Tássia Hallais é produtora editoral e mestra em literatura brasileira, com foco em literatura de autoria feminina. Ama pinguins, cinema e a sua cachorrinha Pagu. Divulga o seu trabalho como escritora no Instagram. Parabéns pela coragem em falar sobre um tema tão difícil como o abuso infantil, Tássia!
No imaginário popular, a infância costuma ser retratada como uma época idílica, cercada de brincadeiras e bons momentos em família. Fase em que a maior preocupação das crianças é não tirar uma nota baixa. Momento em que tudo é leve, simples e não existem boletos a pagar.
A realidade, no entanto, se mostra muito menos mágica. A infância é um momento de extrema vulnerabilidade, pois as crianças ainda não têm formação física e neurológica para cuidarem sozinhas de si. Elas também não possuem recursos financeiros e legais para se autogerirem.
Dentro desse contexto, é fácil imaginarmos que a infância de alguém será tão boa e segura quanto o seu entorno familiar e social permitir. E em uma sociedade machista, homofóbica e racista como a brasileira, não é difícil supor que as crianças também sofrem as consequências de uma estrutura social que não se importa muito com direitos humanos. Aliás, é comum que adultos sequer enxerguem crianças como sujeitos de direitos, as colocando em uma categoria à parte. O velho pensamento de “eu te botei no mundo, posso fazer o que quiser contigo” que justifica tantas agressões físicas e psicológicas contra menores de idade.
Uma das formas de violência contra as crianças (e adolescentes) mais difíceis de se combater é a sexual. Justamente por ser, via de regra, praticada por alguém muito próximo (pai, tio, avô etc) e esbarrar no tabu de que não se deve falar sobre sexo com crianças, para não incentivar a sua prática precoce. A união da desinformação das crianças e adolescentes com a conivência dos adultos, que muitas vezes preferem ignorar os sinais a olhar o problema de frente, acaba por proteger os criminosos, que raramente são responsabilizados por seus atos.
Em maio de 2020, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) divulgou balanço do Disque 100 com dados sobre violência sexual contra menores de idade. Dos 159 mil registros feitos pelo Disque Direitos Humanos ao longo de 2019, 86,8 mil são de violações de direitos de crianças ou adolescentes. A violência sexual figura em 11% das denúncias que se referem a este grupo específico, o que corresponde a 17 mil ocorrências. O próprio MMFDH acredita que há subnotificação de casos, o que significa que a realidade é ainda mais grave.
Levantamento da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) permitiu identificar que a violência sexual acontece, em 73% dos casos, na casa da própria vítima ou do suspeito, sendo cometida por pai ou padrasto em 40% das denúncias. Em 87% dos registros, o agressor é homem em idade adulta. A faixa etária de 25 a 40 anos aparece em 62% dos casos. A maioria das vítima é adolescente, entre 12 e 17 anos (e do sexo feminino), em 46% das denúncias recebidas. Existem casos, no entanto, em que até mesmo bebês são violentadas.
Foi a partir de uma longa reflexão sobre a importância do diálogo entre crianças e seus responsáveis (e professores) a respeito do abuso de menores que nasceu o meu livro A Coragem de Lina. Nele, busco tratar essa questão com uma linguagem acolhedora e lúdica, incentivando a união familiar para lutar contra um crime tão sério.
A partir da história de Lina, uma menina de 11 anos muito esperta e feliz, que recebe a visita de um “monstro” amigo da família e perde parte da sua alegria, o leitor e a leitora são convidados a refletir sobre o assunto. Lina tem pai, mãe, irmão, avó e uma adorável cachorrinha. É uma menina que tem amigos, estuda, é a melhor goleira da escola. Criei uma personagem com uma família estruturada para mostrar que esse tipo de situação pode acontecer em qualquer lar.
O livro busca trazer, apesar do tema pesado, uma mensagem positiva. Acredito que o grande desejo de todos nós, que nos importamos com os direitos humanos e com a proteção da infância, é que nenhuma criança ou adolescente precise passar por uma violência dessas, mas caso seja vítima que tenha todo o acolhimento necessário para enfrentar esse trauma. Creio que conversar com nossas crianças e jovens sobre o assunto é uma das formas de impedir novos crimes e identificar mais rapidamente os já cometidos.
Em caso de violação de direitos humanos, incluindo abuso sexual de menores, o Disque 100, o app Direitos Humanos e o site da ONDH são gratuitos e funcionam 24 horas por dia, inclusive em feriados e nos finais de semana.
A Coragem de Lina está disponível em versão física e e-book na Amazon.
Um comentário:
Um livro fundamental para ser lido pelas crianças e seus pais, além de encantador ele é lindo! 😍
Postar um comentário