segunda-feira, 8 de novembro de 2021

MARÍLIA MENDONÇA, A RAINHA DO SUPERA

Queria muito publicar um texto em homenagem à artista Marília Mendonça, que morreu em Minas na sexta quando o avião em que estava caiu. 

Eu não conhecia (não conheço ainda) nada sobre ela. Devido ao meu preconceito contra a música sertaneja, nunca tinha ouvido nenhuma de suas canções. No sábado, vi alguns vídeos, e fiquei admirada. Ela era ótima! Tinha um vozeirão, total comando do palco, e compunha suas próprias músicas. Era linda também.

O melhor artigo que vi sobre a morte dessa grande artista foi este, da antrópologa e professora de Psicologia da USP Francirosy Campos Barbosa, publicado anteontem no Brasil 247. Vou reproduzi-lo aqui:

Marília Mendonça não é a Rainha da Sofrência, é a Rainha do Supera!

Tá espalhando por aí que eu esfriei, que eu tô mal

Que eu tô sem sal, realmente eu tô

Sem saudade de você

Eu já fiz foi te esquecer

Marília Mendonça se encantou em 5 de novembro de 2021. Tinha 26 anos, a idade do meu filho caçula, então posso sentir a dor de sua mãe, poderia ser minha filha, mas de alguma forma ressoa em mim suas letras e canções. Uma menina potente, admirável. Marília cantava a dor da mulher traída, do sofrimento de mulheres, e cantava SUPERA: “Para você isso é amor..., para de insistir, o que você está passando eu já passei, se ele não te quer – SUPERA”. Como compositora e cantora ela colocou no topo das mais ouvidas as mulheres no sertanejo/ feminejo. As pessoas têm o direito de não gostar do gênero musical que ela cantava, mas nunca apagar sua história, enquanto uma menina/ mulher que cantava a potência feminina. Nas suas canções, essas mulheres podem tudo. As mulheres passaram a cantar suas músicas que falavam das suas dores, na perspectiva de uma mulher. Sofrência? Eu digo que é superação, resistência, parar de ouvir homens que tratam nossos corpos como objeto para ouvir uma menina cantando: 

Ele tá fazendo de tapete o seu coração

Promete pra mim que dessa vez você vai falar não

De mulher pra mulher, supera

De mulher pra mulher, SUPERA. 

Em uma entrevista ela dizia ter mais medo de ser traída do que da morte. Seu primeiro grande sucesso foi INFIEL. A infidelidade, a traição é tema de muitas músicas, sempre com a ideia de que homens não podem ser de uma única mulher, está na “natureza” deles. Ela descontrói esse discurso machista, tão presente na nossa sociedade e em muitas músicas, se posicionando contra esta violência. Marília responde com música: “Me desculpe, eu sou fiel”; “Meu cupido é gari só me traz lixo... será que eu mereço este tipo de amor?”; “Alô porteiro tô ligando para te avisar, que este homem que está aí, ele não pode mais subir, está proibido de entrar”. Sim, ela cantava a separação, mas, sobretudo, que esta mulher é quem colocava o fim na relação abusiva. A mulher como agente do seu processo de superação, colocando sempre sua autoestima em primeiro plano.

Iêê

INFIEL

Eu quero ver você morar num motel

Estou te expulsando do meu coração

Assuma as consequências dessa traição

Foi esta música (Infiel) e esta cantora que meu filho mais velho me apresentou em 2016: escuta esta MULHER! Na minha casa os meninos foram ensinados a respeitar às mulheres, e ele tinha ficado maravilhado não só com a potência da voz, mas com a letra que a menina de 21 anos cantava: “Assuma as consequências dessa traição”. A frase soa como um mantra em um país machista, violento como o nosso, no qual homens traem mulheres o tempo todo e não satisfeitos repetem da sua “incapacidade de criar vínculos”, na verdade incapacidade de se tratarem e de melhorem, enquanto seres humanos, pois não enxergam essa atitude como sendo perversa e violenta. Muitos acham que só a violência física é violência, todo o resto é violência também, enganar, esconder, trair. 

Num mundo machista como o nosso, onde os homens brincam com o sentimento das mulheres, traem, assediam, Marília era um respiro dentro deste sertanejo "macho" que colocava a mulher sempre vitimizada. Marília dá uma virada e diz que a mulher pode tudo, e mandava o recado: "meu coração não é a casa da mãe Joana, respeita quem te ama, ou vaza ou me assume"; "É uma ciumeira atrás da outra... A verdade é que amante, não quer ser amante".

