domingo, 1 de dezembro de 2002

A ACADEMIA LIBEROU GERAL

Todo ano é a mesma coisa – uma noite sem dormir. Mas, desta vez, foi por uma boa causa que assisti ao Oscar. Em seus 74 anos de história, a Academia nunca foi tão liberal. Homenageou Sidney Poitier e Robert Redford, ambos aplaudidos de pé por suas posições democráticas. Ignorou as acusações contra “Mente Brilhante”, e, desta forma, deu seu recado à sujeira da campanha. E, acima de tudo, premiou dois negros na categoria principal de atores.

O grande vencedor da noite, então, não foi um ou outro filme. Foi a correção de velhas injustiças. Até havia boatos que Halle Berry (por “A Última Ceia”) e Denzel Washington tinham sido alçados à condição de favoritos, mas supor que os dois ganhariam era demais. Quem tem a sorte de viver em cidades que passam esses dramas dizem que eles mereceram. Ambos são jovens, belos e talentosos. O Denzel só competia com o Russell Crowe, mas ele fazia um vilão em “Dia de Treinamento”, e não é todo dia que premiam malvados. Já Halle Berry (de “X-Men” e “A Senha: Swordfish”) concorria contra Nicole Kidman e Sissy Spacek, que tinham grandes chances. Seria legal saber a porcentagem de votos recebida por Halle. A própria reação da moça aponta que ela não esperava o Oscar. Ela ficou imóvel e, quando enfim chegou ao palco, não parou de chorar. Foi a reação mais sincera e emocionante que vi em muitas cerimônias. Tudo bem, a Gwyneth também havia se comovido ao ser lembrada por “Shakespeare Apaixonado”, mas seu discurso possuía um quê de interpretação. E o da Halle, não. Ela levou longos minutos pra se recuperar do baque, excedeu seu tempo, e gritou ao ver que o organizador iria cortá-la: “Ainda não! São 74 anos de silêncio!”. Foi a escolha política da entrega, e Halle adotou seu papel.

Foi um Oscar diversificado. As vinte categorias principais foram distribuídas por doze filmes. É claro que as quatro estatuetas concedidas à “Mente Brilhante” (filme, diretor, atriz coadjuvante, roteiro) são bem mais importantes que as quatro de “Senhor dos Anéis” (fotografia, trilha sonora, efeitos visuais e maquiagem). Causou estranhamento apenas que “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” não haja ganho nem produção estrangeira (quem levou foi o bósnio “Terra de Ninguém”), ou que o verdadeiro melhor filme do ano , “Amnésia”, apesar de aplaudidíssimo sempre que mencionado, tenha mesmo saído com as mãos abanando. Ou que Robert Altman, sete vezes indicado, nunca agraciado, haja perdido para Ron Howard na sua primeira nomeação. Mas Ron foi ator antes de virar diretor e é querido em Hollywood, enquanto Altman declarava que “Titanic” era um lixo. Se bem que até um eterno outsider como Woody Allen foi recebido de braços abertos, no melhor momento da festa, junto com a apresentação do Cirque du Soleil. Pra mim, só o fato d’a Enya não ganhar cantando musiquinha com palavras em élfico já valeu ter varado a madrugada. E acho que nem a mãe do Ron Howard comemorou tanto sua vitória como eu. Foi ela que me fez faturar o bolão, aleluia.

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