quinta-feira, 20 de novembro de 2003

CRÍTICA: GANGUES DE NOVA YORK / Ao nascimento de NY

Aleluia, "Gangues de Nova York" chegou aqui! Minha expectativa tem explicação lógica. Digamos que, se a gente tivesse de escolher só um filme no ano pra assistir, seria este. Sabe por que? Porque é do Scorcese, ora, e porque foi indicado a dez Oscars. O cineasta de "Taxi Driver" é considerado por muitos o maior diretor americano vivo. Imagino que Woody Allen, Coppola e Spielberg devem dar murros na mesa ao ouvir isso. Mas, passada a comoção com a estréia, "Gangues" em si é meio decepcionante. Mais que um grande filme, é um filme grande. Grande no custo, na duração (três horas, se bem que não senti o tempo passar), nas intenções. É um épico.

Você já viu "O Nascimento de uma Nação", do Griffith? "Gangues" se esforça para ser "O Nascimento de Nova York". Conta a história de montes de grupos que vivem pelejando entre si. É 1860, os EUA estão em Guerra Civil, e imigrantes irlandeses não param de chegar à NY (não atraídos pela estátua da liberdade, acredite). Isso desperta a ira de outros imigrantes irlandeses que desembarcaram um pouquinho antes e que se vêem como americanos da gema. O líder do grupo dos "nativos" é um açougueiro interpretado por Daniel Day-Lewis (de "Meu Pé Esquerdo", "O Último dos Moicanos", por aí vai). Ele mata o pai de um menininho que cresce, vira o Leonardo DiCaprio e quer se vingar.
"Gangues" está cheio de cenas de batalha brilhantemente filmadas. Mas um dos problemas é que Scorcese parece não querer deixar nada de fora. Conflito racial? Presente. Violência do estado? Presente. Corrupção política? Presente. O filme às vezes fica inflado, atira em todas as direções e não acerta o alvo. Falta um roteiro mais coeso pra uma trama tão vasta e desconhecida. Ou você sabia que, no século retrasado, NY era uma terra selvagem habitada por gangues, e que a polícia dizimou boa parte da população? Eu não sabia. Pensei que isso só acontecia na década de (19)70.

Outro problema é que Scorcese aparenta ser um tanto cético quanto à nossa inteligência, e repete flashbacks o tempo inteiro. Ele teme que nós não associemos as pessoas 16 anos depois. Olha, podem ser 16 anos pra ele, mas pra gente parece que foi ontem. Os atores são os mesmos, ué. Só o Leo mudou. E aí vem uma falha lastimável. Todo mundo bate os olhos no Leo e o reconhece imediatamente, o que é estranho, pois o garotinho que o interpreta não poderia ser mais diferente. Eu disse todo mundo? Todo mundo menos o Day-Lewis, claro. Este cara domina todas as cenas. No fundo, ele é o único personagem bem-construído, ou talvez seja a força do ator. Day-Lewis é sensacional, embora não escape de maneirismos aqui e ali. É dele que a gente vai se lembrar. Seu monólogo sobre o medo mantendo as coisas no lugar é o ponto alto do filme, além de ser super atual. Duvida? Pergunte ao Bush.

E vamos ao esporte favorito do planeta: malhar o Leo. Ele realmente aumentou de peso pro papel, tá com uns peitões maiores que os da Cameron Diaz, varia pouco de expressão. Mas eu defendo o Leo de novo. Acho que a falha está no personagem, não tanto na interpretação. Algum ator conseguiria se tornar mais que uma sombra pálida perto do Day-Lewis? Minha crítica favorita, a Libby, já disse que, comparado a ele, todos os outros atores parecem pré-adolescentes jogando videogame num baile.

Agora, não entendo quem acusa "Gangues" de ser uma patriotada. Ok, um sujeito se enrola numa bandeira americana. Mas é o açougueiro. Quando um facínora toca numa bandeira, isso soa mais como crítica, não? Outra polêmica é a última cena, que exibe a NY moderna, com as torres gêmeas e tudo. Certo, mostra que a cidade tem a capacidade de se levantar das cinzas. Mas isso não perde um pouco do louvor sabendo que ela mesma se pôs nessa situação? "Gangues" expõe os fundadores de NY como racistas briguentos e beberrões que gostam de enforcamentos e de apostar em rinhas de ratos contra cães. No final, o U2 canta sobre as mãos que construíram a América. Não foram mãos limpas, decerto.

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