Recentemente, o British Film Institute elegeu os 100 melhores filmes britânicos do século. Surpreso? Sim, parece que existem mais de cem filmes ingleses, mas o instituto tratou de escolher apenas 100. Listas são sempre estranhas, como se sabe. Dependem do juízo muito particular do júri, e fica aquela sensação de injustiça. É como se o pessoal, após ter votado nos 100, dissesse, "Ih! Esqueci! Onde que a gente coloca este?!". Neste final de século e milênio, pode ir preparando seu coração e mente para um bocado de listas. As listagens dos melhores álbuns do milênio unanimemente põe Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, no topo - o que é justíssimo, mas é esquisito esquecer Beethoven, Mozart, esses caras aí que também revolucionaram a música. Pessoalmente, eu adoro quando fazem listas dos 100 melhores filmes dos últimos cem anos, já que não existia cinema antes disso. Deve haver até lista das melhores listas, ó céus.
Bem, voltando ao BFI (não confundir com FBI). Esta lista veio coroar o que todos desconfiavam: que a década dourada do cinema inglês foi mesmo a de 60. Vinte e cinco selecionados, ou um quarto, vem daquele período inesquecível. Porém, desconfia-se desta escolha acertada ao ver o que o BFI pôs como "segundo período brilhante": as décadas de 80 e 90. Tsc, tsc, tsc... Se a produção britânica dos últimos 20 anos fosse assim tão maravilhosa, não estaria apanhando tanto de Hollywood, né? A lista dá-se ao luxo de incluir Shakespeare Apaixonado e Elizabeth (foto) entre os top 100. São bons filmes, mas melhores da história?! Essas inclusões automaticamente depõe contra a lista. É o tal "diga-me com quem andas e eu te direi quem és".
Na primeiríssima posição aparece O Terceiro Homem (1949), de Carol Reed. Com roteiro do escritor Graham Greene, fotografia fantástica em preto e branco e música de corda imitada até hoje, este policial (difícil classificar) conta uma história mirabolante de espionagem e contrabando na Viena pós-guerra. As atuações são tão boas que Orson Welles, o rei dos reis, faz só uma ponta. O filme está cheio de graça e charme e de diálogos incríveis, como este: "Durante os Borgia e seu reino de terror, o mundo foi presenteado com a Renascença, Michelângelo e Da Vinci. E o que 500 anos de democracia e paz suíça criaram? O relógio-cuco". Se O Terceiro Homem não é um clássico indiscutível, então eu não sei o que é.
Em segundo lugar vem outro super clássico: Desencanto (1945, no original Brief Encounter, o que significa "breve encontro"), de David Lean, certamente o maior diretor inglês de todos os tempos. A lista faz justiça a Lean, incluindo seis de seus filmes (e três deles entre os dez maiores). Por exemplo, Lawrence da Arábia (62) chega em terceiro, e Grandes Esperanças (46) em quinto. Lean é chegado a épicos (fez também A Ponte do Rio Kwai e Doutor Jivago, entre outros) e é por isso que Desencanto é seu filme mais peculiar. Impossível imaginar um drama mais intimista.
Desencanto é pura melancolia. Fala de duas pessoas, ambas casadas, que se encontram por acaso em uma estação de trem e perdidamente se apaixonam entre si. Se você já supunha não existir sexo entre os ingleses, Desencanto será sua confirmação. O adultério carnal jamais ocorre (e precisa?). Quer dizer, o que dói mais ao traído: que seu cônjuge tenha uma noite ardente com um desconhecido ou que ele não consiga parar de pensar em outro alguém?
Desencanto vai além do casamento sem paixão, metendo-se na nossa existência vazia. A fala-chave é deferida pelo protagonista, em tom que nem chega a ser irônico: "que vidas excitantes levamos, não é?". É um drama 100% honesto e enxuto, que não perde tempo com frivolidades. Tente assistir sem derramar muitas lágrimas.
Só por curiosidade: Billy Wilder, o grande, ficou tão encantado com Desencanto que não pôde tirá-lo da mente. Transportou um dos personagens secundários da trama (o amigo que empresta a chave de seu apê ao "adúltero") para sua comédia Se meu Apartamento Falasse, desta vez na condição de protagonista. Isso que é criatividade.
Um dos (poucos) belos filmes dos anos 90, Trainspotting (1996; foto) aparece na lista como o mais bem posicionado entre as produções atuais, em 10º lugar. Assim como Desencanto, também trata de vazio existencial, mas usa as drogas pesadas e um ótimo senso de humor para passar sua mensagem, que, imagino, deve ser algo como "viva e deixe viver".
Agora, às injustiças. Hitchcock mal é visto na lista. Será que deixou de ser inglês quando foi filmar nos Estados Unidos? Aliás, este é um dos problemas do BFI. Como decidir qual filme é britânico e qual é americano? Vamos ao caso de Laranja Mecânica (1971), que amarga a rídicula 81ª posição na lista (eis aí um típico exemplo do "ih! Esqueci!"). O americano Kubrick passou quase metade da sua vida em Londres. Por que só Laranja Mecânica é inglês? E 2001, Uma Odisséia no Espaço, e Doutor Fantástico, e O Iluminado, todos ausentes da lista? Muito estranho.
