terça-feira, 27 de novembro de 2001

CRÍTICA: ENTRE QUATRO PAREDES / A beleza do filme inútil

Prepare-se que é hoje que vou estragar um filme inteirinho pra você. Como? Contando a história. É que não dá pra não contar algo surpreendente que acontece após a meia hora inicial de “Entre Quatro Paredes”, já que é este o tema. Então, vamos lá. Não reclame, que depois ainda resta uma hora e quarenta minutos pra você se surpreender por conta própria. Bom, numa cidadezinha litorânea dos EUA, um jovem envolve-se com uma mulher bem mais velha, separada, com filhos. Os pais dele detestam a idéia. Pra piorar, a moça ainda tem um ex meio violento. Um dia, sem grande premeditação, o ex mata o jovem.

Não é esquisito este resumo todo? Afinal, se você já ouviu falar no drama, foi por causa das indicações de Sissy Spacek e Tom Wilkinson para o Oscar. Eles fazem os pais do rapaz, e são os protagonistas da trama. Já é anti-convencional um filme começar com uns personagens centrais e, depois de trinta minutos, deslocar totalmente seu foco. Mesmo que você conheça a história, esta ruptura causa um choque enorme, pois o rosto do moço assassinado aparece em primeiro plano. Pois é, “Entre Quatro Paredes” não é o típico dramalhão que segue fórmulas fáceis. Não é um filme de arte, já que não existem filmes de arte no cinema americano, e decididamente não é um filme comercial. O que é, portanto? É um filme independente, este híbrido que de vez em quando é lembrado pela Academia. Se vai ganhar um dos cinco Oscars a que foi nomeado? Nããão, difícil. Talvez tenha alguma chance na categoria de roteiro adaptado. A Academia já considera uma honra que uma película intimista e de baixo orçamento esteja entre os indicados a melhor filme.

Pessoalmente, gostei muito de “Entre Quatro Paredes”, chorei baldes, e me recordei de “Gente como a Gente” (há várias semelhanças: ambos são dramas dirigidos por atores, ambos tratam da dor da perda entre a classe média, ambos expõem mães manipuladoras), que, milagrosamente, recebeu quatro Oscars em 1980, mas aqueles eram outros tempos, menos blockbusterianos, digamos. Desconfio, no entanto, que fui uma das poucas a aprovar “Entre Quatro Paredes” na sessão que presenciei. Tinha gente saindo, uma moça riu cinicamente no fim, e, o que é pior, acho que quase ninguém encharcou lencinhos, fora eu. Hoje em dia, o público quer ir ao cinema pra rir ou pra chorar (“Patch Adams”, massacrado pela crítica, é imensamente popular entre os espectadores), ou pra se entreter com explosões e rachas de automóveis. É a era do cinema (e da crítica) útil, que cumpre sua função pré-definida, e convenhamos que boa parte da platéia não veja utilidade em produções como “Paredes”. É um filme contido, lento – não chato –, longe de oferecer alguma forma de catarse, baseado em belas interpretações. Agora, compare com os outros indicados. “Uma Mente Brilhante” faz derramar lágrimas e narra uma vida real; “Moulin Rouge” tem musiquinhas famosas e também comove (dizem); “Assassinato em Gosford Park” é resquício de cinema de autor; e “Senhor dos Anéis” é o filme-evento em cima de um clássico literário. Tadinho de “Entre Quatro Paredes”, o azarão do ano. Perto das outras gemas, é um inútil. Estou torcendo por ele desde criancinha, claro.

Um comentário:

  1. Lendo depois de 'alguns' anos de escrita a crítica. Andei explorando muitos textos seus antigos sobre filmes, Lola, de baciada, após conhecer seu blog e seu senso agudo de análise.

    Este filme, em particular, não conheço. Mas vou procurar, seu texto instigou! Obrigada.

    Por parar em paredes, outra boa produção de cinema, nesse caso um curta, e brasileiro, é "Entre Paredes", de Eric Laurence. É fácil de achar. Vale conferir.

    E, quanto à opinião sobre arte em Hollywood, compartilhamos a mesma! Ao contrário de Pablo Villaça, outro crítico que respeito muito. Se entendi bem, ele considera que todo filme é arte, porque produção cinematográfica, e cinema é arte... De maneira geral seria (a sétima- , inclusive), mas o que repete fórmula e é produto raso é, penso, tão só indústria.

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