A gerente de marketing digital Bruna Novo mora em Viena há mais de dois anos. Veio a trabalho e viu o quanto a cidade mudou desde o primeiro caso de alguém infectado com o Coronavírus.
As pessoas estão receosas e a desconfiança com o governo é geral. Publico aqui suas impressões sobre como uma epidemia mundial está afetando profundamente um país. Será que isso vai acontecer aqui no Brasil?
O clima geral é de medo. Não se trata de pânico. Os austríacos, afinal, são muito sérios para isso. Trata-se, melhor dizendo, de um clima de tensão, de receio. “Será que aquela senhora está contaminada? Ela tossiu duas vezes desde que entrou no metrô. Aquele rapaz parece febril. Será que ele está doente?” Os antes tão reservados vieneses, que muito mal olhavam uns para os outros a caminho do trabalho, agora disparam discretos porém constantes olhares de desconfiança.
Quem caminha hoje pela Stephansplatz, a praça de Santo Estêvão situada no centro de Viena, capital da Áustria, nota a diferença na quantidade de visitantes no local. Sempre tão movimentada, sempre repleta de turistas vindos de todos os lugares do mundo, a área em frente a uma das mais antiga catedrais do mundo, a Catedral Stephansdom, conta hoje com grupos menores.
O caminho para o trabalho também mudou nos últimos dias. O metrô, antes silencioso porém sempre cheio de vida, agora conta com menos pessoas circulando, até nos horários de pico. Não há pânico declarado, mas bastaram os primeiros casos de coronavírus surgirem no país para os desinfetantes desapareceram das prateleiras. Muitas pessoas começaram também a estocar comida. Ainda há muito à venda, o suficiente para todos, mas alguns produtos começam a faltar em certos pontos da cidade. Os austríacos são, afinal de contas, muito cautelosos.
Conforme a situação na Itália, país vizinho, se agravou, naturalmente, a Áustria teve que responder. Já são mais de 7.375 casos na Itália e o número de mortes aumentou de 97 para 463. Com razão o primeiro-ministro Giuseppe Conte descreveu o surto como a "hora mais sombria" do país. Os relatos que chegam à imprensa austríaca são de fato assustadores. Com uma passagem de trem e algumas horas pode-se partir de Viena para praticamente qualquer lugar da Itália e vice versa. A população começou então a cobrar atitudes significativas de prevenção.
O governo proibiu a entrada de pessoas vindas da Itália e começam a surgir relatos de trens que foram interditados, de pessoas que foram examinadas no meio da estação e que foram para Itália e agora já não conseguem mais voltar. Lançaram um portal com informações em inglês e outros idiomas, e a companhia de trens trabalhou para que as portas abrissem automaticamente para evitar o toque (antes você tinha que apertar um botão na porta para que a porta abrisse).
Foi pouco. Até o momento na Áustria mais de 5.026 testes foram realizados. Já são 157 casos em diversos estados federais: Baixa Áustria (39), Viena (43), Estíria (17), Tirol (27), Alta Áustria (13), Salzburgo (10), Burgenland (4), Vorarlberg (3) e Caríntia (1). Não é mais possível conter o avanço da doença por aqui. A população se protege como pode, embora poucas sejam as pessoas usando máscaras nas ruas.
Mais e mais pessoas vão sendo colocadas em quarentena, inclusive um colega de trabalho meu. Ele tomou um café com uma mulher que teve contato com um caso confirmado. Quem diria que a tão admirada cultura austríaca do café poderia se tornar tão perigosa. Outro colega, que teve uma reunião de trabalho com um caso confirmado de coronavírus, foi isolado em casa e não pode sequer ver os próprios filhos. Mesmo sem apresentar sintomas, ou sem ter sua contaminação confirmada, as pessoas vão sendo isoladas para evitar que a doença se espalhe (ainda mais).
Isso gera mais medo porque seus círculos vão se fechando ao redor quando mais e mais conhecidos são isolados. A gente fica pensando “será que o próximo caso será comigo?”, “será que eu tenho comida o suficiente?”, “se eu não puder sair de casa por duas semanas, como eu vou comer?” Um espirro, um momento de tosse e você se vê preocupada com os colegas de trabalho logo comentando: “vá para casa, você está doente!” Eles também não querem adoecer. Ninguém quer adoecer.
