Em 2019 um livro feminista importantíssimo, A Criação do Patriarcado, foi finalmente publicado em português pela editora Cultrix, com tradução de Luiza Sellera. Eu tive a honra de escrever o prefácio. Já fiz um vídeo sobre isso.
Outro dia a Ana Luiza Marques, que mora em Lisboa, escreveu uma thread falando sobre o livro de Gerda Lerner. Se você ainda não leu a obra, leia! Realmente vale a pena! Uma thread sobre como, quando e por que a submissão feminina passou a existir, de acordo com Gerda Lerner, em A Criação do Patriarcado, uma perspectiva interessante que desconstrói muito do que vem sendo disseminado até hoje.
Para Lerner, a divisão sexual do trabalho, com base na “superioridade” natural do homem, é uma sentença que continua em voga tanto quanto era nos primórdios da sociedade humana. Em uma das passagens do livro, a autora destaca que “a consequente explicação da assimetria sexual coloca as causas da submissão feminina em fatores biológicos pertinentes aos homens”. Não é à toa que o homem-caçador, pela sua maior força física e pela experiência no uso de ferramentas e armas, “naturalmente” é quem protegerá e defenderá às mulheres. Mas, como contraponto, na maioria dessas sociedades a caça de grandes animais, realizadas pelo homem-caçador, é uma atividade auxiliar, “enquanto o fornecimento dos principais alimentos vem de atividades de coleta e caça de pequenos animais, que mulheres e crianças executam”.
Ainda de acordo com Lerner, antropólogas feministas em estudos mais recentes estão desconstruindo muitas dessas generalizações iniciais em que a dominação masculina era reconhecida de maneira universal. Acerca disso, constatou-se que as tarefas realizadas tanto por homens, quanto por mulheres, eram indispensáveis para a sobrevivência do grupo, “e o status de ambos os sexos era considerado igual na maioria dos aspectos”. Portanto, nessas sociedades os sexos eram considerados “complementares”; de modo que seus papéis e status eram diferentes, mas nivelados.
O argumento religioso, por sua vez, também contribuiu com o discurso de dominação masculina como universal e natural, pela atribuição que a mulher é submissa ao homem, porque assim foi criada por Deus. Considerava-se que, se mulheres foram criadas por planejamento divino e apresentavam uma função biológica diferente da dos homens, a elas também deveriam ser concebidas tarefas sociais diferentes. Ou seja, se Deus e a natureza assim fizeram, ninguém pode ser culpado pela desigualdade e muito menos a dominação masculina, consequentemente interligada com a divisão sexual do trabalho.
Com o tempo a defesa tradicionalista da supremacia masculina mudou, especialmente quando a explicação tradicionalista da inferioridade das mulheres teve respaldo “científico”. Defensores científicos do patriarcado justificavam a definição de mulheres pela função materna e pela exclusão de oportunidades econômicas e educacionais como algo necessário para a “sobrevivência da espécie”. Nessa perspectiva, a menstruação, a menopausa e até mesmo a gravidez eram vistas como debilitantes, doenças ou condições anormais que incapacitavam as mulheres, considerando-as inferiores.
Gerda Lerner também aponta que as teorias de Freud reforçaram a explicação tradicionalista. Ainda que muitos aspectos da teoria freudiana se provem úteis na construção da teoria feminista, a autora destaca que a máxima para mulheres de que “anatomia é destino” corroborou para o argumento de supremacia masculina.
Desse ponto de vista, as aplicações da teoria freudiana à criação de filhos somadas à literatura popular de autoajuda, segundo a historiadora, “deram novo prestígio ao velho argumento de que o principal papel da mulher é ter e criar filhos”. Lerner inclusive considera que a “doutrina freudiana popularizada [...] se tornou literatura consagrada para educadores, assistentes sociais e o público geral da grande mídia”.
Um importante apontamento que ela faz aos tradicionalistas é que estes aceitaram as mudanças culturais pelas quais libertaram os homens da necessidade biológica, a exemplo da substituição do trabalho físico pelo trabalho de máquinas. Todavia, mantém as mulheres ainda no patamar eterno e imutável de servirem à espécie por meio de sua biologia, atribuindo o papel da natureza em detrimento da cultura.
Ela afirma que independentemente de características como agressividade ou nutrição serem transmitidas por meio da genética ou da cultura, a agressividade pode ter tido o seu papel funcional na Idade da Pedra, mas vem ameaçando a sobrevivência na era nuclear.
Gerda Lerner conclui esta discussão com uma premissa muito importante: que os atributos sexuais são fatos biológicos, mas GÊNERO é produto de um processo histórico.
Desse modo, entende-se que o fato das mulheres terem filhos se deve ao sexo, assim como o fato de cuidarem dos seus filhos se deve ao gênero, uma construção SOCIAL. Para Lerner, “é o gênero que vem sendo o principal responsável por determinar o lugar das mulheres na sociedade”.
Boa tarde, Lola. Por que cargas o facebook não permite a publicação do link deste blog???? Discordei deles, fiz um copy cole de trecho d publicação e indiquei a busca no google pelo nome do blog, às pessoas que quiserem ler este artigo. Vamos ver o que,e se, o facebook responde.
ResponderExcluirLola, o que você acha da Mariana Brito? @marianabrito
ResponderExcluirEla deu uma entrevista recentemente no Venus Podcast comentando sobre o movimento feminista de uma forma muito polêmica... Caso queira o link, eu posso te passar por aqui ou por e-mail.
Abraços!