Domingo foi um dia de grande alívio para a democracia, pra América Latina, pro mundo, e, claro, principalmente pro Chile: o jovem de esquerda Gabriel Boric venceu o segundo turno e se tornou o presidente mais novinho da história, derrotando o candidato da extrema-direita, pinochetista assumido e literalmente filho de nazista. 2022 é nóis, Brasil!
Pedi pra minha correspondente oficial no Chile contar como foi. A jornalista Isabela Vargas é mãe da Gabriela, feminista e integra a coordenação do coletivo Mujeres por la Democracia Santiago de Chile, que organizou os protestos do #EleNao no Chile. Fala, Isabela guerreira!
O dia 19 de dezembro de 2021 jamais será esquecido por chilenas e chilenos. Eu jamais irei esquecer desse dia. Porque foi nessa data que votei no jovem Gabriel Boric, eleito presidente do país, aos 35 anos de idade. O ex-líder do movimento estudantil chileno, natural de Magallanes, zona austral do país, teve uma votação histórica: foram 4,6 milhões de votos numa eleição que teve a maior participação eleitoral já registrada (8,4 milhões de votantes). Um triunfo impressionante para sepultar qualquer chance de a extrema-direita chegar ao poder no Chile.
É verdade que até alcançarmos esse resultado um longo caminho foi percorrido. Depois de momentos de muita tensão e ansiedade, finalmente, a esperança venceu o medo. Quando vi o resultado, não pude conter a emoção. Chorei, chore muito! De alegria e alívio por saber que estávamos livres desse pesadelo chamado fascismo.
Votei cedo. Sempre voto pela manhã porque meu marido trabalha nas eleições. Ele é fotógrafo e trabalha num jornal. A caminho do meu local de votação, vi pelas redes sociais que a prefeita de Santiago Centro, Iraci Hassler, tinha acabado de visitar o colégio onde voto. Ela percorreu vários lugares e isso ajudou a assegurar que o processo transcorresse rápido e tranquilo.
Acredito que levei mais tempo no meu deslocamento do que para votar. Cheguei na escola e não tinha filas. Passei direto e, enquanto aguardava no corredor, uma funcionária do Servel (Serviço Eleitoral) perguntou o número da minha mesa e, em seguida, me passou para a sala.
Como sempre, pediram minha identidade e, depois, que eu baixasse a máscara para conferir a foto. Assinei o livro e com a cédula, entrei na cabine para marcar com a minha caneta azul a opção 1, Gabriel Boric. Depositei o voto na urna e fui embora com um misto de ansiedade, alegria e esperança. Fazia muito calor no domingo e o simples fato de sair já era um ato de coragem para qualquer pessoa.
Cheguei em casa e meu marido saiu para votar. Diferente de mim, que uso o metrô para chegar ao local de votação, ele usa ônibus. Revisando as redes sociais, comecei a ver vários relatos de falta de transporte coletivo. A princípio, em alguns bairros da região metropolitana. Logo, apareceram denúncias de prefeitos na região de Valparaíso, no litoral do Chile, depois mais ao sul, em Temuco, até outras localidades.
Então, a ministra dos transportes do Chile, Gloria Hutt, concedeu uma entrevista coletiva para garantir que havia um plano de contingência para assegurar transporte no dia das eleições. Ao longo do dia, ela foi desmentida pelas imagens na TV e pelos próprios trabalhadores do setor. Alguns motoristas saíram de casa e abriram mão de seu dia livre para transportar voluntariamente passageiros.
Nas redes sociais, as pessoas começaram a oferecer carona solidária. Uma hashtag foi lançada para incentivar quem tivesse carro e compartilhar transporte com outros eleitores. Alguns prefeitos colocaram à disposição ônibus de aproximação para que as pessoas pudessem ir dos terminais de ônibus, trens e metrô até locais de votação.
A mobilização dos chilenos lembrou demais o espírito de organização que eu tinha visto no documentário La Batalla de Chile do Patrício Guzmán. Dividido em três partes, o filme mostra como os chilenos apoiaram o governo de Salvador Allende e resistiram ao boicote de empresários e caminhoneiros que culminou com o golpe de 73.
O documentário foi exibido em setembro desse ano pelo canal de TV aberta La Red, que – é importante destacar -- também colocou carros de suas equipes de reportagem à disposição de eleitores que precisassem chegar aos seus locais de votação. Enquanto a população corria contra o relógio para votar, os canais de televisão abriam os microfones para escutar relatos de quem enfrentava o calor e a espera para garantir seu direito fundamental ao voto e à participação popular numa eleição decisiva.