A vida continua, embora tenham cancelado aulas de ensino superior. Pediram que as empresas liberem os funcionários para trabalharem de casa. Todos os eventos ao ar livre com mais de 500 participantes e internos com mais de 100 participantes foram cancelados. Em um país que tem dezenas de concertos acontecendo todos os dias, isso sem dúvida quer dizer alguma coisa. Todas as noites, só em Viena, cerca de 10.000 pessoas frequentam eventos de música clássica ao vivo.
Todos os anos, a agenda de shows de Viena inclui mais de 15.000 eventos de vários tamanhos e gêneros. A cidade respira arte e música. Ou pelo menos respirava.
É triste pensar que a capital mundial da música agora vai ficar um pouco mais em silêncio.
Apesar dos pesares, seguimos com esperança e civilidade, nos protegendo como podemos. A vida caminha apenas um pouco mais devagar e com um pouco mais de receio.
E nesses dias mais incertos, do fim desse inverno que se arrasta e se recusa a ir embora, eu me lembro da mensagem que vi por acidente no celular de um rapaz no metrô. Entre muitos corações e outros símbolos de carinho, eu li: "'Anna tutto bene".
Tudo ficará bem.
No site do ministério da saúde fala que já são 8 casos confirmados mais de 600 suspeitos e mais de 300 casos já descartados.
ResponderExcluirFonte: https://googleweblight.com/i?u=https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46493-coronavirus-com-8-casos-confirmados-brasil-monitora-636-suspeitos&hl=pt-BR
Mas enquanto o governo toma providências, o povo prefere fazer memes.
https://youtu.be/vvHjeYeTT3c
Aqui na Austrália o pânico se instalou também (vide a absoluta falta de papel higiénico e outros mantimentos dos mercados). Semanalmente eu recebo emails da minha empresa (que é mundial e tem escritórios nos EUA, Europa, Asia e Oceania) com novas determinações, como recomendação para que os funcionários não viajem para lugar nenhum nem de férias (eu tenho um cruzeiro domestico marcado pro mês que vem que provavelmente terei que cancelar), quem for pra um dos países com nível 2 de alerta (como a Itália, Ira e boa parte da Asia) tem que ficar em quarentena obrigatória de 14 dias ao retornar, e essa semana veio o mais esdruxulo: qualquer funcionário com sintomas de gripe (mesmo simples espirro ou tosse) tem que ficar em casa. Só que aqui em Sydney com as recentes queimadas, e agora a mudança brusca de tempo recentemente está todo mundo gripado ou com alergia/asma! No meu escritório tem apenas umas 15 pessoas e pelo menos metade está tossindo e espirrando. Com o inverno se aproximando, a tendência é que os casos de gripe (comum, não o coronavírus) aumentem exponencialmente, e eu que tenho filhos menos de 5 anos, então, parece que eles estão sempre com nariz escorrendo! Como lidar com isso em meio ao pânico do coronavírus e as orientações de quarentena?
ResponderExcluirEu até ontem estava revoltada com esse pânico mundial e o “excesso” de medidas sendo tomadas pelo governo. Mas ontem eu estava lendo muitas reportagens sobre o assunto, e entendi um pouco o motivo do pânico. Aqui na Austrália, apesar de termos um bom sistema de saúde publico, ele está no limite de capacidade. Nos anos em que a influenza é mais severa, vira o caos nos hospitais e clinicas. E esse é o temor com o coronavírus: se todo mundo ficar doente ao mesmo tempo, o sistema de saúde entra em colapso. O que explica o alto número de mortes na Itália. Por isso a meta dos países, a Austrália incluído, é tentar ao menos freiar a proliferação do coronavírus, para dar tempo do sistema de saúde acompanhar. A China foi absurdamente eficiente nesse quesito com a abertura de hospitais temporários e as medidas de lock down sem precedente. Por esse motivo na China houveram “apenas” uma centena de milhares de casos ao invés de milhões, e a mortalidade também não foi tao alta. Já a Itália não está tendo a mesma sorte…
Enfim, agora eu entendo as medias preventivas mundiais, que me pareciam exageradas a primeira vista, e começo a temer pelos próximos meses. Não temo o vírus em si, mas o impacto que essa pandemia terá na economia mundial. A economia australiana é super dependente da China e já está bem impactada. E pra piorar: “the winter is coming”, e a temporada de influenza somada com o coronavírus traz uma ameaça real de um tenebroso inverno pra nós aqui. Isso depois de um verão bem ruim com os incêndios que assolaram a costa leste da Austrália. Enfim, tempos sombrios…
Para os seres humanos que tem bom senso, consciência e racionalidade.