Outra: Quatro Casamentos e um Funeral é simpático (está na 23ª posição), mas nem com extrema boa vontade pode ser considerado superior a Um Peixe Chamado Wanda (em 39º lugar; foto). E, sinceramente, só para ficar entre os recentes, Ou Tudo ou Nada e Traídos pelo Desejo (25ª e 26ª posições, respectivamente) serão melhores que Segredos e Mentiras (40º lugar)? Não creio.
E atenção para a melhor notícia deste artigo: todos os filmes citados acima estão disponíveis em vídeo, inclusive em Joinville. Veja-os, não só para aumentar sua cultura cinematográfica, mas também para entender porque Hollywood continua aceitando de braços abertos os talentos britânicos (se bem que só depois de eles se renderem ao sistema). Se pensou em Ridley Scott, Alan Parker, Stephen Frears, Neil Jordan (Adrian Lyne não conta), acertou. Longa vida aos ingleses!
1- O Terceiro Homem
2- Desencanto
4- Os 39 Degraus
5- Grandes Esperanças (foto)
6- As Oito Vítimas
7- Kes
8- Inverno de Sangue em Veneza
9- Sapatinhos Vermelhos
10- Trainspotting (foto)
11- A Ponte do Rio Kwai
13- Quinteto da Morte
14- Tudo Começou no Sábado
15- Rincão das Tormentas
16- Carter, o Vingador
17- O Mistério da Torre
18- Henrique 5º
20- Neste Mundo e no Outro
21- The Long Good Friday
22- O Criado (foto)
23- Quatro Casamentos e um Funeral
25- Ou Tudo ou Nada
26- Traídos pelo Desejo (foto)
27- Doutor Jivago
28- A Vida de Brian
29- Os Desajustados
31- Zulu
32- Almas em Leilão
33- Como Conquistar as Mulheres (foto)
34- Gandhi (foto)
36- Assalto à Milanesa
37- Momento Inesquecível
38- Os Commitments - Loucos pela Fama
40- Segredos e Mentiras (foto)
41- 007 Contra o Satânico Dr. No
42- As Loucuras do Rei George
43- O Homem que Não Vendeu sua Alma
44- Narciso Negro
45- Coronel Blimp
46- Oliver Twist (foto)
48- Performance
49- Shakespeare Apaixonado
50- Minha Bela Lavanderia (foto)
Veja a lista completa aqui.
Afirmar que “O Terceiro Homem” é um dos grandes filmes noir do período clássico não é nenhuma novidade. A obra-prima dirigida por Carol Reed é mais do que isso. É também um dos grandes filmes da primeira metade do século passado, misturando numa mesma história conflitos políticos, amor, amizade e assassinato e, além disto, apresentando uma narrativa envolvente, que prende o espectador desde os primeiro momentos até o seu empolgante e, ao mesmo tempo, melancólico final.
ResponderExcluirEscrito por Graham Greene, baseado em história dele próprio com Alexander Korda, “O Terceiro Homem” usa a guerra fria (e seus conflitos políticos) como pano de fundo para uma trama empolgante e repleta de nuances, que narra história de Holly Martins (Joseph Cotten), um escritor americano que chega a Viena logo após a segunda guerra e descobre que seu amigo Harry (Orson Welles) foi morto. Ele decide então investigar o caso e passa a desconfiar das explicações desencontradas dos amigos de Harry para sua morte, ao mesmo tempo em que se apaixona por Anna (Alida Valli), uma atriz que vivia um caso com seu amigo.
Auxiliada ainda pela montagem dinâmica de Oswald Hafenrichter, a narrativa de “O Terceiro Homem” mistura muito bem romance, amizade e traição, abordando ainda questões sociais, através das crianças mortas pela ganância de Harry. Por isso, o coeso roteiro é um dos destaques desta verdadeira obra-prima, prendendo o espectador logo aos 5 minutos de filme, quando Holly chega a Viena e descobre que Harry está morto. consulta online medico online pediatra online medico online doctor online dermatologo online veterinario online Esta atmosfera melancólica, provocada pelo sentimento de perda de Holly (e Anna), lentamente é substituída por um clima de desorientação, especialmente porque a história contada pelos amigos de Harry não nos convence e, desde então, passamos a desconfiar de sua morte – e esta sensação é reforçada pelos olhares desconfiados das pessoas na rua quando o primeiro amigo dele conta para Holly o que aconteceu. Além disso, o fato das pessoas falarem o idioma local também colabora, funcionando como um interessante elemento de suspense, pois em muitos momentos não sabemos (assim como Holly não sabe) o que aquelas pessoas estão falando.