SOMOS TODAS LAURA SABINO

Laura Sabino tem 21 anos e é estudante de História da UFMG. Faz um ano, ela tem um excelente canal no YouTube em que fala de socialismo, comunismo e esquerda em geral, sempre muito embasada. 

Pô, ela fez o sacrifício de ler o livro inteiro cheio de fake news da extrema direita sobre o comunismo, por exemplo, e rebateu várias mentiras. Ela usa Black Mirror pra falar de meritocracia. Num de seus vídeos com mais views, "Onde o socialismo deu certo?", ela pergunta: "Onde o capitalismo deu certo?"

Ou seja, ela é ótima. E é sempre maravilhoso ver jovens bolando canais com conteúdo, que vão atrair mais jovens. A gente sabe como o YouTube é um território dominado pela direita. Por isso também iniciativas como a da Laura são tão importantes. 

E é justamente por ela desafiar a extrema direita -- e por ser mulher, lógico -- que Laura vem sendo atacada por essa turminha pra qual misoginia é o nome do meio. Há um vídeo pornô circulando no WhatsApp dizendo que é ela a atriz.

É totalmente irrelevante que a moça que aparece no vídeo não tenha qualquer semelhança com Laura, exceto ambas serem ruivas. 

O que importa é divulgar a mentira para sempre associar uma jovem (que fala de política, que é feminista, de esquerda) a algum conteúdo sexual. Mas vale a pena perguntar: e se fosse a Laura no vídeo? Qual o problema? Os reaças que estão disseminando o vídeo fake não assistem pornografia? Não curtem?

É a mesma lógica que faz a pornografia de vingança se tornar uma arma tão eficaz contra as mulheres. Focar no corpo de uma mulher, na sua aparência e sexualidade, é uma tentativa de calar sua voz. De fazer com que ela fique com vergonha, que se retire da esfera pública. E óbvio que perturba. Laura contou à Carta Capital: “Depois da repercussão piorou muito. Muita gente continua me mandando mensagem como se o vídeo fosse real. Portais de direita começaram a fazer notícia como se fosse verdade. Isso tem atingido minha família. É muito horrível, eu estou péssima”.

É inquestionavelmente mais fácil agredir uma mulher nas redes sociais que um homem. Eu tive certeza disso quando a quadrilha misógina que me persegue há quase dez anos atacou duas advogadas que me ajudavam em processos que a quadrilha abriu contra mim. O básico do básico é jogar nome, telefone e às vezes fotos em sites de prostituição e de swing. Aí as mulheres passam a receber dezenas de telefonemas perguntando quanto é.

As advogadas largaram o meu caso no mesmo dia em que os ataques começaram. Mudei para um advogado homem, e a quadrilha fica meio boba, sem saber como atacar. Nessa ocasião costumam procurar as mulheres na vida do cara (mãe, esposa, namorada, filha, irmã etc) e só aí continuam com a difamação. Teve um advogado que não quis pegar o meu caso porque tinha filha pequena, por exemplo. 

Vídeos fakes me associando à pornografia eu nunca vi, mas fotos? Um monte. 

Uma ou outra até está bem feita. Cortam o meu rosto de alguma foto ou vídeo meu, pegam o corpo de uma atriz pornô gorda, fazem a montagem, e divulgam com o meu nome. Na maior parte das vezes essas imagens circulam entre eles, nos fóruns deles, mas algum reaça mais mainstream sempre vai captar as fotos falsas e disseminá-las nas suas redes sociais. Eles são cúmplices, trabalham juntos, seguem a mesma ideologia de extrema direita. E odeiam mulheres, principalmente feministas.

Eu lembro de uma audiência em que participei com a deputada federal Luizianne Lins (PT-CE) na UFC, em maio de 2018, pra falar sobre a Lei Lola. A lei 13.642, que atribui à Polícia Federal a investigação de crimes contra mulheres na internet, é uma criação da Luizianne, que acompanhou a dificuldade que tive para denunciar as ameaças de morte e estupro que recebo há anos (infelizmente, uma PF totalmente aparelhada não tem a menor vontade de investigar crimes cometidos por seguidores leais do presidente contra suas adversárias políticas).

Na audiência, Luizianne contou que, quando foi prefeita de Fortaleza, um vídeo pornô atribuído a ela explodiu nas redes. Ela estava em São Paulo, num evento de turismo, divulgando a cidade, quando o vídeo apareceu. Foi humilhante. Ela era a prefeita da quinta maior cidade do país e mesmo assim não tiveram nenhum pudor em fazer isso com ela.

Ela denunciou à polícia e até ao Ministério da Justiça. Nunca encontraram o autor do vídeo. Foi graças a uma eleitora dela, uma jovem hacker, que pelo menos descobriram de onde veio o vídeo. Mas não foi suficiente pra se chegar à punição de alguém.

Com a técnica do deep fake, cada vez mais avançada e acessível, vídeos pornôs com a cara de mulheres que misóginos querem atingir vão se tornar mais comuns e realistas. Espera-se que trolls profissionais bem pagos (talvez alguns do Gabinete do Ódio?) usem o expediente já nessas eleições de 2020. Até 2022, será banal. Ninguém precisará lançar uma fake news na véspera do segundo turno dizendo que Haddad estuprou uma menina de 12 anos. Vão poder divulgar um vídeo com deep fake com a cara do Haddad estuprando uma menina. As possibilidades são infinitas.

Pra nós mulheres é bem pior. E o pior é que não tem muito o que fazer. Creio que tem que denunciar, tem que fazer boletim de ocorrência, tem que exigir que a polícia investigue, mesmo que não dê em nada. Mas o principal é não se deixar abater. Continuar forte e não se calar. 

Laura Sabino ganhará inúmeros seguidores devido a esse ataque covarde. 

Óbvio que não é o que a gente quer -- a gente quer que um canal incrível cresça por ser um canal incrível, não por um bando de babacas estar fazendo julgamentos morais sobre sua autora. Aquilo de "não existe propaganda negativa" funciona bem pra direita, não tanto pra esquerda. O "Falem mal, mas falem de mim" não funciona pras mulheres. Falar mal de mulheres nos atinge sim, pois vivemos numa sociedade machista, já pré-disposta a julgar meninas e mulheres. 

Então entendo a sua dor, Laura. Mas não se deixe silenciar. Estamos contigo.