ResponderExcluir"Sou médico e infectologista. Eu trabalho com isso há mais de 20 anos vendo pacientes doentes diariamente. Eu trabalhei em hospitais nas cidade e nas favelas mais pobres da África. HIV-AIDS, hepatite, tuberculose, SARS, sarampo, caxumba, coqueluche, difteria ... há pouco a que não tenha sido exposto em minha profissão. E, com notável exceção da SARS, muito pouco me deixou vulnerável, sobrecarregado ou absolutamente assustado.
Não tenho medo do Covid-19. Estou preocupado com as implicações de um novo agente infeccioso que se espalhou pelo mundo e continua a encontrar novos pontos de apoio em diferentes solos. Preocupa-me, com razão, o bem-estar dos idosos, daqueles com saúde frágil ou desprovidos de privilégios, que sofrem principalmente e desproporcionalmente nas mãos desse novo flagelo. Mas não tenho medo do Covid-19.
O que me assusta é a perda de razão e a onda de medo que induziram as massas da sociedade a uma espiral inacreditável de pânico, armazenando quantidades obscenas de qualquer coisa que pudesse preencher adequadamente um abrigo antiaéreo em um mundo pós-apocalíptico. Tenho medo das máscaras N95 que são roubadas de hospitais e clínicas de atendimento de urgência, onde elas são realmente necessárias para profissionais de saúde de primeiro atendimento, que em vez disso, estão sendo colocadas em aeroportos, shoppings e cafés, perpetuando ainda mais medo e suspeita de outras pessoas. Estou com medo de que nossos hospitais fiquem sobrecarregados com quem pensa "provavelmente não o têm, mas que pode ser examinado, não importa o que aconteça, porque você nunca sabe ..." e aqueles com insuficiência cardíaca, enfisema, pneumonia ou acidente vascular cerebral pagarão o preço pelas salas de espera de emergência com escassez de médicos e enfermeiros para realizar consultas.
Tenho medo de que as restrições de viagem se tornem tão extensas que os casamentos sejam cancelados, as formaturas perdidas e as reuniões familiares não se concretizem. E bem, mesmo aquela grande festa chamada Jogos Olímpicos ... que também poderá ser suspensa. Você consegue imaginar isso?
Receio que os mesmos medos epidêmicos limitem o comércio, prejudiquem parcerias em vários setores e negócios e culminem em uma recessão global.
Mas, principalmente, estou com medo de que mensagem estamos passando aos nossos filhos quando confrontados com uma ameaça. Em vez de razão, racionalidade, mente aberta e altruísmo, estamos dizendo para que entrem em pânico, sejam medrosos, desconfiados, reacionários e com interesse próprio.
Covid-19 está longe de terminar. Chegará a uma cidade, um hospital, um amigo e até um membro da família perto de você em algum momento. Aguarde. Pare de esperar o pior. O fato é que o próprio vírus provavelmente não fará muito mal quando chegar. Mas nossos próprios comportamentos e a atitude "lute por si mesmo acima de tudo" podem ser desastrosos.
Eu imploro a todos vocês. Tempere o medo com a razão, o pânico com a paciência e a incerteza com a educação. Temos a oportunidade de aprender muito sobre higiene de saúde e limitar a propagação de inúmeras doenças transmissíveis em nossa sociedade. Vamos enfrentar esse desafio juntos, com o melhor espírito de compaixão pelos outros, paciência e, acima de tudo, um esforço infalível para buscar a verdade, fatos e conhecimentos, em oposição a conjecturas, especulações e expectativas catastróficas.
Fatos, não temor. Mãos Limpas. Corações abertos.
Nossos filhos vão nos agradecer por isso".
*Abdu Sharkawy*
Médico Infectologista da Universidade de Alberta - Canadá
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