sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

CASAMENTO IGUALITÁRIO É APROVADO NO CHILE APÓS 10 ANOS DE LUTA

Publico hoje o guest post da Isabela, minha correspondente no Chile! A jornalista Isabela Vargas é mãe da Gabriela, é feminista e integra a coordenação do coletivo Mujeres por la Democracia Santiago de Chile, que organizou os protestos do #EleNao no Chile.

Essa semana o Chile ocupou as manchetes mundiais com uma conquista importante na luta pelos direitos da comunidade LGTBIQ+. É que na terça-feira, 7 de dezembro, o Congresso finalmente aprovou a Lei do Casamento Igualitário, que tramitava desde agosto de 2017. Agora, falta apenas a promulgação pelo presidente Sebastián Piñera.

Com a nova lei, outros avanços importantes ficam assegurados como as garantias dos direitos de filiação a qualquer pessoa que se submeta a mecanismos de reprodução assistida, independentemente do sexo, orientação sexual ou identidade de gênero. Além disso, estabelece a não discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero, entre outras categorias, para fins do regime e do exercício dos cuidados pessoais de filhas e filhos. 

Quem olha para o Chile, hoje, não tem ideia do longo caminho percorrido por ativistas na luta pelos direitos fundamentais da comunidade LGTBIQ+. Foi somente em 2004 que o país reconheceu o divórcio. Naquele mesmo ano, a então advogada Karen Atala, defensora dos direitos LGTBIQ+ processou o Estado chileno perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos depois que a Suprema Corte do Chile lhe retirou a custódia das filhas por morarem com ela e sua companheira. 

O caso “Atala Riffo y niñas x Chile” não apenas abriu um precedente no sentido de cobrar do Estado a igualdade de direitos, como também de pressionar os gestores públicos em matérias que garantissem avanços nos temas de diversidade sexual. Hoje, Karen exerce a função de juíza e faz parte da direção da Fundación Iguales, que tem sido protagonista na luta por direitos fundamentais.

Em entrevista ao jornal The Clinic, Karen Atala comentou sobre o caminho percorrido para se chegar a este momento inesquecível. A trajetória de Karen é fascinante. Ela denunciou o Estado do Chile perante a Justiça Interamericana e, após oito anos de tramitação da denúncia, em 24 de fevereiro de 2012, o estado chileno foi condenado por graves violações dos direitos humanos contra Karen e suas filhas, por violação da igualdade, considerando que prejulgar ou prejudicar um casal do mesmo sexo e as famílias que elas estavam criando, era contrário à Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos.

O interessante nesse caso é que o desenlace se deu no primeiro mandato de Sebastián Piñera. Depois disso, Piñera se comprometeu com o Sistema Interamericano e a Justiça a dar prioridade a outro projeto que tramitava naquele momento: a Lei Antidiscriminatória. 

Essa lei foi aprovada devido às pressões que surgiram da sociedade civil organizada por conta do caso Daniel Zamudio, um jovem homossexual assassinado num parque em pleno centro de Santiago por um grupo de agressores homofóbicos. 

Embora tenha sido aprovada na gestão de Piñera, a lei foi apresentada por Ricardo Lago, do Partido Socialista, em 2005. 

A mobilização pela diversidade sexual não parou por aí e seguiu com a conquista do Acordo de União Civil (AUC) e, posteriormente, da Lei de Identidade Trans. 

Conversei com outro dirigente da Fundación Iguales, o arquiteto Sebastián Gray. Ele destacou a importância dessas conquistas consolidadas por conta da grande difusão em meios de comunicação e da forte pressão dos setores organizados. Gray afirma que “(reflete) este conjunto de direitos que as pessoas reclamaram de maneira abstrata em 2019”, referindo-se ao plebiscito que definiu uma nova constituição no Chile.

Quando perguntei sobre como podemos analisar o Chile de hoje -- que ao mesmo tempo em que aprova o casamento igualitário, enfrenta um segundo turno polarizado entre a extrema-direita e a jovem esquerda -- ele fez um interessante resgate histórico. A origem das organizações pela diversidade sexual remete à clandestinidade e ao período da ditadura militar. Por conta disso, o movimento sempre esteve muito associado à esquerda, naturalmente.

