sexta-feira, 13 de agosto de 1999

O CINEASTA QUE SABIA DEMAIS

Sai de baixo: além de sexta-feira 13, é dia do centenário de Alfred Hitchcock, o mestre do suspense

Nesta sexta-feira 13 do agourento mês de agosto comemora-se o centenário de aniversário de um dos maiores diretores da história do cinema. Nenhum dia poderia ser mais apropriado para Alfred Hitchcock. Considerado um gênio por crítica e público, Hitchcock só perde em importância, se é que perde, para Orson Welles. Tanto Welles quanto Stanley Kubrick foram brilhantes, sem dúvida alguma, mas realizaram poucos filmes (onze e treze, respectivamente). Hitchcock fez mais de cinqüenta.
É claro que nem todos os Hitchcocks são obras-primas. Porém, no mínimo uma dezena deve se enquadrar nesta categoria. E nenhum de seus filmes é menos que bom. A regularidade foi a grande marca deste diretor inglês que, só para não fugir da regra, nunca recebeu um Oscar (Welles e Kubrick tampouco). Assim como fez com Charles Chaplin, a Academia lhe deu uma estatueta pela obra, em 1968. Ou seja, um prêmio de consolação. E, em 1940, Rebecca, A Mulher Inesquecível (foto), ganhou o Oscar de melhor filme. Mas o mestre do suspense nunca foi condecorado como diretor.
Até hoje, Hitchcock continua sendo imitadíssimo. Se antes era homenageado, com cenas que lembravam as suas, a partir do ano passado ele passou a ser refilmado. Todos os remakes são inferiores, obviamente. E é triste saber que os adolescentes conheceram o Psicose de Van Sant, e não o de Hitchcock. Dói na alma ir a uma locadora e perguntar "tem Psicose?" e ouvir do atendente, "o um não tem, mas tem o dois, o três, o quatro...". Ou assim: "Os Pássaros taí?", e o pobre rapaz responde "temos a segunda parte".
Com um pouco de sorte, você encontra alguns dos verdadeiros Hitchcocks por aí. Aproveite também para gravar os filmes que a TV está mostrando. Afinal, não estão fazendo este carnaval todo à toa. Não estão falando de um diretorzinho qualquer, mas de um dos gigantes. Amar e conhecer Hitchcock é um dos requisitos básicos para qualquer um que diz gostar de cinema.
Vamos à uma lista dos melhores do homem. Como todas as rel
ações, esta também é pessoal e discutível. Forme a sua.Os Pássaros (1963) - Um dos filmes mais aterrorizantes já feitos. Uma jovem herdeira (Tippi Hedren, que sofreu um bocado nas mãos de Hitch, e mãe de Melanie Griffith) vai a Bodega Bay, uma cidadezinha californiana, atrás de um bonitão que vive com a mãe. Misteriosamente, os pássaros da região começam a se rebelar e atacar os humanos. Hitch não se preocupa em explicar o porquê da situação, apenas mostra, usando efeitos especiais incríveis. Poucas vezes seu terror esteve tão explícito. As imagens por si só já assustam, então não há necessidade de música. Cenas clássicas: o filme todo, mas vamos destacar algumas. Toda a seqüência da escola das crianças é um marco, desde quando os pássaros se amontoam no parquinho até o ataque em si. Hitch não poupou as criancinhas. A seqüência do posto de gasolina também é inesquecível, assim como quando Tippi entra em um quarto cheio de passarinhos sanguinários.Psicose (1960) - O suspense mais famoso de Hitch, e um clássico estonteante do começo ao fim. Fala de uma moça (Janet Leigh, mãe de Jamie Lee Curtis) que, cansada de ser honesta, decide roubar de seu patrão 40 mil dólares... e, fugindo, escolhe o motel errado para passar a noite. O fantástico aqui é que, até metade do filme, a personagem principal é a de Janet, e o Norman Bates magistral de Anthony Perkins nem dá as caras. Quando aparece e Janet é morta, ele se torna o protagonista, sem nenhum prejuízo no ritmo. Bates é o personagem edipiano por excelência, e nenhuma refilmagem pode fazer esquecer o trabalho de Perkins. Dizem que, em Portugal, o filme se chamou "O Filho que era Mãe", mas é lenda. Cenas clássicas: falar do chuveiro é chover no molhado. Pontuada com a música magnífica de Bernard Herrmann, esses fotogramas vivem no subconsciente do cinéfilo. As expressões finais de Perkins não ficam atrás.Intriga Internacional (1959) - Para muitos, o