fizeram um blog com montagens em fotos minhas, tiradas sem minha autorização, etc) e várias outras pessoas passaram por isso. O que acontece é que é tratado como "coisa de criança". Acho que só recentemente virou uma preocupação de educadores e pais.
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