Foi a partir do caso Atala Riffo e da criação da Fundación Iguales que outros atores aderiram às lutas pelos direitos da comunidade LGTBIQ+. “O grande problema social chileno é a diferença de classes, é o drama chileno”, reflete. “O surgimento da Fundación Iguales foi um ponto de inflexão porque unificou a luta”, explica.  

Pensando nisso e analisando o tempo que cada uma das quatro importantes e recentes leis pela diversidade sexual foram aprovadas no Chile é possível compreender o cenário político atual no país. “O fenômeno é bastante global”, sugere Gray. Cada uma das leis tramitou por distintos governos, tanto de direita, quanto de esquerda, até finalmente serem aprovadas. Ou seja, a polarização política sempre esteve presente na sociedade chilena e a luta pelos direitos iguais atravessou cada governo, sem importar a ideologia politico-partidária. 

O casamento igualitário é um passo importante no sentido de garantias legais aos direitos da comunidade LGTBIQ+. A mobilização, agora, deve continuar com a luta pela educação, porque o preconceito existe. Na avaliação de Karen Atala, o componente machista, transfóbico, homofóbico e lesbofóbico que obedece a padrões culturais arraigados deve ser combatido, pelo Estado chileno, com programas intensivos de treinamento. “Para que os cidadãos e funcionários públicos sejam educados e treinados em direitos humanos, diversidade sexual e gênero. Porque o que se busca é que haja uma mudança cultural”, sentencia.

Quem também comentou a aprovação da lei do casamento igualitário no Chile foi o escritor e fundador da Fundación Iguales, Pablo Simonetti. “Sinto que conquistamos algo depois de uma jornada cheia de frustrações, dificuldades, pequenos avanços e retrocessos, momentos de esperança e decepção. Mas ver que ele finalmente está aqui para tantos jovens, tantas famílias e tantos filhos, e para os futuros gays, lésbicas e pessoas trans que vão sentir que seu amor é valorizado e reconhecido como o amor de qualquer pessoa. Isso não tem preço”.

Enquanto se aproxima o dia de votação do segundo turno para as eleições que vão definir o novo presidente chileno, a aprovação do casamento igualitário pode ser encarada como um lembrete de que as grandes mudanças acontecem -- ainda que levem muitos anos para acontecer. 

3 comentários:

  1. a) Fiquei muito feliz com esta vitoria no Chile.

    b) Mas aqui no Brasil vejo com revolta vereadores trans sendo ameaçados por uns conservadores covardes mas vamos a luta

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  2. Fiquei contente pelo Chile. E com inveja. Aqui no Brasil as perspectivas sobre o casamento igualitário não são boas. O "terrivelmente" evangélico, nada confiável (saltava aos olhos o fingimento dele na sabatina no senado. Aquele orvalho lacrimal tão autêntico quanto cédula de 50 centavos...), entrou pro STF. Rosa Weber e Levandowiski (sei nem se é assim mesmo que se escreve o nome dele...) vão se aposentar durante o próximo mandato presidencial. Se acontecer a desgraça da reeleição do Bolsebosogenocida (o pessoal dele confia numa grande recuperação de popularidade por causa do Auxílio Brasil, o vale-gás e a inclusão de muitas famílias pobre na tarifa social da energia elétrica), o Supremo vai ganhar pelo menos mais 02 nomes fundamentalistas. Seria a treva. Ainda bem que por enquanto a gente ainda pode usar o verbo no futuro do pretérito. Tomara que nos próximos meses as novas pesquisas eleitorais não mudem isso. Mesmo que Lula ganhe ano que vem, como o centrão e os partidos da direita estão nadando em dinheiro (fundo eleitoral, dinheiro de emendas...), a tendência é acontecer um aumento de conservadores no legislativo. Além disso, nos próximos anos, os evangélicos vão se tornar maioria no Brasil. Acredito que os evangélicos progressistas são e vão continuar sendo poucos. Não dá pra esperar de um congresso nacional, que espelhe uma sociedade como a nossa, a aprovação de uma lei dando às pessoas do mesmo sexo o direito a casar e a adotar. Já teremos sorte se não houver no Supremo um retrocesso na decisão de 2011, reconhecendo a inconstitucionalidade da discriminação dos casais do mesmo sexo. Pensar no Brasil desanima.

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