maior Hitchcock. Traz o tema recorrente do cineasta: o do homem comum e ingênuo que, sem querer ou saber porquê, se vê envolvido numa trama de espionagem, na qual terá que provar sua inocência. O supergalã Cary Grant deixa sua marca. Cenas clássicas: se Hitchcock tinha algum defeito, este era que seus filmes demoravam um pouquinho pra engrenar. Pois bem, isso definitivamente não acontece em Intriga Internacional, delicioso por igual. A cena do milharal, quando nosso herói é perseguido por um avião, e o clímax derradeiro no Monte Rushmore, entraram para a história.Um Corpo que Cai (1958) -James Stewart, ator preferido de Hitch (e de Capra), faz um detetive aposentado com medo de altura. Certo dia, ele é contratado por um amigo para seguir sua esposa, que anda agindo de modo estranho, e se apaixona por ela. Ela morre, ele se sente responsável e entra em estado catatônico até conhecer uma outra mulher, que ele tentará transformar na falecida. Romântico, profundamente psicanalítico e perturbador, este filme tem mais a ver com seu título original, Vertigo (vertigem). As cenas clássicas são todas aquelas que tiram proveito da acrofobia do protagonista (escadas, torres, corpos caindo...).Pacto Sinistro (1951) - Dois estranhos se conhecem em um trem, e um deles propõe um plano perfeito: um matará o desafeto do outro. Não haveria como a polícia descobrir os assassinos, pois faltaria o motivo. Outro belo Hitchcock com seqüências imperdíveis, como o clímax no carrossel desgovernado. Ou a imagem de uma mulher sendo estrangulada - seus óculos caem, e a câmera mostra sua morte através das lentes quebradas no chão.Janela Indiscreta (1954) - Stewart novamente, desta vez como um fotógrafo com a perna quebrada, confinado a uma cadeira de rodas e a um binóculo usado como passatempo. Nessa brincadeira de espionar os vizinhos, ele suspeita de um assassinato de verdade. A princesa Grace Kelly faz sua namorada, e uma das cenas antológicas ocorre quando ela invade o apartamento do possível criminoso, e Stewart assiste a ele chegando. Suspense definitivo sobre a impotência.Festim Diabólico (1948) - Dois rapazes matam um colega só pela diversão, e em seguida convidam parentes e amigos para uma festinha no apartamento, aonde o cadáver está escondido. Stewart é o professor que tenta descobrir a trama. Mesmo sendo um pouco teatro filmado, já que quase toda a ação se passa entre quatro paredes, ainda é um Hitch incrível, e bastante experimental. O diretor usou takes de dez minutos - isto é, há pouquíssima edição aqui. A câmera segue os personagens, pois praticamente não há cortes.Disque M para Matar (1954) - Ray Milland (de Farrapo Humano) é um jogador de tênis que planeja, nos mínimos detalhes, o assassinato da esposa rica e infiel. É claro que tudo dá errado, até porque a esposa é Grace Kelly. A seqüência da tentativa de morte é interessantíssima e curiosa, e a troca de chaves também. Pena que no elenco, no papel do amante, esteja Robert Cummings (de Em Cada Coração um Pecado), um atores mais inexpressivos de Hollywood nos anos 50. Filmado em terceira dimensão, o que não dá pra notar em vídeo, Disque M foi outra vítima dos remakes do ano passado. Ganhou versão chamada Um Crime Perfeito, com Gwyneth Paltrow e Michael Douglas.Ladrão de Casaca (1955) - Um famoso ex-ladrão de jóias na Riviera Francesa (Cary Grant de novo) é acusado de uma série de roubos e tem que mostrar que não foi ele. Mais uma comédia romântica que um suspense, mas cheio de charme e contando com Grace Kelly, que nunca esteve tão linda.Frenesi (1972) - Neste penúltimo filme de Hitchcock, um ex-oficial antipático se arrisca para encontrar o verdadeiro "assassino da gravata", um serial killer que estrangula mulheres em Londres. Ótimas seqüências, entre elas a do caminhão de batatas, fazem deste um legítimo Hitch. O diretor fez mais um, o engraçadinho Trama Macabra, e morreu quatro anos depois, em 1980. Foi seu 53º filme.

Leia também: Os 40 Anos de Os Pássaros, e a homenagem da Vanity Fair a Hitchcock.

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