segunda-feira, 6 de abril de 2020

PARIS EM QUARENTENA

Depois da França atingir deu recorde de mortes em um só dia (509 no primeiro dia de abril) e ultrapassar as 4 mil mortes causadas por coronavírus (agora já passou dos 8 mil), 
a situação ontem melhorou um pouco, com "apenas" 357 mortes num dia, o menor aumento em uma semana. Ainda assim, mesmo quando tudo se normalizar, o que ainda levará meses, a França poderá ter a pior recessão desde a Segunda Guerra Mundial. 
Hoje publico o texto de Ariana Carnielli, que faz mestrado em Informática na Sorbonne Université e mora em Paris com o marido Guilherme. Eles foram recém-casados para a França seis anos atrás, quando ele foi fazer o doutorado. Agora ele está no pós-doc e procurando vaga de pesquisador ou professor numa faculdade de lá. Este era um plano B, mas, depois da eleição de Bolso, virou o plano principal.

Desde o começo de janeiro eu venho acompanhando as notícias sobre o vírus porque meu marido ia viajar aos EUA para participar de um congresso na área dele e ficamos com medo do contato com alguém doente nos aeroportos. Eu procurei por máscaras no final de janeiro e já naquela época foi difícil encontrar, passei em quatro farmácias antes de encontrar uma com estoque, e apenas de máscaras simples. Álcool em gel também já não existia mais nas prateleiras. 
Ao mesmo tempo, não se falava muito na mídia sobre a doença, nossos amigos e a população em geral não pareciam muito preocupados e nós continuamos com a vida normal. Eu faço mestrado em informática na Sorbonne (antiga Paris 6) e tive aulas normalmente, meu marido está num pós doutorado em matemática e também continuava trabalhando fora de casa e dando aulas presenciais. 
Foi só no começo de fevereiro que as notícias ficaram mais alarmantes, mas o governo ainda dizia que a quarentena não seria necessária: dia 6 de março o presidente Emmanuel Macron foi ao teatro com a mulher e deu uma declaração dizendo que a vida devia continuar normalmente e que não havia necessidade de mudar os hábitos, além das precauções maiores com a higiene. 
Na semana seguinte as notícias de casos aqui na França começaram a aparecer umas seguidas das outras e eu já imaginei que logo a estratégia do governo mudaria. Na quinta-feira, dia 12 de março, foi decretado o fechamento de todas as instituições de ensino, desde creches até faculdades. Não nego que fiquei um pouco aliviada de não precisar mais ir aos cursos pegando metrô. 
Infelizmente isso foi entendido como “férias” por uma boa quantidade de pessoas e no final de semana os parques de Paris estavam lotados. O governo também manteve as eleições municipais que aconteceram no domingo e acho que isso mandou sinais confusos para população sobre se estava ok ou não sair de casa.
Na sexta-feira o twitter já estava lotado de gente dizendo que a quarentena seria decretada então eu fui no mercado tentar fazer uma reserva de comida. Estava mais lotado do que de costume mas as prateleiras estavam cheias e eu não vi gente fazendo compras enormes como foi noticiado em outros países, acho que os franceses são muito “blasés” pra isso. Ir comprar comida acabou sendo uma boa ideia porque na segunda às 20h o presidente fez um discurso ao vivo decretando a quarentena e a necessidade de ter uma atestação (impressa ou escrita à mão) listando uma razão válida de sair. 
Desde então eu quase não saio mais de casa. Meu marido está fazendo home office e dando aulas da nossa cozinha (único lugar com uma parede branca sem cacarecos pendurados!) e continuando com a própria pesquisa e eu estou um pouco abandonada pela faculdade. Os coordenadores do curso não nos passaram como o semestre vai continuar e cada professor está fazendo o que quer, alguns dando aulas ao vivo, outros gravando vídeos e outros simplesmente sumindo e colocando os slides de curso no site (como se fosse suficiente...). 
Os alunos criaram uma petição pedindo a validação automática do semestre porque muitos não têm condições materiais de seguir os cursos e, francamente, quem consegue se concentrar numa situação dessas? Nós também tivemos uma greve no começo do semestre que complicou ainda mais a situação. A petição é esta aqui.
