Uma excelente notícia: anteontem o Senado aprovou, por 74 votos a 0, um projeto que criminaliza o stalking. Pra quem não sabe, até porque não temos exatamente um termo em português, stalking é uma perseguição repetida e obsessiva que, nos tempos digitais em que vivemos, geralmente se dá pela internet.
Porém, stalking é uma prática muito antiga. Deve existir desde que o primeiro homem não aceitou um fora de uma mulher ou o fim de uma relação, e passou a segui-la, vigiá-la obstinadamente, até partir pro ataque. Lógico que mulheres também podem stalkear homens (há filmes conhecidos sobre isso, como Atração Fatal e Perversa Paixão), e outras mulheres, assim como homens podem stalkear outros homens, mas o mais comum mesmo é homem que stalkeia mulher. Mulheres são quatro vezes mais perseguidas que homens.
E, até pouco, stalking era até considerado romântico, assim como ciúme -- um sinal de amor e persistência. Hoje sabemos que esses elementos fazem parte de um relacionamento abusivo. Mas até hoje tem quem vê um grande sucesso dos anos 80, "Every breath you take", do Police, como uma linda canção de amor, digna de ser tocada num casamento. E é quase o diário de um stalker, afirmando pra sua vítima que "você pertence a mim" e que ele a vigiará a cada suspiro que ela der.
Um caso famoso de stalking foi o que envolveu a maravilhosa atriz Jodie Foster, muito antes do início da internet. Um carinha totalmente desequilibrado chamado John Hinckley viu o excelente filme Taxi Driver dezesseis vezes, se identificou com o protagonista, Travis Bickle, e se apaixonou por Jodie, que na época tinha apenas 14 anos e interpretou uma prostituta que o "herói" tenta salvar (dica básica de sobrevivência: afastem-se de rapazes que queiram salvá-las, meninas!).
Quando Jodie interrompeu sua carreira de atriz para estudar em Yale, quatro anos depois de Taxi Driver, John a seguiu. Mandava poemas e cartas pra ela (algumas ele deixava por baixo da porta do dormitório dela), ligava pra ela, escutava suas conversas atrás da porta. Até que, para chamar sua atenção, John atirou no então presidente Ronald Reagan (assim como Travis pensa em matar um político). Antes do atentado, em 1981, John mandou mais uma carta a Jodie, dizendo que cometeria esse "ato histórico" para conseguir o respeito e admiração da jovem atriz.
John atingiu mas não matou Reagan. Feriu também dois dos guarda-costas do presidente e deixou permanentemente paralisado o secretário de imprensa James Brady (quando Brady morreu, 33 anos depois, sua morte foi registrada como um homicídio). John foi considerado insano e por isso inocentado. Mesmo assim, ficou internado durante décadas num hospital psiquiátrico. Foi liberado em 2016. Uma das condições é nunca mais contatar Jodie, a família dela, ou sua agente.
Boa parte das mulheres consegue se identificar com o que Jodie passou. Às vezes o stalker é um sujeito que a vítima sequer conhece. Outras vezes é um ex que não aceita o final de um relacionamento. Na internet, existem misóginos que se juntam em turmas para stalkear, fazer doxxing (conseguir os dados pessoais da pessoa e divulgá-los), ameaçar e atacar mulheres. Eu sou uma das vítimas, mas há milhões de outras. Nos chans (fóruns anônimos), homens se unem para perseguir meninas por qualquer motivo -- por exemplo, a menina não aceitou o namoro com um garoto. Logo, conhecerá a ira dos incels (celibatários involuntários).
Para nos proteger, a lei que criminaliza o stalking parece ser uma boa. Stalking é definido no projeto como perseguir ou assediar alguém de forma continuada por meio físico ou eletrônico. O projeto da senadora Leila Barros (PSB-DF) que foi aprovado anteontem, depois de passar pela Câmara, modifica o Código Penal, prevendo uma pena de reclusão de seis meses a dois anos e pagamento de multa. A pena de reclusão será aumentada em metade se o crime for contra criança, adolescente ou idoso, ou contra mulheres por questões de gênero. E também se for realizado por duas ou mais pessoas, ou com o uso de arma.