Aquilo tudo foi me deixando mais e mais angustiada. Meu marido foi trabalhar e fiquei em casa acompanhando as notícias pelas redes sociais. A votação encerrava às 18 horas e a orientação do Servel era de que as mesas não podiam fechar enquanto tivessem eleitores esperando para votar. Aliás, o serviço eleitoral chileno teve uma atuação impecável nesse domingo, o que garantiu um final de jornada relativamente tranquila apesar do evidente boicote do atual governo, da direita e do empresariado. Sem nenhum pudor, apoiaram a um candidato fascista e ainda tentaram impedir o povo de eleger um jovem candidato de esquerda.
Graças à solidariedade, à garra e à alegria, o povo chileno não se deixou abater. Quando começou a apuração dos votos, estava conversado com minha mãe pelo celular e compartilhando minha angústia por causa do boicote. Durante o dia, como não tenho carro, fiz o que faço melhor: a militância virtual. Toda vez que alguém oferecia carona solidária, eu divulgava e torcia para que mais e mais eleitores pudessem chegar ao seu local de votação.
Passados alguns minutos da abertura das urnas, o Servel começou a divulgar os resultados parciais. Rapidamente, ficou claro o recado das urnas e o resultado dessa eleição: Gabriel Boric era o novo presidente do Chile! Não podia conter as lágrimas de emoção com uma notícia tão maravilhosa e ansiosamente esperada durante todo o segundo turno.
Um alívio por ter contribuído com meu grãozinho de areia na conversa com o motorista do Uber indeciso, na participação em grupos de militância virtual, na difusão do comunicado do nosso Coletivo Mujeres por la Democracia em Brasil reiterando nosso apoio aos que nos apoiaram quando lutamos (e perdemos) contra Bolsonaro. Ufa! Que alívio!
O recorde de participação de eleitores e de número de votos é resultado, especialmente, de uma campanha feita nas ruas. O comando da campanha do Gabriel Boric armou as “brigadas voluntarias” em várias localidades. Os militantes iam de porta em porta buscando votos e conversando com eleitores. O Boric fez campanha assim e a chefe de campanha dele, a médica Izkia Sichez, também. Com sua bebê recém-nascida nos braços e amamentando, ela percorreu o país de norte a sul numa iniciativa chamada “1 milhão de portas por Chile”.
Outra liderança feminina que também se destacou na campanha de Boric, especialmente se posicionando nos meios de comunicação e ajudando a desmentir fake news, foi a deputada Camila Vallejo. Ela não concorreu à reeleição esse ano para se dedicar à campanha de Boric e valeu a pena. A participação de Camila em entrevistas sempre clara e sem rodeios foi decisiva para consolidar a vitória da esquerda.
As mulheres, em geral, foram grandes apoiadoras dessa campanha e importantes mobilizadoras. Tanto é assim que o penúltimo comício de campanha foi um showmício organizado por diversas organizações feministas que contou com a presença de Gabriel Boric. No discurso da vitória, diante de uma alameda lotada de apoiadores, ele fez um merecido e especial agradecimento às mulheres.
“Quero agradecer às mulheres do nosso país, que se organizaram para defender os direitos que lhes têm sido tão difíceis de realizar (...) O direito ao voto, o direito de decidir sobre o seu próprio corpo (...) Contem conosco, vocês serão protagonistas do nosso governo”, declarou Boric. Pode ter certeza que nós contamos e muito com esse governo!
Muito ainda iremos analisar sobre o resultado dessa eleição e é importante que a esquerda no Brasil olhe para o Chile com atenção. São realidades bem diferentes, mas acredito que o fator fundamental nas mobilizações do Chile tem sido a presença das mulheres. Outro aspecto que chama a atenção foi que as lideranças chilenas deixaram de lado o ego para vencer um mal maior. E, finalmente, a participação popular com militância na rua, não apenas no ambiente virtual.
Os chilenos nos deram uma aula sobre como enfrentar o fascismo. Agora, é hora de arregaçar as mangas e jogar o jogo da vitória para recuperar o Brasil e livrar o país desse pesadelo chamado fascismo.
A esquerda brasileira poderia se inspirar no Chile e lançar um candidato jovem, com ideas purs e honestos, ao invés de insistir mais uma vez em Lula, corrupto e megalomaníco...
ResponderExcluirParte da culpa da eleição do Bozo em 2018 foi o PT insistir em lançar candidato, mesmo com sua imagem tão arranhada... Parece que não xisto outra opção e esquerda senão Lula e PT...