Recentemente, o mesmo filho que me apresentou Marília Mendonça me envia a música de trabalho do novo disco com Maiara e Maraísa, “Não sei o que lá”, e brincou: quero ver você cantando este refrão! O refrão cantado rápido virou uma grande brincadeira entre nós, um áudio enviado pelo Whatsapp, que Marília dizia que era um podcast, áudio de dois minutos de homem que toda vez que bebe é assim, lembra que a mulher existe e envia áudio. 

Eu não sei o que lá te ama

Não sei o que lá saudade

Não sei o que lá vem me buscar aqui

Acelerei o áudio e foi só isso que eu entendi

Toda vez que ele bebe é assim

Toda vez que ele bebe é assim

Neste mesmo álbum, a música PRESEPADA fala de um homem que tem uma busca incessante por mulheres, enquanto tem uma mulher ao seu lado que ele não valoriza. A letra é certeira, cobra a responsabilidade do homem e diz: agarra essa mulher e casa!" Da mesma forma que em outra música de sucesso ela cantava: amante não quer ser amante.  

Cadê sua responsabilidade?

No seu lugar eu teria vergonha

Por mim, ela teria te deixado

Fazer o quê se ela te ama?

Então aproveita que ela nem sonha quem você é

É hora de parar com a presepada

Respeita sua namorada

Agarra essa mulher e casa, agarra ela e casa

Vive numa busca incessante

Pra achar alguém interessante

Sem enxergar que ela é brilhante, que ela é rara

Em outra música, as três cantoras Marília, Maiara e Maraísa dão um recado sobre a violência que as mulheres sofrem: “Tire suas mãos de mim” e “primeiro aprende a ser homem” se posicionando a respeito da violência contra a mulher. As três cantoras gravaram um vídeo falando a respeito e cantaram:

Tire suas mãos de mim

Quando eu te conheci, você não era assim

Não te devo explicações de nada

Não tenho medo da sua ameaça

É que pra você é só ciúme

Mas isso é doença e você não assume

Seu amor é mal acostumado a gritar e proibir

Você não manda em mim

Eu sei aonde eu devo ir

Eu sei o que eu posso vestir

Se tudo o que eu faço te incomoda

Você sabe o caminho da porta

Em 2018, Marília se posiciona politicamente dizendo “ELE NÃO”, a pedido da cantora Maria Gadu. Foi atacada violentamente nas redes sociais. Era uma guria de 23 anos que não estava preparada para aquela violência. A música que muitos apoiadores do presidente Lula cantam, “Ai que saudade do meu ex”, é um dos grandes sucessos dela: 

Ele que era homem de verdade

Ai, que saudade do meu ex 

Por mais compositoras e cantoras como Marília Mendonça, que fala diretamente com as mulheres deste Brasil tão marcado pela violência de gênero. No nosso país existem três leis de proteção à mulher: Maria da Penha (Lei nº 11.304/2006), Feminicídio (Lei nº 13.104/15) e Violência Psicológica (Lei nº14.188/2021). Não podemos mais relativizar o machismo, a violência de gênero. Por meio de músicas de sofrência, que eu chamaria de músicas de resistência, que fazem mulheres e homens cantarem pelo Brasil a fora, de norte a sul, Marília trouxe sua contribuição, sem saber da dimensão, da potência dessas mensagens, mas para bom-a entendedor-a, uma música basta. 

Vai com Deus, Marília! Vai na paz! Uma mulher a menos na luta para derrubar o patriarcado, mas seguimos resistentes. Cada mulher a sua maneira, cada mulher do seu jeito, gostando ou não de sertanejo, com outras cores, saberes, religiões, pertencimentos. É necessário valorizar todas as formas de dizer #EleNão a qualquer homem que promova violência física, psicológica, patrimonial, sexual.

4 comentários:

  1. MARÍLIA, eu aprendi a gostar de você ouvindo minha irmã dia e noite colocando suas músicas no carro, sempre pensava comigo, que mulher pra frente, ensinando outras mulheres a não serem trouxas de macho escroto,ensinou tanto. saudades sem fim.

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  2. Eu li esse texto chorando muito.
    Obrigada

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  3. a) Não queria acreditar na morte dela estou ainda de luto.

    b) Ela era a única sertaneja que não apoiava o Bozo. Agora risquei o sertanejo

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  4. Não curto Marília Mendonça, mas agradeço por tudo que ela ensinou às meninas e mulheres desse país e reconheço seu legado. Ninguém apagará o brilho dela, e qua história e o trabalho dela levem muitas mais ao sucesso.

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