Como escreveu o relator do proposta, o senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL), o stalking já é crime em vários países, como Estados Unidos, Canadá, França, Itália, Alemanha, índia, Holanda e Portugal. E há vezes que o stalking acaba em feminicídio. Ele citou dados do Stalking Resource Center: 54% das vítimas de feminicídio haviam denunciado à polícia serem stalkeadas antes de serem mortas pelos perseguidores.
Mesmo que a lei atual já penaliza o ato de perturbação da tranquilidade, e que a Lei Maria da Penha preveja medidas protetivas, ainda faltava uma lei que puna a perseguição reiterada. E, ainda que a pena seja baixa (com essas sentenças de até dois anos, poucos serão condenados em regime fechado), a lei é importante para afugentar otários que acham que podem tudo. Se a lei for sancionada pelo pior presidente de todos os tempos, eu talvez denuncie alguns mascus stalkers que me ameaçam há anos.
Em treze anos de blog feminista, já recebi incontáveis mensagens de mulheres e meninas apavoradas com o stalking que estavam sofrendo. Meus conselhos são quase sempre os mesmos: jamais responda ou se comunique com o stalker, bloqueie-o de todas as suas redes sociais, documente tudo (abra arquivos, tire prints, guarde emails, grave telefonemas etc), faça um boletim de ocorrência, avise a sua família, amigos e, e possível, colegas de trabalho e estudo sobre o que está acontecendo (já que é muito comum que o stalker tente se comunicar com eles também). Se você mora num prédio, fale com os porteiros, zelador e síndico, e distribua imagens do seu stalker. Pode ser constrangedor contar sobre o seu drama para outras pessoas, inclusive estranhos e gente que não vai entender direito o quão grave é o stalking, mas é necessário.
E tomara que essa lei receba a sanção presidencial e possa nos ajudar a viver em paz.
Uma em cada 6 mulheres e um em cada 19 homens é vítima de stalking em algum ponto de sua vida
UPDATE em 1 de abril de 2021: A lei que criminaliza o stalking foi sancionada pelo excrementíssimo presidente da república e já está em vigor. O projeto da senadora Leila Barros (PSB-DF) foi dedicado à radialista Verlinda Robles, que foi alvo de perseguição por um cara da Costa Rica com quem ela nunca teve nada, mas que a stalkeou durante dois anos para "cumprir o propósito de Deus". A punição para os stalkers pode chegar a dois anos de prisão.
Nossa esse tema foi muito esclarecedor minha sobrinha passou por isso, mas foi uma garota lésbica que perseguiu ela chegando ao ponto de tentar entrar em contato comigo e até com a mãe do namorado da minha sobrinha.
ResponderExcluirLola amo suas postagens tem pouco tempo que te sigo e estou à pouco tempo em busca de uma vida natural, minimalista e em busca da liberdade feminina. Gostaria de te pedir um enorme favor quando você puder falar no blog sobre esse tema: feminismo, padrões estéticos, liberdade de escolha, minimalismo, vida natural sem uso de químicas. Tenho certeza que com o amplo conhecimento sobre o tema você irá ajudar muitas mulheres assim como eu que buscam uma vida mais natural se amando como é se espelhando em seu exemplo.