As notícias aqui parecem ser menos negativas do que na Itália e na Espanha, talvez porque o confinamento começou antes que a França atingisse a mesma quantidade de mortes que esses países já tinham quando decretaram medidas parecidas. Ainda assim as mortes estão subindo e o sistema de saúde está no limite, temos hoje 92,839 doentes confirmados e 8,078 mortes. 
A mídia vem noticiando falta de máscaras e outros equipamentos de proteção pros hospitais e a necessidade de transferência de pacientes das áreas mais afetadas pra outras regiões do país e para a Alemanha. Tenho pelo menos um colega de mestrado com suspeita da doença e sei de 3 professores do departamento que também são suspeitos mas ainda não conheço ninguém pessoalmente que tenha morrido por causa do Corona, apenas casos de amigos de amigos. 
Assim como em outros países o governo implementou uma série de medidas para tentar ajudar a economia, por exemplo a possibilidade dos empregadores de colocarem os empregados em algo chamado “chômage partiel” onde quem recebe um salário mínimo ou menos vai receber integral e quem recebe mais passa a receber pelo menos 70%. O estado reembolsa a empresa de 70% de todos os salários de até 6 927 euros bruto mensais. Também criaram a possibilidade do adiamento no pagamento das faturas de água, gás e eletricidade das empresas de pequeno e médio porte, assim como no pagamento de impostos. 
O confinamento foi decretado num primeiro momento por 15 dias mas semana passada o governo confirmou que continuaremos assim até pelo menos o dia 14 de abril. Também instituiu regras mais duras porque ao que parece pessoas ainda estão saindo por motivos não essenciais e agora além de ir trabalhar em algo essencial, comprar comida e ir à farmácia só se pode sair para fazer esportes durante 1 hora no dia e a no máximo 1 quilômetro de distância da própria residência, sempre sozinho. Quem quebra as regras tem que pagar uma multa de 135 euros que aumenta se for uma reincidência.
Fomos no mercado a uma semana e havia uma fila para entrar pois colocaram um limite na quantidade máxima de pessoas lá dentro ao mesmo tempo. Os mercados continuam bem abastecidos e praticamente todo mundo estava usando algum tipo de máscara e luvas, inclusive quem trabalha lá. Nós não planejamos sair de casa de novo até pelo menos o final de abril e muita gente acredita que o confinamento será estendido mais uma vez para o começo ou meio de maio já que o pico de casos ainda não aconteceu e é esperado só no meio de abril. 
Pela janela do meu quarto/sala (eu moro numa kitnet) vejo poucas pessoas na rua mas do que amigos me dizem mais e mais pessoas estão furando o confinamento, acredito que o tempo bom dos últimos dias não ajuda. As férias escolares de primavera começaram neste final de semana e o governo fez diversos apelos públicos pedindo às pessoas que não viajem para não espalhar ainda mais o vírus.
Todo dia às 20h todos os prédios da minha vizinhança se unem em aplausos e agradecimentos aos serviços médicos. Nunca imaginei que fosse me sentir feliz ouvindo um panelaço, mas virou um hábito reconfortante depois de tanto tempo sem ter contato com praticamente ninguém ao vivo. 
No final meu maior estresse é com minha família aí no Brasil, meu irmão ainda está trabalhando normalmente e mora com minha mãe que já tem 60 anos e tem problemas de saúde. Nós nos falamos todos os dias e a sensação que tenho é que o povo aí ainda não tem noção do quão perigosa a doença é. O governo brasileiro está perdendo um tempo precioso pra implementar medidas de contenção e eu tenho muito medo da carnificina que pode acontecer. 

Um comentário:

  1. Aqui no bairro em que eu moro, dom Lustosa, teve semana passada churrasco na calçada e hoje houve feira livre com muitas aglomerações. Muotos não estão levando a sério o isolamento, infelizmente.

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