ResponderExcluirBoa noite a todas as manas... postaram na minha timeline que a mãezinha da Lola infelizmente piorou muito o quadro de saúde e foi para a UTI, praticamente com 0% de chances de vida... por isso ela ñ estaria postando nada no blog e nas demais redes. Força Guerreira! Vc superará toda adversidade. A morte é o destino de TODOS nós, sua mãe descansará quando Deus permitir... bj
ResponderExcluirYou é uma série da Netflix a tratar do tema, porém como a maioria das séries, exceto de temas policiais, polêmicos ou do canal Investigação Discovery caiem no erro de fazer temporadas desnecessárias. Eu já fui vítima de um stalker, detalhe: ele sabia que eu tinha namorado, até o conhecia, foi uma "amiga" que nos apresentou, ela sabia muito bem dos problemas e mau caráter do sujeito, mas apresentava mulheres, talvez fizesse isso com receio de ser a próxima. O calvário começou quando meu namorado viajou para Portugal para visitar parentes e ficou três meses, pois ele pensou que eu estivesse "disponível" , onde eu saia para encontrava a criatura, eu só tomei providências quando ele estava na porta do meu trabalho, conversei com o segurança do local e falei que o sujeito me perseguia, importunava, mas não parou, embora eram anos 90, eu recebia cartas no local de trabalho, residência, pois a tal amiga mencionou meu endereço, telefone tanto residencial como comercial, eram cartas mal escritas a dizer coisas como: ele tinha caráter e meu namorado não, senão não viajaria e me deixaria sozinha no Brasil, ele nunca faria isso, a oportunidade de um bom homem era com ele e coisas do gênero, isso quando não pedia para alguém ligar e passar para ele depois, porque quando era ele não atendia mais. Tomei providências mais enérgicas quando ele estava no mesmo ônibus que eu quando voltava do trabalho, afinal ele morava distante e em outro município, conversei com a irmã do meu namorado a respeito e como eles conheciam delegados, investigadores por terem um comércio no bairro me orientaram a fazer um boletim de ocorrência. As ligações acabaram, as perseguições pessoais idem, mas as cartas continuaram, eu as levava para a delegacia, foi quando orientei a não receber cartas sem identificação ou com nomes desconhecidos como correspondência comum na portaria do prédio, até que parou.
ResponderExcluirEspero que se torne crime mesmo. Fui vítima de stalkers, três vezes, nos anos 1990 e começo dos 2000. Uma foi o namorado de uma amiga por um período curto de tempo (eles terminaram por causa disso e quase perdi minha amiga). Como minha amiga ficou do meu lado, ele acabou sumindo por si só, voltou para a cidade dele. Depois soubemos de outros casos, era um hábito dele. As outras duas ocasiões foram dois homens na casa dos 50 anos, esses inclusive chegaram a abusar sexualmente de mim (conforme se entende o que é abuso atualmente). Esses caras simplesmente cismaram comigo e viviam ligando em casa, no trabalho, apareciam do nada nos lugares. Era um inferno, eles ainda se faziam de vítimas, eu era considerada a grossa ignorante que não sabia conviver com os outros e nem aceitava a vida como ela era. Eu me sentia culpada, por não conseguir coibir esses avanços, não conseguia repelir, achava que eu tinha feito algo para "atrair" esses indivíduos e alimentar suas fantasias e me sentia culpada ainda por "ferir os sentimentos" deles. Tinha vergonha, não conversava com ninguém sobre isso, temia que as as pessoas achassem que a vilã era eu. Esses dois eram funcionários da universidade onde eu estudava, hoje um responde a processos por importunação e assédio sexual e outro conseguiu se aposentar para se safar de possíveis acusações de abuso, há uns 3 ou 4 anos. Esse tipo de comportamento era comum na universidade, pois na cabeça desse pessoal, as alunas eram todas vagabundas a disposição desses sujeitos. Não existia internet como hoje e a informação não circulava, as pessoas não debatiam esses temas. Que legal eram os anos 90 e 2000 né? SQN. Ainda bem que hoje muita informação está a disposição de qualquer um, esses temas são discutidos e é mais fácil que as mulheres e garotas possam reconhecer e se proteger desses abusos, consigam denunciar e mais importante,que apóiem umas as outras. E acabou a romantização desse maldito comportamento masculino
ResponderExcluirTomara que vire crime, quem sabe assim as pessoas parem de achar isso lindo, que parem de achar que ser perseguida por um homem é algum atestado de "ser desejada".
ResponderExcluir